*Em 2014, escrevi: “Voltando a ser adulto aqui no Face, se bem que com uma foto tirada em um lugar que me remete ao melhor da minha infância, junto ao Mar. Nessa faixa de areia, em vez de ser o velho, me torno um com os elementos — o fogo do Sol que me abrasa, a brisa do oceano que me refresca, a areia que me sustenta o pé (ainda que de forma deslizante) e a água salgada, que ainda será o futuro do Planeta Terra, assim como foi no passado”.
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09 / 10 / 2025 / Librinando
Os registros que aqui aparecem foram feitos ontem, na Cidade Ocian, Praia Grande, hoje considerado o segundo maior município da Baixada Paulista que, devido à influência da cidade de Santos, é mais conhecida como Baixada Santista. Fazia 17ºC e chovia intermitentemente. Ora com um chuvisco, ora mais intensamente, a tamborilar uma canção fora de ritmo. Saí de bicicleta mesmo assim, como fazia quando mais novo. Recebia a água no rosto como se fosse uma benção natural de quem estava livre de qualquer julgamento na cidade de pouco movimento que se escondia do frio úmido. A faixa de areia estava vazia e o Mar me convidava a visitá-lo mais tarde. E assim o faria.
Vestido com a minha sunga escura, naquele tempo chuvoso, devia causar um certo assombro em quem me olhava passando descalço. Como estava sem óculos, apenas imaginava que assim fosse. Aliás, a minha rua estava vazia de pedestres e um carro ou outro passava para acessar a avenida junto a praia. Cheguei à faixa de areia que umedecida, guardava o registro de estrelinhas feitas pelos pés de pombos solitários, além de pegadas de cães vadios que passearam antes que eu chegasse. Pensei que fosse o único a estar por ali, mas um grupo de adolescentes marcavam a sua presença festiva, brincando na chuva enquanto outros quatro estavam no mar brincando nas ondas, assim como eu faria dali a pouco. Mais alguns metros mergulhei na minha infância. O Mar estava agitado, com ondas a configurar desenhos diversos, que se faziam e se desfaziam em segundos. Mesmo nos dias em que o Sol se mostrou abertamente, não havia me divertido tanto. Por quarenta minutos, me senti pleno. Estar ali foi o meu presente que levaria dentro de mim.
A minha intenção era ficar hoje também por lá, sozinho. Comemorar o meu aniversário comigo mesmo, além do mar, ondulando, mergulhando, trocando confidências com Iemanjá. Estar na água me recompõe a mente, me ilumina a alma. Naquele dia nublado, úmido e frio eu me senti aquecido e quase adiei a minha volta à São Paulo. Mas decidi estar com a minha família, dando a sexagésima quarta volta em torno do Sol, completado às 2h da manhã. Tenho ouvido muito um antigo compositor cearense que dizia que nada é divino, nada é maravilhoso. Mas a sua franqueza negativa apenas mostra o avesso da realidade múltipla da vida. A cada mergulho, lavo o nosso presente em minha pele e reconstruo o meu passado. Chego aos 64 ainda curioso sobre o que a existência tem a me apresentar.
19 / 02 / 2025 / Peixe-Lua*
Faz um ano que cheguei à Lua…
Ou foi a Lua que se achegou a mim…
O que importa foi o encontro deste cosmonauta
com aquele corpo celeste.
Mais próximo e com o tempo,
pude perceber que avaliara errado.
Como Colombo que pensou chegar a um lugar,
aportara em outro.
A Lua não era um suposto satélite,
mas uma estrela,
em torno da qual outros corpos giravam em torno.
Juntos, formavam um cenário novo para mim,
onde me identifiquei como um autóctone.
O extra lunar, então,
passou a se sentir como um peixe n’água —
um Peixe–Lua!
*Palavras de 2016
BEDA / Mares & Humores
Mares
Em março de 2012, a Tânia e eu embarcamos em um cruzeiro pelo litoral de São Paulo e Rio, ida e volta. Eu, que considero morrer no mar bastante poético, à bordo do Navio Costa Fortuna usufruí de facilidades e serviços que evitaram que a minha experiência com o poderoso reino de Poseidon fosse mais íntima e muito mais cômoda do que em muitos lugares em terra neste planeta Água. Não mareei, assisti a espetáculos, brinquei na piscina, frequentei à academia, consumi bons jantares e sequer pus o pé longe do barco nas paradas. Foram três dias intensos e inesquecíveis.
Texto de 2021

Maus Humores
Estou sem nenhuma paciência com certos tipos. Bloqueei preventivamente um sujeito que talvez nunca visse na minha vida. Nos comentários de uma postagem sobre a viúva de Theo Van Gogh, irmão de Vicent, que foi quem guardou e depois divulgou a obra do grandíssimo pintor, tenta minimizar seu trabalho. Ele se diz conservador. Como se esse tipo de postura o isentasse de ser minimamente plausível, coerente ou perspicaz. Tenta desvalorizar a contribuição de Joanna para não dar protagonismo a uma mulher…
Texto de 2023
BEDA / Heterocrômico
Eu sempre fui fã do Homem Que Caiu Na Terra, ou melhor, do ator que o interpretou — David Bowie —, também compositor, cantor, músico, produtor, homem à frente de seu tempo. No filme, ele interpreta um papel que parece ter sido feito especialmente para ele: “um ser andrógino, impúbere, alto para os padrões terráqueos, delicado, magro, polido e que tenta se adaptar à vida terrestre para sobreviver entre os humanos”.
Quando vi o filme, eu me vi na personagem, apesar das característica físicas discrepantes. Andrógino, impúbere, era. Mas me faltava a delicadeza e a polidez num garoto que era açoitado pelas condições que me cercavam, das quais era obrigado a me defender. Apenas mais tarde, percebi que por mais um detalhe me assemelhava à Bowie — heterocromia. A minha, é natural, a dele, provocada por um acidente.
No colégio, aos 15 anos, a sua pupila esquerda ficou permanentemente dilatada depois de levar soco de um colega. Um olho ficou azul claro, enquanto o outro, escuro. No meu caso, o direito é castanho claro levemente esverdeado, enquanto o outro, verde escuro.
Da violência, surgiu uma característica que David Bowie adicionou à sua postura alienígena não apenas no filme de 1976, mas também como artista performático através das suas personas como Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Halloween Jack, The Thin White Duke, Major Tom e O Profeta Cego…
Para mim, a heterocromia é apenas mais um ponto de contato que me ajudou a escrever este texto. A personagem do filme, Thomas Jerome Newton veio de Anthea para a Terra em uma missão desesperada para salvar os poucos habitantes que ficaram em seu longínquo e desconhecido planeta.
Para isso, precisava construir aqui uma nave que pudesse trazer os 300 de sua espécie que ainda viviam em um planeta onde a água acabou e os recursos são cada vez mais escassos. O tema do livro de 60 anos antes, de Walter Tevis (1963) e quase 50, do filme de Nicholas Roeg, parece reverberar em nossa situação planetária atual. O alienígena David Bowie e, junto com ele, as suas personas, se foram. Nesse andamento, mais em algumas décadas, a sua obra perecerá, junto com todos da nossa espécie…





