#Blogvember / Começo… Fim

Teatro: artista que sou, prisioneira da vida, o que me resta senão representar? (Rozana Gastaldi Cominal)

Foto por Pixabay em Pexels.com

não acredito em fim…
nem em começo
a energia é circo é lar
circular
sessão após sessão
um nunca terminar
representar
o que me resta
senão ser artista
prisioneiro da vida
algo tão grande quanto pequena
porque tudo abarca
a barca
eterno navegar entre sóis
sós e totais
por galáxias e vazios plenos
ser marinheiro capitão
servidor do convés
carregar o timão e o temor
de não saber a rota
viajar em círculos concêntricos
excêntricos cada vez maiores
experimentar saberes e mentiras
ciclos
ultrapassar campos e núcleos
imersos uns nos outros
em busca de novos continentes
e formas
um lugar onde ficar
encontrar outros conviver
exterminar reproduzir assentar cruz e bandeira
de invasor predador criador mantenedor
ser pais mães filhos e avós
morte e vida…
matéria e além…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Curso De Rio / Caminho do Mar (2021)

Que nasce na chuva — que a água molha — e poda os voos (Mariana Gouveia)

Em Janeiro de 2021, eu estava como que boiando solto no rio de asfalto paulistano, a ponto de ter mais uma crise de ansiedade de consequências funestas. Eu me conhecia. Já havia passado por isso antes. Em outras ocasiões, quase embarquei numa viagem sem volta. Cheguei a tocar o limite e vislumbrei quase ultrapassá-lo. Passado o primeiro mês, encontrei uma maneira de não afundar — parti para o Litoral Norte — o meu norte junto ao mar, onde busquei boiar no líquido amniótico marinho para renascer. Ao mesmo tempo, comecei a fazer um dos cursos de escrita da Scenarium, conduzido pela Lunna Guedes.

O sincronismo entre a necessidade de escrever sobre o que acontecia comigo e o curso voltado para a produção de crônicas, encontrou ensejo na união de uma linguagem íntima e a expressão do que acontecia ao meu redor. A visão pessoal sobre os acontecimentos, talvez fizesse com que superasse minha condição mental precária, ao reconhecê-la. O que via acontecer no País colaborava para o aprofundamento da minha natural melancolia conduzindo a produção do texto. Como se fosse um antídoto obtido do veneno, o contato com o Mar foi paulatinamente resgatando meu equilíbrio no embate contra o movimento das ondas.

Curso De Rio, Caminho Do Mar foi o meu quarto livro pela Scenarium Plural — Livros Artesanais., o terceiro de crônicas, o segundo numa linha mais intimista. Páginas de papel enlaçadas com arte que me resgataram das turbulentas águas da realidade brasileira de então, buscando vieses alternativos ao vislumbrá-la. Em um momento em que precisávamos alimentar e curar o povo deixado à própria sorte, percebi de maneira clara a necessidade de também alimentar o espírito e curá-lo. Essa interdependência se provou indissociável para sobreviver ao assédio do neofascismo que grassava.

Naquele ano, as mudanças climáticas encontraram em minha volta para Sampa, um final de Verão chuvoso, nebuloso e um tanto frio. Foi uma viagem que nasceu na chuva — que a água molhava — e podou os voos, mas não a caminhada que completa neste final de Novembro, dois anos.

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Oposição

O toque suave dos teus lábios adormece em minha boca (Suzana Martins)

quando já não sabemos se anoitece
ou se amanhece
quando não sabemos se temos o céu sobre
ou sob as nossas cabeças
ou quando nada disso importa
já que em algum lugar deste planeta
uma parte dos seres 
estará inevitavelmente em posição
oposta em relação à outra
mas o que eu mais queria era opormos
nossos corpos mãos a tatear nossas peles
adivinharmos no escuro nossas posições
pés sem chão no horizontal
em ponta cabeça em frenética busca do centro
do prazer abaixo do plexo de cada um
após o lusco-fusco no horizonte
de nossos sonhos acordados
enquanto o toque suave dos seus lábios
adormece em minha boca…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Vida & Sonho

Mas você não sabe se viver é melhor que sonhar (Lua Souza)

Vivemos a deixar as nossas impressões digitais por aí… (2011)
— em São Paulo.

Um dos meus letristas preferidos compôs e uma das minhas cantoras favoritas cantou: “viver é melhor que sonhar”, em “Como Nossos Pais”. Belchior até hoje me surpreende pela atualidade de suas composições. E Elis está cantando cada vez melhor. Que ambos já tenham nos deixado fisicamente é irrelevante. A vida é um sonho e sonhar creio ser a condição perpétua da existência. Os Hindus dizem que vivemos um sonho de Krishna.

