BOMBAS & COPOS DE PLÁSTICO PARA JESUS

De hoje para a amanhã, celebraremos o Natal. Gosto do termo em espanhol – Navidad – o que soa quase como ” novidade”. O que condiz com um episódio tão revolucionário quanto o nascimento de uma criança que pregaria o amor como conduta numa época em que a hegemonia das armas sobre populações de países ocupados ditava as normas, a violência como linguagem de dominação. Quer dizer, as coisas não mudaram tanto assim… apenas as armas se sofisticaram a ponto de poder matar mais e pior, em fogo e dor.

Amanhã, não estarei em casa na passagem da meia-noite. Estarei em atividade, longe dela. Mas sei que haverá espocar de fogos de artifício ou simples rojões. Os cães que moram conosco estarão dentro de casa, tendo o olhar compreensivo de seus tutores, o que deverá tranquilizá-los um pouco, mas ainda assim, haverá sofrimento. Fico imaginando se em vez de tanto barulho, misturado à execução de músicas de gosto duvidoso em volume excessivo, houvesse o silêncio que uma criança recém-nascida merece ao chegar ao mundo. Se as pessoas percebessem que a grandiosidade de tal fato maravilhoso, o aceitariam com a reverência de quem compreende a sua importância.

Em sua simples manjedoura no estábulo onde os animais o aqueciam com a sua respiração do frio do ambiente externo, a criança ficaria tranquila, assim como as outras espécies que participavam dessa aventura que foi o surgimento de alguém que mudaria a História. A sua família, por causa do anúncio de sua chegada, viveu em fuga, assim como tantas centenas de milhões antes e depois dela, por perseguição política, religiosa ou étnica. Como tantos antes dela e depois dela, seus filhos foram perseguidos por suas ideias, enfrentaram o padecimento do corpo físico, torturados por buscar melhores condições de vida para seu povo. Como a falta de um lugar para morar.

É tão estranho ver representantes da massa que se dizem cristãos, quando eleitos, tentarem impedir que isso se torne realidade. Porque dessa maneira sempre haverá mercado para promessas fáceis de serem esquecidas. Alguns contrapõem espertamente: “A casa de meu Pai tem muitas moradas” – disse Jesus. Acenam com uma vida idílica fora deste lugar, enquanto vivem como nababos em templos sem fé.

Por aqui, ontem de manhã, recolhi um saco grande com copos plásticos que desceram por um duto feito para escoar a água da chuva da parte de cima da vila. A noite toda, dava para ouvir o som alto da festa que rolou durante horas. Assim como nos outros anos, desde antes da meia-noite, as ruas serão fechadas para a reunião de jovens que beberão como se não houvesse amanhã. Jogarão os copos na rua e a chuva se encarregará de conduzi-los para outros pontos. Vivemos em comunidade, mas a consciência comunitária passa longe de quem quer apenas usufruir o momento que passa. O feriado e seu motivo, qual seria mesmo?

Quem chegou até esta linha, talvez duvide que este texto tenha inspiração natalina, mas assim como aqueles que beberão até cair ou se empanturrarão de comida pesada, aproveitei a data para expressar a minha escrita – um defeito meu. Valorizo tanto o Natal que não participo dele como os outros. Ainda que pela Ortega Luz & Som participe viabilizando tecnicamente que músicos possam interpretar canções que alegram convidados nos eventos que realizamos. Contraditório, não?

Mas reservo dentro de mim a força de uma revolução sagrada que marcou e marca a minha vida por anos. Eu reservo o meu espírito para vivenciar intimamente a magia de um acontecimento que me mantém no desejo de transcender, ainda que encarnado, ainda que em busca de me manter materialmente contrariando algumas das minhas convicções. Sei que vivemos na corda bamba entre sermos no que acreditamos ser e entre o que é possível ser.

Que todos possam vivenciar um Natal ideal, de alegria e amor!

Foto por Zuko Sikhafungana em Pexels.com

Nós & Eles*

A publicação acima foi extraída do Instagram e mostra uma situação que eu vivenciei de perto. Eu trabalho com eventos. Em muitas ocasiões, “invado” espaços que normalmente não frequentaria pela sofisticação do lugar. Aliás, fugiria deles se fosse me dado a escolher.

Nasci na Maternidade de São Paulo, já demolida, onde várias personalidades da cidade também nasceram, não que me considere uma. Vivi o começo da minha vida na região do Largo do Arouche, mas depois a minha família e eu, fomos caminhando para os extremos da Capital Paulista. Primeiro à Leste, em seguida ao Norte. Onde até hoje vivo, aliás. Em uma casa, em uma rua com outras casas, um sistema antigo e em extinção nesta Sampa da “grana que ergue e destrói coisas belas”. Prevejo um futuro onde todos viveremos encastelados em edifícios cada vez altos.

Mas, voltando ao assunto inicial, a Ortega Luz & Som foi contratada para sonorizar uma banda para o batismo de uma criança, filha do dono de uma universidade particular. Fomos um dia antes e vários operários estavam ainda montando o local onde se daria a cerimônia e, logo após, seria servido o jantar durante o qual a banda se apresentaria para animar/distrair os convidados. Era uma imensa plataforma colocada em cima da piscina, com compartimentos que faria inveja a várias casas — capela com pia batismal, uma sala enorme para a mesa também imensa, banheiros bem equipados, corredores para a passagem de garçons e outros funcionários. Fiquei pensando que aquilo era grande demais pelo valor que havia cobrado.

Montamos o equipamento, testamos, deixando tudo pronto para o dia seguinte. Várias personalidades, entre artistas e poderosos de ocasião, compareceram ao evento e todos pareciam encantados com a suntuosidade do espaço e a pompa da cerimônia de batismo, levada a termo por um padre da moda. Talvez por meu provincianismo ou por ter uma mentalidade crítica urdida no estudo de História, eu achei tudo exagerado. Interpretei (cabe ressalva) que aquilo não foi pela fé do pai e da mãe, mas pelo espetáculo proporcionado. Demonstração de poder. De qualquer forma, também não foi por esse motivo que decidi escrever este texto.

Tudo aconteceu antes. Quando chegamos para a montagem, o rígido sistema de segurança começava pela chegada do veículo que nos transportava, que parou em uma “caixa” onde tivemos os equipamentos vistoriados e nós, revistados por homens armados. Liberados, chegamos junto ao “cenário” da cerimônia para descarregarmos o equipamento e montá-lo. Foi quando aproximaram três grandes carros pretos. Do primeiro e do terceiro desceram vários seguranças que se posicionaram junto à porta do carro do meio. Dele, saiu o gestor da universidade, protegido como se houvesse uma ameaça por perto, entrando rapidamente na residência. Olhei para além dos muros altos e sequer tinha um prédio naquela região do Morumbi, onde poderia se instalar um atirador de elite que pudesse feri-lo.

Foi quando me dei conta. A ameaça éramos nós — prestadores de serviços —, simples mortais e, eventualmente, uma possível ameaça à integridade física de alguém tão importante. Por sermos de uma casta inferior, nossas mãos e ferramentas de trabalho poderiam ser usadas como armas para agredir o plenipotenciário senhor de um negócio que prosperou na ausência de uma política pública de apoio à Educação de qualidade.

Objetivamente, eu não tinha como odiá-lo por ele ser um homem rico financeiramente. Ele era apenas mais um “esperto” que utilizou o vazio proposital deixado pelos mandatários eleitos por nós para que fossem ocupados por agentes do sistema de castas que impera no Brasil desde sempre. Se não fosse ele e os assim como ele, seriam tantos outros que também transitavam pelo salão artificial que, desmontado, daria lugar à exuberante piscina abaixo. Junto à mansão e à grande casa adjacente, ladeada pelo canil onde se “hospedavam” os cães da bela família apartada em seu mundo da constante intimidação do resto da nossa “perigosa” população.

