Não Consigo Falar De Amor

Eu queria falar de amor,
mas meu amor foi embora…
Depois disso,
o meu amor me deixou.
Porque o amor morre antes em nós
e nossos amores,
como flores sem água,
ressecam,
escurecem
e vemos suas pétalas deixarem  
suas hastes e nossos braços.

Nossos abraços
deixam de aquecer o corpo-solo,
as nossas mãos
não fertilizam mais carinhos,
os nossos olhos
não vislumbram mais o sol
na manhã orvalhada.

Quando isso aconteceu?
Foi da noite para o dia?
Ou fui sendo envenenado pouco a pouco,
minha alma a se desertificar
até se tornar terreno pedregoso,
ácido
e impuro?

O que sei é que quando olhei ao redor
só percebi padecimento e ignorância,
violência e ódio,
morte e desdém.
Doenças e falsas crenças,
o mal a grassar de graça —
desgraça e trapaça —
povo contra povo,
o tentacular polvo
do poder a provocar
a confundir,
a maldizer,
a mentir,
a matar…

Antes, eu conseguia proteger
o meu jardim…
Afastava
predadores e pragas,
me abrigava
de palavras negativas,
frequências de indecências
em ultrajantes vagas
dos corruptores do espírito…
Conseguia ultrapassar as nuvens escuras
de tenebrosas ameaças
e ver a luz.
Conseguia pôr a cabeça
e respirar para fora do lamaçal —
esgoto
de merdas,
merdinhas
e merdaças.

Porém a luta insana me esgotou.
Cansado,
submergi sob a influência do homem mau —
mitológico e orgulhoso representante
do Medo
e do Mal-feito.
O meu amor me deixou
e não consigo mais falar de amor —
boca que se calou
em campo de cultivo inóspito-asfaltado,
rumor de lembrança boa,
falta que magoa —
dor fantasma de membro amputado…

O garoto de coração partido…


Renovo

Lindos sorrisos falsos, grandes abraços falsos, armados beijos falsos (sabemos que os bons beijos são inesperados e desarmados)… Enfim, chegamos ao Natal!

A sentença inicial expressei apenas para ser conforme aos revoltados de plantão que, com razão (as suas razões), querem fugir à massificação dos bons votos feitos de forma automática e sem um fundo de bom augúrio.

Eu, de minha parte, desejo realmente que possamos viver tempos melhores. Que o espírito de renovação se faça presente. Que as boas vibrações sejam perceptíveis na pele de pelos arrepiados. Que o sorriso seja acolhido com outro sorriso. Que chorar seja permitido e seja acompanhado de lágrimas companheiras e consoladoras. Que o abraço seja reconfortador. Que o beijo seja carinhoso como brisa fresca ou profundo como se quisesse explorar a alma de quem é beijado.

Sempre é tempo de renovação da esperança, do desejo de melhorar a visão do entorno ou de Raio X que busca o âmago das coisas (meu “defeito” de escritor). Da renovação do amor desgastado pelo tempo e/ou pela rotina, mas que ainda vibra dentro de nós. Da renovação do amor em nossa vida, não apenas pelas pessoas, mas pelos nossos companheiros animais, pelas plantas, pela Terra, pelos ideais e pelas causas que nos movem.

Um dia, neste mesmo planeta que habitamos, uma pessoa ousou proclamar o Amor como o Caminho. Isso foi tão revolucionário à época quanto o é ainda hoje. Todos os dias, temos provas de quanto é desafiador exortar o Amor ao próximo, de desarmar os braços para acolher. Os martirizados pululam em todos os cantos dos Continentes. O que antes ocorria na calada da noite e na distância dos lugares, hoje nos chega no mesmo momento que acontece, impactante. Imagens em vermelho-sangue, vermelho-fogo, em vermelho-choro…

Para encerrar, posto a imagem a seguir. Gosto de amanheceres, auroras são sempre bem-vindas. Mas os crepúsculos são mais desafiadores. Encerram a passagem do dia para a noite. Chega prenhe do dia que foi vencido, com dor e suor, alegria e amor. Esconde e aclara expectativas para o novo amanhecer. Os crepúsculos são luscos-fuscos da vida. Eis este, que colhi na fronteira entre São Paulo e Rio de Janeiro. O caçador de nuvens que sou lhes deseja o melhor para esta noite. E para todos nós, um Feliz Natal! Sejamos um renovo!

BEDA | Antes Do Salto No Precipício

Rua 2 e Corredores
Lançamentos Scenarium

Sempre quis saltar. Apenas não sabia que caminho tomar para chegar à borda. Escolhi escrever. Decidi me expor aos olhos dos possíveis leitores. Estar sob crivo alheio, além de si próprio. Não é um exercício agradável. Mas para quem quer se jogar, todas as consequências são dolorosas, apesar de aguardadas. Ser publicado é o salto. E há sempre gente disposta a ajudá-lo dar o passo sem chão. Um dia antes do lançamento de Rua 2, repasso mentalmente suas histórias em minha cabeça.  Procuro não ter expectativas.

Sobrevivente de um primeiro salto, em “REALidade”, deveria estar preparado para um segundo. Nunca se estará. Outro projeto, outra vertigem. Quase certeza de que não se alcançará êxito em concluí-lo. Dúvidas sobre tudo. Sobretudo, incertezas, muitas. Salto no escuro. Para saltar no precipício, há um trabalho em equipe. Sem o que, o espaço, além de vazio, será sem sentido. Ouso dizer que é um trabalho realizado por muitas mãos, até chegar às mãos definitivas.

O livro, materializado, é a precipitação pensada. Vácuo vital. Chuva no deserto. Tinta seca a fecundar o papel branco. Palavras a ventar pelas mentes que as acolhem. De alguma forma, aconteço pelas páginas em sequência, em números embaralhados. Chegar ao coração vivo, matando e morrendo. Suportar todas as contradições, sendo coerentemente contraditório. Confuso, com fuso e difuso.

Hoje, logo mais, Rua 2 e outros projetos da Scenarium Plural – Livros Artesanais, estarão disponíveis para serem apreciados por leitores e amigos. Mariana Gouveia, caminha junto comigo através de “corredores, codinome: loucura”. O projeto “Sete Luas” nos ilumina com a participação de autoras do selo. A Revista Plural – “Clandestina” – porque escrever não deixa ser um ato quase ilegal. Todos convidados para testemunharem saltos no precipício. Regado a café e abraços. Dor em nos revelarmos. Prazer em recebermos e sermos recebidos.

Participam do BEDA:  Claudia — Fernanda — Hanna — Lunna — Mari