Confissões Em Rede

As redes sociais se tornaram invasivas, muito por aceitação pessoal. Aliás, por uma espécie de adesão de bom grado, passamos a despejar sobre os nossos incautos “amigos” de rede, passagens íntimas que antes talvez não revelássemos a nós mesmos. Em 2014, quando escrevi o texto abaixo, mal sabia sobre tantas coisas que vim a descobrir sobre mim. Lendo e me informando, vim a descobrir e aceitar o fato de ter sido, desde pequeno, uma pessoa ansiosa. Dormindo, fiz xixi na cama até os sete anos de idade, mais ou menos, uma característica que não era (no meu caso) de ordem fisiológica, mas psicológica. Quando robusteci a minha personalidade um tantinho decidi, e consegui, parar de urinar no colchão sempre protegido por uma cobertura de plástico.

“Bom dia!

Para quem possa ter percebido a minha ausência por estas paragens virtuais, estou de volta ao Facebook, após duas semanas. Peço desculpas a quem possa ter se ressentido por esta minha atitude intempestiva, que tomei em uma manhã que me sentia muito mal. Não sou afeito a confissões públicas de dor ou prazer, mas tento não recriminar quem o faz, mesmo porque sei que quando algo aperta o coração, quando não temos algum interlocutor por perto, tendemos a jogar no ar aquilo que nos afeta. Pode parecer uma atitude incorreta, mas reprimir o que nos oprime pode acarretar resultados perniciosos. Por experiência própria, sei muito bem que quando não liberamos de algum modo o que sentimos, em algum momento as consequências sobrevirão. Por experiência, no meu caso, somatizo.

Por muitos anos, o meu corpo recebeu saraivadas de impressões gravadas a ferro e fogo, normalmente, internamente, com resultados que acabaram exteriorizados. As mídias sociais têm servido de plataformas para expressões pessoais irreprimíveis, que precisam ser ditas, caso o contrário, podem matar o seu interlocutor. Se não imediatamente, aos poucos… Antes, eu implicava com esses tipos de “confissões” para a plateia, no entanto, tenho por princípio não me colocar como juiz de nada, se bem que mantenha opiniões (ou preconceitos) privados em relação a quase tudo. Agora, me permito não apenas não condenar, como até simpatizar com a quem faz, pelo desprendimento ou coragem em fazê-lo, seja lá o que for e da forma que for. (Observação: na época, não havia percebido que muitos desses relatos tinham por objetivo angariar seguidores).

Então, meus ‘amigos’ (alguns, mesmo distantes, o são, realmente!), desejo, mais uma vez, que seja um belo dia! Advirto que um dia pode parecer excepcionalmente bom até que, no último minuto, talvez possa se revelar ruim, por alguma informação nova que recebamos por algo que tenha sucedido durante o seu trajeto e não sabíamos. E isso é que faz a vida ser tão dramática, no sentido teatral, mesmo. Tal qual um jogo de futebol que só se define após o apito do juiz, que em nosso caso, deveria ocorrer quando o sono advém, mas isso também não é o fim… ao contrário”.

Como Seria O Trânsito Se Todo Mundo Tivesse Um Carro?*

Infelizmente, para a minha família, eu não dirijo. Quando eu era um jovem mancebo de 18 anos, dada a minha natureza contestatória, decidi não aprender a dirigir para não parecer com a maioria dos rapazes que alcançava a maioridade e estabelecia a direção de um carro como prioridade em sua vida. Aquela era a decisão de alguém que não ligava para a sociedade de consumo, que via a ideia de tornar-se um vagabundo com a seriedade de um projeto de vida.

Com o passar do tempo, e atendendo ao chamado do amor pela mulher, comecei uma família e as minhas convicções foram vencidas pela necessidade de fazer frente às demandas da sociedade, incluindo a de tirar carta de motorista. Tentei três ou quatro vezes, mas por falta de treinamento ou inaptidão para tal tarefa, não passei nas provas práticas. De certa maneira, fiquei aliviado, porque ser mais um condutor que jogaria o seu barco na correnteza turbulenta dos rios de águas cinzentas de asfalto não me agradava nem um pouco. Obter licença para dirigir (ou ser dirigido pelo carro) é uma programação sempre para amanhã que ainda realizarei, nem que seja por teimosia.