Há certas ocasiões que nossos sonhos que se desenrolam dormindo são tão poderosos que “parecem ter sido reais”. Entre a aparência e a realização, mesmo que não os tenhamos protagonizados tendo como testemunhas apenas nós mesmos, o impacto que tem nossa vida é enorme. Vai para o repertório de verdadeira vivência. Comigo, aconteceu várias vezes.

Após o passamento de minha mãe, eu estava preocupado com a condição dela na outra dimensão. Sonhei que ela se apresentava a mim como se estivéssemos na antiga casa. Perguntei o que fazia ali e como ela estava. Respondeu que queria me ver e que estava em paz. A consequência direta desse encontro é que acordei com o espírito acalmado, leve, em paz.

Eu tenho me ressentido de não me lembrar muito dos meus sonhos, ultimamente. Sinto falta de vivê-los como acontecia antes. Eu tinha a capacidade de continuá-los noites após noites. E de interferir nos seus caminhos. Em outros, mesmo que disfarçados, percebia que os locais se referiam a pontos específicos, reincidentes. Que fossem estranhos e que encontrasse pessoas que nunca as havia visto antes, não impediu que eu me lembrasse delas até hoje.

A condição onírica da vida muitas vezes se apresenta tão fortemente que confundo sonhos com ações na versão “desperta”. De qualquer forma são lembranças e ainda que quem contracenou comigo no sonho não “se lembre” porque para ela não aconteceu eu me lembro. Essa condição um tanto dispersa de atuar na vida contribui para que eu apresente um quadro “preocupante” de memória claudicante. Talvez eu devesse também me preocupar, mas ao mesmo tempo, tenho certo “carinho” com essa característica que não interfere na minha vida funcional, que consigo separar devidamente, com a criativa, que vem ao meu auxílio quando preciso “conversar” com as minhas personagens.

Não digo que não sei se viver é melhor que sonhar, simplesmente porque não há separação entre um estado e outro de consciência para mim. Vivencio as duas condições da mesma forma, com efeitos que demarcam bem a minha passagem pelo terceiro planeta desde o Sol, neste cantinho da Via Láctea, que fica na borda do superaglomerado Laniakea  um conjunto que tem 500 milhões de anos-luz de diâmetro e massa de 100 milhões de bilhões de sóis. No total, 100 mil galáxias fazem parte dessa estrutura. Não é um sonho?

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Desesperado

… adiei o máximo que pudesse o momento-sensação de desespero (Obdulio Nuñes Ortega)

Foto por Spencer Selover em Pexels.com

Não lembro de me desesperar de forma descontrolada em nenhuma situação extrema. Quando me encontro em situações limites, parece que é acionado um mecanismo de compensação que faz com que eu veja tudo em “câmera lenta”. Quase como me ausentasse. Já passei por assalto no ônibus que estava. Dois indivíduos passaram por mim como se não me vissem. Em outra oportunidade, quando percebi que dois rapazes nos olhavam carregando o equipamento de trabalho, rebati com um olhar fixo. Um deles, se sentindo desafiado, com uma espécie de escopeta atirou em nossa direção. O tiro rebateu no chão. Meu irmão e o motorista do transporte saíram correndo. Os sujeitos se movimentaram para longe. Na primeira viagem de avião que fiz, permaneci impassível durante uma turbulência, como se fosse um veterano, observando o alvoroço dos outros passageiros.

Essas ocasiões nunca se compararam ao sofrimento de inadequação e quase paralisia física que o adolescente que fui enfrentava aos eventuais contatos com as moças. Naturalmente, não era um comportamento normal, ao que eu chamaria de “timidez mórbida”. Hoje, eu tenho por mim que falar com elas era difícil porque estaria evidente que todo o meu corpo demonstraria que as idolatrasse. As minhas passadas não concatenavam. Os pés hesitavam, como se evitasse tropeçar em pedras invisíveis. Não sabia o que fazer com as mãos e o meu sorriso era como se estivessem me arrancando um dente, de tanta timidez.

Apenas bem mais tarde, quando me senti numa espécie de encruzilhada entre continuar em não ter contato (físico) com as mulheres e começar a minha vida sexual, mudei. Decidi que o caminho anterior já conhecia e sofria muito para manter. Contra todos os mecanismos de defesa que montei durante anos, me movi no sentido de encontrar alguém que pudesse entender o homem que era – desarticulado, oscilante, mas confiável – interessado em fazer com que um relacionamento desse certo.

Escolhida a “vítima” da minha primeira incursão, tudo foi muito rápido. Uma precipitação meteorológica num dia quente. Chuva de verão. Adiei o máximo que pudesse o momento-sensação de desespero da ejaculação. Não consegui. Não foi tão bom quanto eu desejava, acabei esfolado. Mas disposto a aprender, com o tempo progredimos no envolvimento tanto em intimidade quanto em prazer. Ela e eu, mantemos um casamento de 35 anos.

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes