25 / 06 / 2025 / Do Alto, Olhando Para O Norte

Há dez anos antes, fui fazer um evento no alto do Edifício Itália. De lá, pude vislumbrar parte da cidade de São Paulo, do Centro em direção à Zona Norte, região na qual eu vivia e ainda vivo. Como pode se perceber, nuvens interditavam a passagem da luz solar, criando uma paisagem de catálogo. Estava naquele local para realizar a sonorização de uma banda que conhecia desde os meus 12 anos, pelo menos. Fui ao casamento dos pais de meu contratante que, então, conduzia a administração da banda — André, filho do Toninho, na época já falecido.

Apesar do folclore que envolve a vida artística, é comum associá-la à aventuras e desregramentos. Nada tão longe da verdade. São empreendimentos profissionais e de cunho familiar. A mãe e a tia do André cantavam na banda. Ele mesmo atuou na Banda Santa Maria durante alguns anos como baterista. Aliás, a maioria das pessoas eram nossos vizinhos — meus e do meu irmão, Humberto, meu sócio na Ortega Luz & Som.

Mas o melhor momento foi mesmo ter essa visão ampla de parte da minha cidade. Compreender a sua grandeza, não apenas em escala de tamanho, mas em complexidade. São várias referências em termos arquitetônicos e naturais. Ao fundo, pode-se ver o colosso que compõe a Mata Atlântica e o início da formação da Serra da Cantareira. Estamos no alto do Planalto Paulistano, parte do Planalto Atlântico. E constatar visualmente essa parte do corpo da cidade foi um deleite. Gosto quando no meu trabalho consigo unir circunstâncias que acabem por me trazer ganhos para além do econômico.

24 / 06 / 2025 / Minta

eu desejo que minta
diga que me quer tomar por inteiro
neste abrasador janeiro
pela última vez neste quarto de quinta
que sujamos os lençóis de fluidos
seres que somos — excluídos
não fazemos conta na multidão
somos dos últimos os derradeiros
aqueles que ninguém gosta
ainda que queira ser percebida como distinta
desista
não gostou quando lhe comparei a uma gimba
de cigarro fumado ao meio
é que não estava presente quando o homem
em andrajos a encontrou jogada no chão
junto ao muro
e em um tênue murmúrio
a desejou entre os lábios
a aspirar sua fumaça cancerígena
perguntou a mim que passava por ele
se eu tinha fogo
se decepcionou quando eu disse que o meu fogo
ardia apenas no coração
praguejou: “caralho, você é mais maluco que eu!”
ficaria feliz a me juntar a ele e esquecer de mim
viver a andar a esmo sem rumo sem destino
em desatino
longe de mim de você que vive em mim
mas agora quero apenas que minta
que finja que simule gozar para mim
que se sinta tão limpidamente suja
como a puta que se vende por pena pura
e sequer dinheiro fatura
se assim for então nunca mais me verá
jamais passarei de novo por perto de sua presença
sei que não sentirá a minha ausência
mas quem sabe sinta uma espécie de vazio
como um calor tépido de uma febre que se perpetua
a fome de algo que lhe caiu bem mal
talvez sinta falta do pavor que lhe causava
como o gosto de sal na comida rala
ou uma topada que lhe lembrava que a dor não é opcional…

Foto por Aleksandar Pasaric em Pexels.com

23 / 06 / 2025 / O Cachecol Listrado

Ontem, o meu pensamento girava em torno de um sofá acolhedor, de onde assistiria à Copa de Mundo de Clubes e assistir a uma das séries que acompanho. Trabalhei por vinte horas no dia anterior em um evento no interior do Estado, mais propriamente em Cerquilho. Deixei-me dormir demais já que não havia nenhum compromisso agendado para o dia, a não ser o citado acima. Eis que lá pelas 14h fui informado que a família sairia, à pedido da mais nova que iria a uma festa junina perto de onde reside, no Tatuapé.

Este homem de família se sente impelido a interagir, mesmo quando não se sente à vontade para isso. Normalmente, estou ocupado nos finais de semana devido à minha atividade de sonorização e iluminação de eventos. Ontem, eu estava livre e lá fomos nós atravessar a cidade da Zona Norte até à Leste em dia de retorno de feriadão de Corpus Christi prolongado e de Parada Gay.

Excesso de veículos na Marginal Tietê, além de trechos interditados, chegamos além do horário programado, mas à tempo de aproveitar a quermesse de rua da igreja local. Noite tépida, 16ºC. Muita gente em movimento constante e em filas para consumir as guloseimas oferecidas. A decoração, colorida, girava em torno das franjas e bandeirinhas de papel, balões alegóricos, fogueiras de luzes. Percebi que paulistano gosta de pagar caro para comer comida em pratos de plástico, vasilhas térmicas e copos descartáveis. Uma jovem bandinha de garagem tocava músicas dos Anos 80. Uma volta no tempo em uma rua que ainda preservava construções da época em uma região que passa por um forte processo de gentrificação. Aliás, como em toda São Paulo.

Consumi um bom caldo verde. Após pegarmos mais um salgado, visualizei um brechó aberto entre as barracas. Visualizei um cachecol listrado que me chamava desde dentro da loja. Ele me remeteu a um quê de nostalgia de algo que não havia vivido, mas sendo de brechó, alguém o usou com propriedade e ocasião. Aproveitando que esfriava, logo o coloquei. Eu me senti distinto. E esquisito, segundo o resto da família.

Mas o calor que me protegia o pescoço compensava qualquer observação adversa. Quando fui pagar, a senhora perguntou se eu era músico. Respondi que trabalhava com eventos musicais. Ela disse que era atriz e sabia distinguir os tipos envolvidos em arte. Já em casa, a Romy me agradeceu a noite. E eu, com o meu cachecol listrado, intrigado conjecturei que simplesmente estar presente tenha sido suficiente pelo agradecimento. O que remeteu ao meu pai, um senhor ausente.

21 / 06 / 2025 / Mudanças Climáticas*

Em 2015, escrevi: “Dia de sol inclinado e temperatura fria. O inverno chegou! Mexericas ainda não colhidas, revelam as bicadas dos pássaros e as picadas dos insetos ou, ainda, apodrecem no pé. Podemos até desenvolver um sentido de desperdício quando nós, os humanos, não aproveitamos o máximo das potencialidades que a vida nos oferece, mas outros seres, dos alados aos rastejantes, talvez discordem disso…”.

Outra imagem semelhante registrei nas primeiras horas do Inverno primaveril de 20 de Junho de 2024* e escrevi: “As árvores, confusas com o calor tépido, florescem fora do tempo devido. É como não descansassem e os outros sinais de veranico fora de época nos mostrasse que o processo de mudanças climáticas se acentuarão dia a dia. Quando vim para esta região da Zona Norte, no final dos Anos 60, os morros do entorno amanhecia neste período com a vegetação coberta de geada, transformando o amanhecer em um espetáculo de múltiplas cores produzidas pelo reflexo solar. Hoje, o mesmo local está recoberto de moradias”.

Li que esta geração será a última a ter visto vaga-lumes a voarem por entre as plantas. Os machos da espécie sofrem a concorrência das luzes artificiais e não conseguem mais fecundar as fêmeas. Assim como as abelhas que também sofrem com as anomalias produzidas pelos homens, estamos nos condenando gradativamente à extinção. Pior para nós, melhor para todas as outras milhões de espécies animais do terceiro planeta desde o Sol — desde insetos até as maiores — terrestres e marinhas.