Mães Da Periferia*

*Ah, as mães da Periferia

Não sei sobre outras mães, mas as da Periferia guardam algumas semelhanças entre elas que vejo desfilar pelas ruas há décadas. Essa impressão veio a se confirmar em minha mente quando fui à padaria comprar pãezinhos quentes para o lanche da tarde. O horário das 18h30 coincide com a chegada das jovens senhoras do trabalho. Por todas pelas quais passava, percebia uma característica que sempre me foi familiar e que se sobressaia sobre as outras. Todas carregavam sacolas – uma, duas, quatro, tantas – que não entendo como conseguiam com apenas dois braços.

Imediatamente, viajei para o passado e me vi como o menino que esperava mamãe chegar do trabalho, carregando as suas sacolas com algumas surpresas. Isso não ocorria todas as vezes, é claro. Os dias em questão deviam ser especiais… e eram – dias de pagamento.

As mães da Periferia sabem que o dinheiro não durará muito, mas logo que o recebem, compram de imediato alguns itens que necessitam de forma mais premente. Entre as urgências se encontram pequenos presentes para os seus filhos. Pode ser uma lembrancinha boba ou uma necessidade real – roupa ou material escolar – mas alguma coisa preciosa acabava por chegar. Era preciosa porque, mesmo sem uma importância aparente, carregava uma mensagem maior: “Meus filhos, eu amo vocês!”.

Passados os anos, como a conclusão de um ciclo que se completa, já avós, se desdobram nos cuidados aos netos, pedacinhos de seus pedacinhos em forma de gente. Nós, seus filhos, vemos reproduzidas as mesmas cenas – nossos filhos a aguardarem a chegada desses seres especiais, sendo eles mesmos, o presente que desejam multiplicadores do amor de geração em geração – como a reafirmar a vida: “Minhas netas, eu amo vocês!”.

*Texto de 2012

No centro da foto acima, de uns 25 anos, mais ou menos, vemos a minha mãe, Dona Madalena, chegando com comprinhas, tendo duas das minhas filhas à sua espera. 

Ar De Louco

Em 2015, registrei no Facebook*: “Resultado após o futebol de sábado — ganhei algumas partidas, perdi outras, fiquei com dores musculares, o cabelo eriçado e um sorriso no rosto!”. Ao observar essa foto percebi o ar de louco, que realmente sou. Não quero parecer que menosprezo a quem realmente sofre de demência que, entre coisas, se isola em seu próprio mundo de certezas.

Diferente desse sintoma alienado, o meu caminho é de incertezas. Mantenho, por outro lado, uma coluna vertebral de parâmetros que me sustenta em pé, não sem sentir muitas dores, verbalizada fisicamente por uma hérnia de disco, entre outros efeitos. Essa é outra forte constante em minha existência material — somatizo o meu sofrimento psicológico mental em episódios que perigosamente já quase me levaram à extinção. De qualquer forma, sou funcional neste mundo de loucuras reproduzidas aos bilhões.

Mantenho uma família, “amigos”, colegas de trabalho e relações interpessoais. Nunca sei como sou visto e quando me descrevem, descreio dessas impressões. Percebo o quando se enganam sobre mim, ao ser contextualizado em relação à minha própria visão. É certo que a minha autocrítica é um tanto ácida. O que não impede que me zangue quando percebem as minhas falhas. Talvez, efeitos do senso de autoproteção. A diferença é que busco atenuar a eventual falha, ainda que de início possa brigar com quem a aponta.

Essa foto, posada, mostra pelo menos uma certeza — não sei sorrir. Eu me lembro que, frequentemente envolto em crises existenciais, não via sentido em sorrir por nada. Não que não o fizesse, mas ocorria de forma episódica e imprevista. Como queria me ver agir de maneira natural… Não que eu fingisse… Apenas não sabia como me colocar diante dos outros. Quando jogava bola, ao contrário, eu sentia me exprimir como se cada movimento fosse necessário e justificado — consequência óbvia das necessidades em realizar o objetivo proposto — fazer o gol ou defender de tomar um. Não jogo mais futebol, apesar de amar a atividade. Mesmo nos sonhos em que jogo bola, sofro por não conseguir sequer chutar a bola.

O que vejo com ironia é que mesmo estando “feliz”, eu não conseguia expressar essa suposta felicidade. Eu sou daqueles que tentam objetivar o momento que passa. Tudo é passageiro, incluindo a nós mesmos. Estabelecida a contradição de tentar segurar a água com as mãos sem vazá-la entre os dedos, como a contrapor a nossa efemeridade, de alguma maneira eu encontro pretextos para torná-la “eterna”.

Sou daqueles que acredita na existência de uma Consciência Universal (que alguns chamariam de Deus). E de que ela guarda absolutamente tudo do que acontece em todos recantos dos muitos universos. Afastada a tese de que não haja prova de sequer ter havido um Big Crunch, esse repositório de sucessos inconsequentes, são consequentes e guardam conexões que talvez nunca venhamos a desvendar, a não ser fora do corpo material. Estando com o olhar de quem observa de fora, talvez tenhamos uma ideia da totalidade da Ideia. Não se esqueçam de que, sendo louco, tenho licença para criar…

*Eu costumo me referenciar a aplicativos como o Facebook, porque sou um historicista. Há coisas que achamos que durarão uma eternidade, sendo que a própria Eternidade possa ser contestada, a depender de qual escola de Física o sujeito pertença. Um dia, acaso alguém venha querer saber o que foi o “Livro de Perfis“, talvez se interesse por esse baú de assuntos tanto menores quanto maiores.