Sempre fui um entusiasta do transporte coletivo e não vejo solução mais adequada para quem vive nos grandes centros do que se deslocar por ônibus e trens, entre outras opções, para os locais aos quais precisamos chegar — residência, trabalho ou lazer. Essas alternativas parece não fazerem parte da planificação de nossas autoridades públicas. Antes, quase acredito existir um empreendimento de intenso boicote a necessidade básica de transporte público. Devido à característica egoística de nossos cidadãos, em resposta a piora de nosso trânsito, são adquiridos cada vez mais veículos, o que torna as nossas vias, em conjunto, o principal cenário das maiores tragédias de nossos tempos.

Fazendo um exercício simples com relação ao incremento do número de carros nas ruas de nossas cidades, imaginei se todos tivessem um dia um automóvel. Como não haverá lugar para estacioná-los, eles se tornarão a nossa residência. Portanto, a solução seria a de que os veículos ficassem estacionados perto de onde as pessoas trabalham. Observando o crescimento da tendência das pessoas viverem em seus carros, já que dificilmente conseguiriam se deslocar para a casa original a tempo de voltar para trabalhar, incorporadoras imobiliárias criariam garagens-residências, ao estilo de campos de trailers. Melhor ainda, os trailers se tornariam a opção mais convidativa para esse mister. Viveríamos sobre rodas, mas devido à quantidade de carros, não teríamos para onde ir, encalacrados que estaríamos em um eterno congestionamento para o resto de nossas vidas…

*Texto de 2013

https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2013/03/130325_carros_mundo_congestionamento_mm

Outonando*

Chegou o Outono

O que mudou? Para uma civilização em que a maioria de seus habitantes vive nas cidades, quase nada. Principalmente em um País que tem quase todo seu território entre as linhas do Equador e de Trópico de Capricórnio, com variações climáticas mais tênues que nos países muito acima ou abaixo da metade imaginária do planeta.

Viver em metrópoles desvincula o seu morador do ciclo natural em que as estações anunciam as suas características de forma mais aberta. O asfalto e as casas de pedras impedem que as águas das chuvas penetrem no solo e, nesses momentos, ou quando o sol inclemente frita os cidadãos nas calçadas sem cobertura verde, é que a questão ambiental interfere no dia a dia desses seres desarmados de aparelhos de ar condicionado.

Com os horizontes descontinuados pelas grandes construções, nem os céus nem os sonhos ganham profundidade e a inclinação da Terra em relação ao Sol não pode ser visualizada nos efeitos mágicos de cor que são produzidos quando o tempo não está fechado.

O desequilíbrio climático apenas agrava as péssimas condições nas quais vivemos. Para sustentarmos a civilização que tem o granito e o aço como símbolos do progresso, acabamos por contaminar a nossa alma e nosso pensamento pela falta de magia que é a revelação da vida natural, naturalmente…

Forçamos o início e o fim do processo como a acionar um botão de liga e desliga, sem passarmos pelo tempo intermediário que é a base da própria existência e os ciclos não se cumprem…

Até onde chegaremos?…

*Texto de 2016

Recriação

Ofereço o veículo de Luz
acima do muro.
Para além dos fios.
Na linha do horizonte,
o óvulo solar gesta o seu ocaso.
Como se estivesse Yemanjá
presente no mar celeste,
boia a oferenda da tarde
que viajará até o outro lado do planeta.
Tantas vezes brigamos,
outras tantas, voltamos…
A cada despedida, aprofundamos a voragem,
a cada volta, aumentamos a voltagem…
Somos, todos nós, amantes –
eu, de você,
você, de mim,
nós – em que somos outros – de nós mesmos…
Apesar de viajarmos para fora dele,
amamos o mundo,
amamos no mundo…
Amor fecundo,
amor imundo,
amor sofrido
amor redivivo…
A minha mãe me pariu,
você, mulher, me recriou…
Sou pedaços dela,
sou inteiramente seu…

Jogo de Amarelinha

Há algum tempo, fiquei impressionado com uma experiência feita com porquinhos, vista pela televisão. Recém-nascidos, um grupo deles foi separado da mãe. Um outro, permaneceu com a genitora, alimentado e cuidado por ela. Os dois grupos, colocados em situações iguais, passavam por etapas semelhantes, como ultrapassar empecilhos, obtendo resultados bem diferentes. Os filhotes que ficaram com a mãe eram mais atilados, corajosos, venciam os obstáculos com coragem e perspicácia. Os apartados eram tímidos, indecisos ou até temerosos em enfrentar situações inusitadas.

