Não é pregação ou advertência —
algo têm que morrer,
ainda que na aparência,
para outro renascer.
Digo com o coração pleno de paz:
apenas os mais egoístas
dirão que o amor se desfaz
sem deixar marcas ou pistas.
Porque se há um sentimento
que seja eterno é o amor
porquanto não haja consentimento,
mesmo que surja o rancor.
Eu sei que o que sinto é infinito,
assim como os átomos que me compõe,
como é efêmero o corpo que habito,
como é perpétuo o universo-mãe.
Quebramos o espelho — foram sete anos de sorte,
o perfume que se perdeu o reencontramos no 102,
vivemos a entrega, as brigas, cortejamos a morte
porque nada poderia ser deixado para depois.
Eu a manterei na lembrança
ainda que sem as minúcias que tanto preza,
mesmo que não tenha mais esperança…
Vê-la mais uma vez, seria uma surpresa.
Porém você está em mim — sua voz, sua boca,
olhos de esmeralda que passeiam em minha mente,
sua linguagem pajubá, vertigem de leoa louca —
alma de loura, cabelo gris e corpo de serpente.
A memória da areia branca, o braço rumo ao céu,
a carta lida no metrô — que a fez perder a direção,
os toques dos saltos no corredor do hotel
e sapatos de naja — carinho por declarar sua paixão.
Quando você dizia que tudo terminaria, eu não previa,
tão apaixonado, tão absorto em centros alternativos,
que o tempo se esgarçaria, que o templo ruiria
na rua da marquesa onde nos tornávamos deuses redivivos.
O meu desejo lhe pertence — é dona de um rei…
Sinto pena que ele nunca mais possa colher da rosa
a cor, a dor, o mel, o prazer que nunca imaginei…
Já, o escritor, sei que nunca perderá a musa de verso e prosa.
*Poema-delírio de 2020 — tempo pandêmico
Imagem: Lilith, a primeira mulher, entidade de origem judáica-mesopotâmica.







