Volto para a casa – Avenida dos Bandeirantes. Hoje, noite de sexta, como todas as noites, antes, um garoto a vender flores na chuva, encharcado. Caminha entre os carros, passo largo, trânsito parado. Investe em quem tenha algum desses sentimentos: saudade, amor, carinho, culpa ou arrependimento…
Hoje, a minha caçula completa 28 anos. Dentre os vários textos que publiquei por oportunidade de seu aniversário, este aqui é de certa forma didático, por vários motivos. Pela origem de seu nome, pelos votos envolvendo temas recorrentes. Quando se fala de amor, fonte inesgotável, poderia repetir sem parecer igual todas as facetas que ele apresenta.
Hoje, às 15h15, há dezenove anos antes, nascia a Lívia. Filha escolhida e esperada para nascer. Brincando, a Tânia já disse a ela: “a camisinha estava ali do lado, no criado-mudo, mas seu pai não quis usá-la!”… Certamente, eu queria ter mais alguém na família e, assim, chegou a nossa caçula. Outro dia, brincando, ela chegou a me dizer que agradecia a minha decisão. Quanto ao seu nome, desde que tive contato com os trabalhos da Romy Schneider e da Ingrid Bergman, quis homenagear o meu gosto por atrizes do cinema europeu através das minhas filhas. No caso dela, a homenagem que quis prestar foi à Liv Ullmann, menos conhecida, mas não menos talentosa que as outras duas. A Tânia achou melhor latinizar o nome e Liv tornou-se Lívia.
Hoje, fomos ao médico juntos, na parte da manhã, e no prédio do consultório havia um canal de TV que reproduzia pequenas notas sobre vários assuntos. Uma delas, informava que fora descoberta uma bactéria alienígena em um fragmento de rocha espacial, que os cientistas confirmam como o primeiro ser extraterrestre registrado. Percebi que não dava para deixar para depois e aproveitei a oportunidade para confessar que ela era também filha de um extraterrestre. Para não deixá-la muito baratinada, disse que todos nós, seres humanos, não somos deste planeta. Como tivemos que nos despedir para os nossos respectivos compromissos, não pude completar que nós apenas tomamos a Terra emprestada e que devemos cuidar dela com todo o desvelo, se bem que não temos realizado uma boa tarefa.
Sendo assim, falando diretamente a você, minha etezinha, desejo que a sua vida neste planeta seja o mais belo possível, sabendo que os seus habitantes são muito inseguros, muito temerosos e, portanto, agem muitas vezes com raiva e violência. Mas também que este é um mundo cheio de oportunidades de crescimento, de beleza e amor. Que tudo é possível, desde que o amor seja exaltado e a vida valorizada. Espero que você, querida caçula, me agradeça por ter escolhido este mundo para viver! Parabéns, meu amor!
Eu me lembro de começar a frequentar o Bairro de Sant’Anna pelos idos de 1977, para estudar. Para chegar ao Colégio Pe. Antônio Vieira, passava pela Avenida Voluntários da Pátria que, à época, tinha ao longo de seu percurso até em frente ao Metrô recém-inaugurado, no máximo dois edifícios mais altos. Um deles, me chamava maior atenção porque a face frontal apresentava um trançado feito cesta de vime em faixas em amarelo e marrom.
No decorrer dos anos, foram surgindo cada vez mais outras construções, sempre mais altas, cada vez mais indistintas – em quadraturas inóspitas – apesar de supostamente inteligentes no uso de áreas cada vez menores. O custo foi o abate célere de residências antigas, tão típicas quanto graciosas da antiga vila da Zona Norte. Esse padrão de desenvolvimento urbano se tornou hegemônico, ganhando maior expressão ao longo das décadas seguintes por toda a cidade. São edifícios de estilos retos e simples ocupando zonas caracterizando épocas distintas – antigos marcos históricos – com visuais com variações criativas, soluções singulares e a presença dos inefáveis quintais.
Sendo essa uma das características mais interessantes de São Paulo, a diversidade arquitetônica e humana da cidade, na Periferia, na qual sempre vivi, eu encontrava a improvisação para a resolução das deficiências estruturais na ocupação de terrenos situados em declives e aclives em regiões caracterizadas pelo relevo ondulante de morros e vales.
Algumas das soluções encontradas pelo povão me surpreende pela ousadia. O talento para equilibrar construções em plataformas normalmente íngremes, me fez perceber certa harmonia no caos visual. Nas comunidades, a instauração de “puxadinhos” foi levada à quintessência de obras de arte da sobrevivência em espaços pequenos. Fora também a introdução de características inovadoras em termos decorativos. Em imagens que encontro de cidades da Idade Média, cristalizadas no tempo, encontrei similaridades. A diferença é que aquelas foram construídas com material como pedra ou tijolos duráveis.
Nas regiões centrais, a arquitetura de influência francesa das primeiras décadas do século passado foi, principalmente após a Segunda Guerra, sendo substituída pela americana, de linhas mais retilíneas, funcionais e, muitas vezes, sem graça. E esse processo tornou-se uma tendência em São Paulo imensa, mas de menor heterogeneidade visual, despersonalizada. A última tendência são torres envidraçadas em que a melhor novidade, além de sua “inteligência” à bordo, é a reprodução espelhar do seu entorno.
Os anteriores formam uma série de caixotes com buracos à guisa de janelas, com a uniformização do padrão visual. O resultado prático – no sentido pleno – é que acabamos por nos tornarmos igualmente equalizados pelo funcionamento dos locais que habitamos. Somos dirigidos a não nos desviarmos do comportamento padrão de funções e ideias. Como animais condicionados, somos levados a seguir certas regras para obtermos a recompensa do alimento. Famílias em que os mais velhos ficavam sentados em cadeiras em frente às casas, enquanto as crianças brincavam ao longo da rua se tornaram histórias anacrônicas e sem sentido no atual “sistema produtivo”.
Não é por outra razão que os paulistanos, assim que é possível, saem em fuga da cidade organizando-se em filas quilométricas de automóveis rumo ao interior ou à praia. Querem fugir da mesmice de ruas apinhadas de carros para caírem em congestionamentos intermináveis. E haja falta de imaginação nesta Sampa congestionada e apequenada…