*Texto de 2023

Atividades Na Pandemia*

Depois do jardim, que ainda não acabou, entramos pela casa e a sala é o próximo alvo. Eu sempre gostei de atividades caseiras, mas devo confessar que nunca foram a minha especialidade a parte da manutenção. Ainda reverbera a frase desencorajadora do Sr. Ortega nesse quesito, muito talentoso: “Você cola as coisas com cuspe e amarra com barbante”. Ele talvez não apreciasse que eu gostasse de ler o que caísse às minhas mãos ou ficasse horas escrevendo em folhas soltas, as quais guardava em caixas de sapato. Se não há tentativa, não ocorrerá o erro, porém muito menos haverá o acerto. E se há algo de certo nesta vida é que o conhecimento se constrói de erro em erro, até aprendermos a fazer. Além disso, é uma terapia incrível, fora eu me sentir produtivo em tempos de intervalo na minha atividade profissional…

*Texto de dezembro de 2020

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Quintal

Quando a minha mãe quis nos oferecer o terreno ao lado da nossa casa, também pertencente à família, conjecturou dividi-lo em duas partes. Eu respondi que preferia que ela o cedesse inteiro, nesse caso, para o meu irmão. Argumentei que sendo criado com quintal, caso fosse dividido, teria a configuração típica e opressora de casa assobradada e garagem para o indefectível automóvel com passagem estreita para a movimentação das pessoas. O meu irmão iniciou as obras para a fundação da casa. Sem recursos para continuar, cedeu a mim o terreno em troca da compra de uma casa já pronta.

Dessa maneira, idealizei desde o início a formação do quintal com uma área para um jardim intermediário e outro (fechado) na parte da frente. Lá, plantamos várias árvores frutíferas envasadas para não se desenvolverem demais, com exceção de duas bananeiras — uma prata e outra, nanica — além de jabuticabeira, mexerica, amoreira, goiabeira, ameixeira, pitangueira — além de abrigar muitas outros tipos de plantas, entre trepadeiras, como o “ora pro nobis”, “jiboias”, “sapatos de judia”, “costela de adão”, bem como ornamentais. Viver na Periferia me deu essa oportunidade de poder conviver com esses incríveis seres do Reino Vegetal.

A primeira visão que tenho ao acordar é o do quintal, tendo a Mangueira, rainha do meu espaço, moradia de pássaros que vivem nela, além dos visitantes eventuais. Vivemos a temporada de colheita e da chuva de mangas que despencam quando amadurecem. A cachorrada se refestela delas com vontade. Aqui, o cão chupando manga é lindo de se ver!

Ter uma árvore grande como a nossa mangueira implica em termos varrer sempre para não forrar o chão de folhas que caem em profusão. Essa mangueira já existia antes da construção da casa e fizemos questão de conservá-la, há mais de 30 anos. Ela nos retribui com um fruto saboroso, doce. Além comê-lo in natura, fazemos sucos que nem precisam ser adoçados. Sinto que é um agradecimento à nossa decisão.

Esse é o Alexandre. Resgatado há mais de dois anos, bem magro e descomposto, ganhou ares confiantes dignos de um Pincher do qual parece descender, misturado. Ele é o que toma a iniciativa de proteger o quintal, latindo para qualquer coisa que se move na rua. O seu latido é forte e encorpado. Não parece sair do seu pulmãozinho. Nem parece que passou duas semanas sem emitir um som quando chegou…

Outros frequentadores do quintal incluem desde o Tortuga, nosso jabuti de prováveis 100 anos (meu falecido pai que morreu com 82 anos o conheceu quando menino), passando pelos outros companheiros da turma — Arya, Bethânia, Dominic, Lolla, Alexandre e do velho Nego (que apareceu na foto da varrição) e, eventualmente, o Bambino, meu neto, que aliás está de visita. O Tortuga é bastante curioso e gosta de caminhar bastante. É mais rápido do que se imagina e “some” de uma hora para outra.

Na varanda junto ao meu quintal consigo apreciar o crepúsculo sempre que tenho oportunidade — esse registro foi feito hoje, dia 6. É um horizonte ainda não tomado por construções mais elevadas, mas considero que seja questão de tempo a chegada dos perfis alinhados de edifícios a tornar a linha uniforme e retangular.

Ao Sol se por ainda conseguimos delinear plantas como a jabuticabeira com floração que logo se tornarão apetitosas jabuticabas. É de uma hora para outra e muitas vezes não chegamos antes dos pássaros que não são bobos de bicá-las antes de nós. Capturei sem querer a Bethânia que não sei o que fazia parada no degrau da escada. As samambaias também comparecem, além de uma parte da mexeriqueira que, infelizmente, deixou de produzir…

Participam: Claudia Leonardi / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli PedrosoSilvana Lopes