Verificou-se que para estes porquinhos, seus desempenhos e desenvolvimentos individuais foram tolhidos pela separação e cuidado maternal. Entre chocado e triste, raciocinei que essa experiência não precisaria ser realizada com os pobres porquinhos. Eu via de perto a realidade a me estapear diariamente na Periferia (mas não apenas) que vivenciava o cotidiano com as famílias incompletas e dispersas. Eu, mesmo, ainda que tivesse uma mãe quase onipresente (o que nem sempre ajudava), tinha um pai, a maior parte do tempo, ausente. O sentimento que tinha por ele vivia no limite entre o temor e a admiração.

À época, acreditava que nada fosse tão determinista. Supunha que a parte racional do ser humano nos ajudaria a suplantar a falta de atenção e do cuidado na infância. Eu era bem novo, daqueles que acreditavam no País do Futuro, na raça miscigenada e superior que formaríamos, nós, cidadãos brasileiros ou quem aqui vivesse – bem-educados, evoluídos nas questões sociais – riqueza bem dividida, fome superada, assistência na saúde, oportunidades de trabalho. Ainda cria que o Capitalismo trazia dentro de si a semente que o destruiria. Que sobrevive, reproduzindo em série mentes amestradas que lutam pelo senhor invisível cultuado como se fosse o próprio Deus.

Viajando para o Futuro, ficava imaginando como passaríamos o tempo vago que teríamos. Boa parte, eu utilizaria para o lazer, para a prática esportiva e em atividades culturais. Imaginava que todos dividiríamos as funções profissionais, o que levaria ao pleno emprego, com salários e economia equilibrados. As tarefas repetitivas e perigosas. seriam realizadas por máquinas. Os romances que lia – de escritores russos, americanos, europeus e brasileiros – representariam o Passado, a nos mostrar como não repetirmos ações perniciosas que resultam em tantas mazelas em nossa Sociedade.  

Esse era o Céu na Terra que eu antecipava. Como no Jogo de Amarelinha, chegaríamos, de salto em salto ao objetivo final, por vezes nos equilibrando num só pé, se preciso fosse. Sonho de adolescente, com a experiência fui descobrindo que o mesmo cérebro humano que desenvolvia a ciência, perambulava pela inconsciência e o inconsciente. Que vários outros fatores (quase todos) eram inconsistentes e incontroláveis. nascidos no pântano da alma humana, interferindo na índole de tantos. Aparentemente, o ser humano vive a repetir comportamentos que lhe dão essa característica irrevogável de meio anjos, meio demônios. Viventes entre o Céu e o Inferno, enquanto bem-intencionados lutam para se libertarem desses sentimentos impuros tentam superar os invisíveis e pesados grilhões que seguram as passadas rumo a objetivos mais altos, outros se refestelam de ignomínias, em busca de um Presente tendo como modelos as piores ideologias passadistas – nacionalismo, fascismo, nazismo – além de autodenominados socialismos distorcidos que não passam de populismos requentados.

Numa calçada pelo qual passava, em frente a uma escola infantil, havia um Jogo de Amarelinha pintado. Diferente das antigas desenhadas no chão batido de ruas sem asfalto ou, mais tarde, com giz numa rua pavimentada, este ia da Terra ao Céu, mudando o nome do final do percurso. Talvez, por questões religiosas ou pela tendência do movimento do politicamente correto, do tradicional Inferno, o destino inicial se tornou a Terra. Como anjos caídos, voltaríamos ao Céu, saltando do meio mais material – a Terra – para o Paraíso. Filosoficamente, de certa maneira, quase se torna um tratado figurativo de nossa condição de porquinhos apartados que chafurdam na lama, sem pai nem mãe, com a Terra assumindo o papel de Inferno