Participamos, todos, de uma grande e louca comédia — eu, você e o melhor de todos Charles Chaplin.

BEDA / Humanos*

A minha luta constante, interna, é contra a Vaidade (mental, não física) e o Egoísmo. Inveja, presumo não ter. Pelo simples fato de que eu, sendo eu, não posso desejar ter o que o outro tem, na aparência, sem saber o que outro vive profundamente. E eu prezo muito a minha profundidade, muitas vezes indecifrável para mim mesmo.

Eu, sendo um mistério em meu âmago, quero continuar a me descobrir. Em conversa informal com a Romy, me dei conta de uma coisa muito simples e que, por isso mesmo, me era quase invisível: se desejo o Bem para a Humanidade, devo necessariamente desejar o meu próprio bem. Não devo considerar a isso como Egoísmo, mas como Altruísmo. E desejar o bem-estar do próximo em mim mesmo, o ser mais próximo de mim, é só o começo.

Se eu não estiver bem, não há como compartilhar o bem-estar. Se estou sofrendo, não há como enxergar a Paz para além do imediatismo limitado pela dor a ser superada. Para amar ao próximo como a mim mesmo devo, antes de tudo, amar a mim mesmo e, em mim, a minha humanidade. Que todos tenhamos um dia melhor. Que todos possamos nos valorizarmos individualmente e nos amarmos coletivamente. E humanamente…

*Texto de 2021. O discorrido acima parece ser de uma obviedade “ululante”, como diria Nelson Rodrigues, mas preocupado em que estava em vencer o meu alheamento a muitas situações cotidianas, incluindo pessoas, me feria o tempo todo, aceitando o sofrimento de bom grado, como se fosse uma punição bem vinda. Mais um sintoma de Vaidade, eu diria. A recomendação feita por Jesus de Nazaré aos seus seguidores — “ame ao próximo como a si mesmo” — relativamente pouco tempo antes me pareceu evidenciar que a primeira parte da sentença só teria valor se eu me amasse de modo a espelhar e espalhar esse Amor para outro, compreendido como partícipe da minha jornada rumo ao autoconhecimento.

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso

BEDA / Elocubrações

Tenho por mal hábito discorrer sobre tudo e nada. Produzo elocubrações confusas e rasas, em muitas oportunidades. Em outras, viajo para fora do contexto ou acerto sem querer em coisas mais profundas e interessantes. Feito um pescador, tenho recolhido antigas publicações antes que sejam deletadas pelos seres invisíveis do Senhor Algoritmo ou seja lá quem for quem comande a Rede. Na época de BEDA, na falta de ideias novas, essas recordações vem bem a calhar.

PRISIONEIROS (2016)

Quem está solto? Quem está preso?…
As calopsitas passeiam pela gaiola a se sentirem seguras, mesmo com a aproximação de um suposto predador. As plantas do jardim estão cercadas para que elas não sejam prejudicadas por invasores. Da mesma forma, nós nos imaginamos protegidos por grades nas janelas, portas e portões de ferro… O que diferencia uns prisioneiros de outros? O que é liberdade?…

LUNAR (2016)

Pode ser a última Lua
A última vez que atua…
Pode ser a sua última noite…
A derradeira hora do açoite…
O último abraço e o colo quente…
O último suspiro e o beijo ardente…
A última chance de perdoar…
A última oportunidade de amar…

PRINCESA ISABEL (2011)*

Vista da Praça Princesa Isabel, onde vemos o Duque de Caxias estacionado com o seu cavalo e seu braço em riste com uma espada, para sempre. À esquerda, abaixo, um catador de papel, figura onipresente na região e, mais ao longe, no horizonte, Cristo, no topo do prédio do Colégio Sagrado Coração de Jesus, observa o domingo na Cracolândia. Bem ao fundo, temos o perfil da Serra da Cantareira — Em registro fotográfico de Março de 2009.

*Atualmente, a Praça Princesa Isabel está cercada por todo o seu perímetro por grades. Meses antes, estava ocupada por um acampamento de pessoas em situação de rua, viciados e traficantes de drogas, num amálgama que demonstra a evidente falha em solucionar as contradições do Sistema.

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso

BEDA / Frida Calada*

Frida
fala pelos olhos…
Nasceu ressabiada de gestos bruscos,
como se trouxesse abusos
de vidas passadas…
Passou a se aproximar aos poucos,
a vencer a timidez,
a se colocar embaixo de mesas,
em cantos de sofás,
junto aos nossos pés…
Hoje, perdeu de vez as travas…
Sentiu o frio chegar
e arranhou a porta para entrar…
Frida, outrora calada,
vive agora a deitar falas
com o seu olhar… 

*Poema de 2016, para Frida, que nos deixou logo depois, pela veleidade de um motociclista que corria a 100Km/h em uma rua de bairro.

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso