Lua Nova Crescente*

A Lua tem cinco anos,
para quem tem cinco anos.
Ela é antiga, mas nova.
Ao crescermos, nos tornamos
descrentes crescentes
e, minguante,
o nosso encantamento.
Não para mim…
Eu,
que tenho dez vezes cinco anos
e um pouco mais,
hoje,
ao vê-la, me senti
de alma nova,
com cinco Primaveras no Inverno

*Poema de 2018

Frida*

Frida, ao contrário daquela que lhe inspirou o nome, é um ser discreto. Quando quer parecer ser “invisível”, se põe sorrateiramente debaixo da mesa da cozinha. Como chega até lá, nunca se sabe. Tratada, desde que nasceu, com todo o carinho e atenção, parece daqueles cachorros que sofreram abuso, tal o olhar de tristeza que carrega. A Tânia acha que ela é depressiva. Por algum motivo, a Betânia, muito ciumenta, dedica a ela uma aversão especial. Quando esta saiu de carro, Frida ficou uma semana mais arredia ainda, como se tivesse sido preterida… Após um banho no Pet Shop, voltou a ficar mais sociável. Esses amigos naturais estão a desenvolver um comportamento social cada vez humano…

*Texto de 2017

O Ar

Quantas montanhas tiveste que escalar

Para chegar até aqui e agora, neste patamar?

Por quantos vales tiveste que passar?

Por quanta lama tiveste que chafurdar?

Quantas mentiras tiveste que revelar?

Quantas verdades tiveste que relevar?

Quanto amor tiveste que reivindicar?

Quanto amor tiveste que recusar?

Para ser o que és, quanto ódio tiveste que provocar?

Quanto ódio tiveste que aceitar?

Quantas vezes pintaste a boca de carmim para beijar?

Quanta boca carmim procuraste para borrar?

Quantas vezes tiveste o bom senso de evitar

O desejo que te condenaria ao eterno regurgitar?

Quantas vezes tiveste a loucura de se entregar

Ao fogo que te salvaria do instante perpétuo de amar?

Quanto ar tiveste que respirar

Para simplesmente, no fim, o expirar?

Por Cem*

Apesar de saber que a vida é feita de porcentagens — somos 70% água, 10% meia calabresa, meia atum, mais ou menos e, por aí, vai — hoje, eu me irritei quando alguém citou, sobre determinada situação, a porcentagem de 99,9% como provável.

Por algum motivo obscuro para mim, como já que proclamei em certa ocasião, sou um digno representante do “Talvez“, acordei a querer ter certezas. Queria para o resto do dia que tudo se definisse 100%. Queria a absoluta convicção, sem a intermediação de advogados a citar contestações em latim: data venia

Queria a fé dos quem erram com perfeição:

“São bandidos, sim!”

“São pessoas corretas, com certeza!”

“Não é amor, é apenas paixão!”

“Droga não faz bem, ainda que recreativa!”

“A minha vida é uma droga!”

“Sou feliz prá caraleo!”

“Você é uma besta, mas eu o amo!”

“Eu adoro arroz e feijão, tanto quanto odeio bacalhau!”

Não queria cores intermediárias nem o cinza, mas o preto e o branco perfeitos. Queria saber para onde estou indo e para onde vou. Queria saber quem sou eu. Queria amar e o amor sem dúvidas. Queria ter a certeza de que todos morremos para as outras certezas da vida… pelo menos, por hoje.

*Texto de 2017

Sopa De Pão*

Depois do advento da Diabetes, há quase 14 anos, eu me acostumei a comer de três em três horas. Aliás, se fico mais tempo do que isso, meu estômago começa a reclamar, devido às pequenas quantidades que consumo. Depois disso, começo a sentir uma pequena dor de cabeça que poderá aumentar muito se não me alimentar, nem que seja uma fruta ou outra coisa. O problema é que meu horário de alimentação varia muito a depender da hora que acordo, um tanto irregular. Como tinha várias coisas a fazer, decidi pegar dois pãezinhos integrais de dois dias e fazer rapidamente uma sopa de pão. Basicamente, é uma mistura de café com leite em uma caneca de metal, deixar quase ferver e misturar os pães passados em fatias com manteiga, requeijão ou margarina, a qual não uso mais. É um alimento um tanto calórico, mas que queimo rapidinho em minhas caminhadas de 7Km em média por dia. O mais precioso são as lembranças que me remetem aos tempos de precariedade alimentar em que nada se perdia em casa (costume que mantenho) — de pães para fazer pudim, sopa, torradas ou de arroz para fazer tortillas — entre várias outros alimentos. O melhor tempero então era a fome e hoje, acrescida da saudade.

*Texto de 2021