#Blogvember / Eu Você Nós

Você e eu, frente e verso (Suzana Martins)

Foto por Harrison Haines em Pexels.com

estamos…
colados você e eu frente e verso
e versos
nossos corpos a conversar
intumescências a versar
transpor limites penetrar âmagos
nos engolirmos fazer vibrar estômagos
liquefazer desejos salivares
acessar berços estelares
ultrapassar sistemas solares
em viagens para além do passado
voltar ao útero do nada antes de tudo
penetrarmos em presentes possíveis
conhecermos futuros acessíveis
eu você nós urdidos em fibras
transfigurarmos nossos somas
sonharmos os sonhos dos deuses
somarmos nossos prazeres
inaugurarmos o tempo
fecundar o solo da matéria
criarmos planetas e satélites
explodirmos e enfim
adormecermos a vida…

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes




#Blogvember / O Que É Teu

Falar do que é teu, não posso (Lua Souza)

Registro do casal de Outubro de 2021, em Paraty-RJ

Querida, falar do que é teu, não posso. O que te pertence, apenas tu saberás. Tento sempre me colocar no lugar das pessoas, interpretar sentimentos, emoções, senões, apesares… Contigo, é diferente. Mesmo depois de tanto tempo de convivência, tu és outra do que quando te vi pela primeira vez. E continua a te desenvolver. O que é bom. Vejo que evoluíste em tantas convicções, que não percebe-te uma pessoa parada no tempo.

Estamos há mais tempo juntos do que separados em nossas vidas íntimas. Nos transformamos mutuamente. Compartilhamos idades diversas, perrengues que já conheces, mas não divulgamos para que não recaiam sobre nós olhares de condolências ou invídia. Somos altivos, apartados de amizades com outros casais e até um pouco misantropos. Nossas atividades são díspares em significados, alcance e valorização. Sabes que te admiro como profissional e abençoo o dia em que escolhi me entregar à mais inteligente. Temos divergências, tantas quanto é possível dentro do limite aceitável para não joguemos fora as alianças (a minha está em lugar incógnito).

Sagitariana, guerreira, meio humana, meio animal, está sempre em movimento, ainda que saiba dormir como poucos. Mas mesmo adormecida, ao despertar relata sonhos que teve, estranhos, coincidentes com acontecimentos externos e vibrações internas. Intuitiva, resvala na verdade, mesmo sem querer. Descreve, como poucas pessoas, procedimentos técnicos de teu trabalho. Excelente, a exceder o normativo, cria viabilidades ao que já é conhecido. Eu, que te conheço (mais ou menos) de perto, não tenho expectativas aonde chegará, porque tu és surpreendente. Sei que crescerá para além de tuas próprias expectativas. Chegou a lugares que a menina do interior do Rio nunca imaginou chegar – ao Cabo da Boa Esperança – tanto física quanto metaforicamente.

Do Atlântico ao Índico e, mais recentemente ao Pacífico, vislumbraste diferentes águas de Oceanos. E isso é apenas um exemplo. Falar do que é meu, eu posso – o desejo que continue a ser autêntica – ainda que me irrite quando exageras na franqueza. Quero-te tão bem quanto desejaria a alguém que construiu uma vida inteira ao teu lado. Nossas bençãos não são materiais, mas estão materializadas nos frutos que geramos e cuidamos para que se tornassem as mulheres incríveis que são.

Feliz, 60, querida!

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes

#Blogvember / Perdidão

PERDIDÃO

… eu estava perdido em mim sem fim nem começo (Obdulio Nuñes Ortega)

Meu irmão, Humberto e eu, idos de 1985, três anos antes de mudar o meu rumo…

Quando eu era adolescente, passei por todas as etapas possíveis que um jovem sofre nesse fase de desenvolvimento, de alto a baixo. Desci aos infernos da rejeição das outras pessoas que não entendiam as minhas escolhas, como a de me tornar vegetariano aos 16 anos de idade, se bem que foi aos 17 que me recordo mais claramente da inauguração desse estilo de viver. Era uma época que não havia muitos alimentos à disposição em supermercados para substituir com qualidade a alimentação tradicional. Lendo aqui e ali, fui montando a minha dieta.

Fui deixando aos poucos de me alimentar da carne dos outros animais, a começar por aves, considerada a mais saudável. Porém, como havia sido criador de galinhas, ligado emocionalmente a elas – do nascimento à fase adulta – entendi que deixar de consumi-las como alimento era o mais certo a fazer. Pouco a pouco, deixei de comer peixe, porco (saudade da Priscila – uma porquinha com a qual convivi na infância), boi e tudo que respirasse. Com o meu envolvimento com o Hinduísmo, havia lido que a liberação das substâncias ligadas ao estresse no organismo antes do abate, deixavam a carne impregnada daquela “energia ruim”.

