14 / 10 / 2025 / Reencontro*

*Em 2014, escrevi: “Voltando a ser adulto aqui no Face, se bem que com uma foto tirada em um lugar que me remete ao melhor da minha infância, junto ao Mar. Nessa faixa de areia, em vez de ser o velho, me torno um com os elementos — o fogo do Sol que me abrasa, a brisa do oceano que me refresca, a areia que me sustenta o pé (ainda que de forma deslizante) e a água salgada, que ainda será o futuro do Planeta Terra, assim como foi no passado”.

13 / 10 / 2025 / As Chaves*

“Tenho tido pequenos lapsos de memória. Tenho me dispersado frequentemente ao realizar tarefas básicas. Eventualmente, tenho até esquecido de comer. No entanto, a não ser que tenha sido levada por seres alienígenas ou tenha entrado por uma porta interdimensional, uma coisa eu garanto: as minhas chaves de casa estão em algum lugar sobre a face da Terra!” — 2014.

Escrito a 11 anos, no parágrafo acima descrevo uma circunstância comum na vida muita gente, de tal forma que as respostas dadas a ele relatava vários casos como esquecer o óculos de leitura na própria cabeça, trocar os itens de compra no supermercado por outros que já tinha em casa, deixar o celular perdido em algum ponto. Quando eu ainda tinha telefone fixo, uma das suas únicas utilidades (além de receber propagandas) era o de ligar para o celular para saber onde o havia deixado. Outros brincavam dizendo que era a idade que provocaria esses lapsos.

Pode até ser que estivesse piorando, mas o que sei é que sempre fui disperso. Isso me propiciava diversas situações embaraçosas que faziam com que me isolasse cada vez mais. Preferi evitar conviver mais de perto com as pessoas para não criar pretextos para discussões. Era usual eu me perder em divagações em meio a conversas com parentes e amigos. Na escola, buscava me concentrar o máximo possível e, no meu trabalho, descobri que conseguia manter a atenção redobrada, levando tudo a bom termo. Na escrita também ficava tão envolvido que todas as experiências vividas ou intuídas fluíam em prol da sua elaboração. Os textos, após ser entregues, os esqueço. Aos relê-los depois um tempo, muitos ressurgem como se fossem inéditos para quem os escreveu.

Minha dispersão é estimulada algumas vezes pelo encantamento por palavras ditas ou lidas a esmo, além de cacos de lembranças ou visões que me levam para longe — um efeito reverberante, inexplicável e imprevisível. Até provar para o meu interlocutor que minha desatenção não é proposital, o estrago já está feito. Ao mesmo tempo que saiba que isso possa ser prejudicial às minhas relações, eu receio que ao tentar reverter esse sintoma (seja lá de que forma for) me ajuda na redação meus textos, tornando-se quase uma dependência.

O isolamento provocado pela Pandemia de início propiciou o tempo necessário para escrever. Porém, a falta de contato com a vida em movimento foi reduzindo paulatinamente os estímulos que colaboravam para um melhor desenvolvimento de meus temas. Receber referências indiretas — por livros, filmes, músicas, artes plásticas — são desejáveis igualmente, mas sempre preferi beber na fonte do cotidiano humano que apreendia através da minha percepção. Passei por uma crise criativa, muito parecida por ocasião da doença e morte de meu pai, três anos antes.

Encontrar as chaves que possam deixar abertas as portas da minha percepção como escritor enquanto consiga conviver sem parecer alguém com sintomas escapistas inconciliáveis requer um esforço grande, mas necessário. Ainda que me sinta desconfortável em compartilhar minhas embaraçosas idiossincrasias pessoais, praticar a escrita ao revelá-la torna-se um duplo exercício de criação e auto perdão que me trazem prazer e certa redenção.

12 / 10 / 2025 / Dia Do Comércio

Dia 12 de Outubro é o consagrado à Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Mas como o País é capitalista, a data ganhou há mais de 100 anos, em 1924, a comemoração de Dia da Criança. A origem envolve um contexto político, a sugestão de unificação americana e campanha comercial. Com o tempo, ao lado das caminhadas à cidade de Aparecida de fiéis católicos à Catedral para ver a pequena imagem encontrada a 12 de outubro de 1717 em que três pescadores, João Alves, Filipe Pedroso e Domingos Garcia, encontraram em suas redes uma estátua de terracota da Imaculada Conceição. A imagem estava quebrada em duas partes, o corpo e a cabeça. Logo após, conta a lenda, que os pescadores passaram a encher as suas redes de peixes.

A intenção comercial de trazer o Dia das Crianças para o dia da Padroeira buscava vincular um dia que era feriado nacional da Mãe do Brasil às crianças. Jogada de mestre publicitário, com o tempo foi ganhando projeção em relação a data do feriado original fazendo com que o comércio passasse a faturar enormemente com a compra de presentes para a petizada. Com a progressão de outras expressões religiosas em relação do Catolicismo, o Dia das Crianças avançou no Calendário como o principal. Eu não sou um fiel católico, apesar de ter flertado com a vida monástica, mas sou cristão por causa de um preceito básico: “amai ao próximo como a si mesmo”, sendo que mais recentemente percebi que a chave dessa frase é amar a si mesmo, caso contrário, não poderei amar ao próximo devidamente.

Porém, com certeza, sou anticapitalista. Mensurar o amor através da compra da alegria em forma de presentes, torna tudo muito nebuloso do ponto de vista humano. Com o desiquilíbrio econômico no Brasil, a medida do amor acaba por adquirir referência no dinheiro investido para que isso seja demonstrado para as crianças da família. As distorções são inevitáveis.

Imagem de Nossa Senhora de Aparecida

Foto das crianças por Monstera Production em Pexels.com

11 / 10 / 2025 / O Arco Do Tempo*

desço os olhos para as linhas que desenham
rostos e paisagens em fotos de décadas
repassadas em cores e descores
cumpro o destino da flecha atirada por Chronos
personagens dos quais sou um
e mais nenhum
papai vovô irmãos
sonhos em desvãos
que nunca foram realizados
os meus indecifráveis
vivia fora do mundo aceitava
sem sorrisos que cedo morreria
quase obsessão aos 33 de Cristo
aos 40 de John aos 27 de Morrison
sempre haverá quem morra jovem
em cada uma das idades
aos borbotões a toda hora
ainda não foi a minha agora
se for antes dos 80 morrerei contente
não sei de amanhã vivo o presente
lembro que vovô me amava
me achava inteligente
antes de partir cuidei dele
banhava o ajudava a comer caminhar
pedi perdão porque sabia que não cumpriria
as suas ambições não queria ser homem importante
influente intendente industrial comerciante
buscava ser simples despojado pés no chão
me sentia desmembrado desmemoriado
de um passado que sabia existir
vidas passadas realidades não alcançadas
já entendia que o futuro não contava
mas ainda cultuava a esperança um país diferente
múltiplo raças misturadas riqueza distribuída
hoje morro todos os dias às vezes de hora em hora
a grandeza desmesurou-se em sentido contrário
nos apequenamos repugnantes ruminantes
de mentiras e contradições
dos templos ocupam-se os vendilhões
crenças transformadas em crendices
fé em feitiçarias em salões dourados
em palácios de mandatários
estamos nos finais dos tempos
mais um tempo de finais
no eterno ciclo de decadências
e de mercados baratos na venda de consciências…

*Poema de 2022, aos meus 61 anos…

10 / 10 / 2025 / Luar*

Alta madrugada, mais ou menos 3h da manhã, desliguei as luzes de casa, mas estranhamente, os móveis permaneceram iluminados por uma cintilação tênue que entrava pelas janelas. Curioso, abri uma delas e vi a Lua projetando o seu brilho prateado sobre tudo. Não resisti e saí para vê-la. Como o céu estava limpo, as estrelas também podiam ser vistas a queimar quietamente no firmamento. As Três Marias permaneciam perfeitamente perfiladas uma ao lado da outra, como por todo o sempre. Lembrei de minha infância, em que tendo me mudado para a periferia, tive a oportunidade de começar a apreciá-las de “perto”. Pensei que, nesta vida de momentos fugazes, na quantidade de vezes que deixamos de voltar os nossos olhos para o eterno. Tentei registrar àquele instante. Como se pode (quase) ver, não foi da maneira que queria. Mas talvez a imagem obtida venha a calhar, por sua aparência onírica. Tudo não passa, mesmo, de um sonho…

*Texto de 2014. Hoje, a Lua continua a brilhar, mas a sua luz está obliterada pelas nuvens carregadas que despencam em forma de chuva.