AMOR INVENTADO

“O teu amor é uma mentira / Que a minha vaidade quer / E o meu, poesia de cego / Você não pode ver” — Cazuza

Eu não acredito em alma gêmea. Ou melhor, não acredito que a nossa vida deva se fundamentar na busca de alguém com a qual venhamos a se identificar a tal ponto que nos dê prazer apenas porque seja igual a nós. Considero que isso seja uma espécie de masturbação. Eu acredito no crescimento mútuo das pessoas pelo embate de ideias, pela diversidade de sentimentos, pela diferença de posturas, pelo confronto de mundos.

Eu acredito tanto nisso que me permito ser o outro, vez ou outra. Cada vez mais… Chamaria isso de compaixão — quando nos colocamos completamente na situação que o outro ser está vivendo. Essa viagem para outro é perigosa, conquanto não tenhamos certeza total de quem sejamos (se é que a tenhamos alguma vez). Enfim, essa transitoriedade deve ser buscada com cuidado para que não nos percamos no caminho.

Podemos de chamar de “Eu Lírico” o empreendimento de ser outros. Eu sugiro que possa ser visto como “eu, rico”. Graças a essa a personalidade lírica, podemos cometer pecados, dentro da escrita, buscar experiências, fazer quase uma peregrinação extracorpórea para construir histórias nas quais viajamos. De vez em quando escrevo me colocando no lugar de alguém que se apaixona ou se permite apaixonar facilmente na caça de outra pessoa que seja alguém com a qual se identifique. Como em “Coração, Mente e Alma”.  

Passo por altos e baixos em minha própria autoavaliação, mas creio que tenha um ponto fulcral, uma linha mestra que me conduz que me permita dizer: “esse sou eu”. E esse ser não consentiria ferir quem quer que fosse ao buscar aventuras para se comprazer em se encontrar, ele mesmo, em outra pessoa. No entanto, aceito igualmente a possibilidade de que o indivíduo acredite que isso seja possível e tente empreender esse encontro.

Liberdade para os amores!

CORAÇÃO, MENTE E ALMA

Há, dentro de mim, uma briga
Momentos em que o meu coração grita
Debate-se dentro do peito
Com o pulmão se atrita
Rebela-se contra os órgãos que abastece de sangue
Autoritário, tenta impor as suas certezas
Rumar contra as correntezas
Chega a sugerir que sonhe a mente
Mente que não aguentará outras aventuras
Que sofrerá com outra aversão
Confia na sua característica demente
A da mente que se engana facilmente
Porque sabe que ela não se exprime
Para além dos sentidos
Aprecia pela visão
Enternece-se pelo som
Subjuga-se pelo toque
Submete-se pelo gosto
É uma mente limitada
Ao mundo que apreende pelas demandas do corpo
Porque é mais simples buscar o sentido de tudo
Pela experiência sensorial?
Onde está a minha consciência,
Que não assume a posição de senhora?
A tentar reencontrar a minha alma perdida
Pelas vidas afora
A cada manhã e aurora
De mim, para mim
Amém…

Foto por Yulia Polyakova em Pexels.com

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Caixa De Fotos

Retirei da minha Caixa De Fotos, registros com os companheiros da espécie Canis, tão especiais que não sabemos se seríamos como somos se não fizessem parte de nossa história. O que sei é que somos melhores por eles e com eles.

2024

Bethânia é daquelas que quando está dentro, quer sair. E quando está fora, quer entrar. Atenta a tudo ao seu redor, orelhas levantadas para captar sons para nós inaudíveis; olhos em direção ao objeto de interesse, ela gosta de latir para o mundo, por puro gosto e direito de expressão.

2023

Lolla Maria é tão pequena quanto possessiva, ela inteira. Sobrevivente de percalços que apenas supomos, antes de seu encontro com a Família Ortega, quando a sua mãe tem que se ausentar, já procura quem estiver em casa para se aproximar e alcançar recompensas.

2022

Bambino, meu neto, vivia entre mulheres que não perdiam a oportunidade de acarinhá-lo a todo momento. Quando estava comigo, não queria outra coisa senão cafunés e passa mãos.

2013

Esse amor chama-se também Penélope. Enquanto esteve fisicamente presente, só despertou os melhores sentimentos em todos os seres que a rodearam. Como uma estrela, em torno de si agregava amigos-planetas. Não sei quando deixou de estar entre nós, porque nunca percebemos que nos deixou.

2012

Essa é Dominique. Ela entendia o que eu falava e tinha como principal talento responder com os olhos. Expressivos e belos, quando chegou a nós, estava sem metade dos pelos, pintava de verde, para a diversão de brutos. É outro ser especial que fez nossa existência mais rica.

Outono dos Serial Killers*

Outono de 2021, no outono de minha vida. Mas ainda que as minhas folhas caiam, ainda posso dizer que espero ultrapassar o Inverno e alcançar a Primavera, mais uma vez. O que não será mais possível para centenas de milhares de pessoas neste País que nega direito à vida. O pior é que haja tantos palhaços que prefiram ver o circo pegar fogo, quando não são eles mesmos a acender o fósforo. O que realmente espero, além de sobreviver é que, nada mais, nada menos, venham a perceber o mal que ajudaram a propagar e sofram o pior dos arrependimentos…

*Texto de 2021, quando a Pandemia de Covid19 fazia vítimas em série. Época fúnebre, demonstrou como os serials killers agem muitas vez à luz do dia, à vista de todos, mas sendo registrado e propagado como fatalidades.