Pensei em me tornar um asceta, mas os exemplos dos devotos de seitas hindus – os chamados “hare-krishnas” – que se espalhavam pelas ruas vendendo livretos de gurus que prometiam nos levar ao Nirvana não me seduziam. Aliás, desconfiava de movimentos religiosos “da moda”. Como já escrevi antes, vivia uma vida monge sem hábito. Em contraponto, o desejo pelas mulheres alcançava picos de transtornar o ser que pretendia um dia se tornar “santo” – são – em pecador contumaz… por pensamento. Dentro da estrutura que vivia, o caminho que se aproximava mais claramente da postura dos ascetas me parecia ser a de São Francisco.

Decidi, apesar de não ser católico praticante, conhecer o Franciscanato de perto. Percebi que não sofreria tanto em fazer o Seminário, principalmente porque envolvia leitura e estudo constante, dando espaço para a prática de atividades esportivas. É como se ficasse confinado em lugar que daria ensejo fazer o que mais gostava. Foi o que constatei quando fui conhecer o Seminário de Agudos. Porém, o frei coordenador do Largo de São Francisco achava que eu não estava preparado para entrar. Já estava sendo chamado para enveredar por um outro caminho. Ainda que já passasse dos 20 anos, devido à minha usual postura afastada do pessoal da Faculdade de História e mesmo de familiares, de certa maneira o meu comportamento interno era o de um adolescente.

Com muito esforço saí daquela espiral sem fim nem começo, entrópico, perdido em mim. Perdidão. Cheguei até aqui ainda com muitas dúvidas em relação à vida. Aliás, com muito mais do que antes, em que simplificava demais as equações que me revelasse o que é viver. Mas agora acho isso revigorante. Continuo em busca de maiores e mais profundas perguntas…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / O Braço Da Tarde

… levantar cedo e promover andanças por meu tempo de calma (Flávia Côrtes

O braço e a mão da tarde, registro de 2016

Tenho acordado cedo, apesar de estar indo dormir tarde. Mas logo inicio a fazer tarefas deixadas pelo dia anterior e outras que já estavam programadas. É uma rotina que de vez em quando apresenta variações, mas não deixam de ser previsíveis. Parte da manhã tenho costumado escrever. Durante o dia, faço outras coisas e volto a escrever depois da meia-noite, quando a noite normalmente está mais calma. Mas é durante a tarde, que procuro olhar para o horizonte e vivenciar as mudanças de cores e o jogo de impermanências – nuvens, luz e sombra – em movimento.

Algumas vezes, as formações se “humanizam” em figuras de rostos. Pedaços de corpos, pernas, braços, mãos, olhos. Há também os bichinhos – cães, gatos, girafas, elefantes, pássaros, borboletas… até aranhas e formigas. Plantas – árvores, flores – ou seja, o céu habitado por nossa imaginação. Levantar-me cedo e andar por meu tempo de calma não me é permitido. Compenso com as tardes de vacância. Fotografo, faço imagens em série, encontro uma trilha sonora, provoco uma lembrança que reverberará em futuras idades. Como quando surgiu diante de mim braço e mão da tarde crepuscular. Um prémio para o observador tardio.

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Aviso Prévio

… as palavras fogem sem prévio aviso (Nirlei Oliveira)

Foto por Tima Miroshnichenko em Pexels.com

Lidamos com as palavras, nós, escritores, com um amor surgido desde cedo. No entanto, há momentos em que as palavras fogem sem prévio aviso. Como pássaros arredios, batem asas e fogem de nossas gaiolas em formato Times New Roman. Nossas mentes não conseguem as seduzir com comidinhas de letras apetitosas e água fresca de linhas retas. Desdenham de nosso apreço, tripudiam de nosso desejo em revelá-las belas e faceiras para serem lidas com prazer para o descobrimento de mundos e personagens.

Isso, quando não nos enviam a requisição de uma Carta de Aviso Prévio, se demitindo de nossa empresa de montagem de histórias, depois de greves em que fazem paralizações sem reivindicações precisas, apenas para nos atrapalhar, como se não gostassem de nossa gestão. Querem nos confundir. Dão sinais de acordo, mas desistem de diálogos cara a cara na mesa de negociações. São veículos de expressão tiranas. Sabem da importância que têm para quem precisa delas como um náufrago de numa ilha deserta precisa de um barco para voltar à civilização.

O que sei é que um dia elas também sentirão saudade de quem as ama. Voltarão sôfregas por serem utilizadas no afazer de romances, poemas, narrações, prosas, descrições, enfim serem escritas. Pousadas na tela ou no papel, baterão asas apenas na imaginação. Migrarão para livros e computadores, páginas. Gerarão emoções, inflaram sentimentos, provocarão efeitos desejados e insuspeitos em quem vier as ler. Palavras são difíceis de lhe dar, mas quem sofre por elas em bem dizê-las, as bendirão durante toda a sua existência…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes