De tempos em tempos, durante toda a minha vida, mudava o visual, buscando brincar com a imagem um tanto andrógina que apresentava. Isso confundia quem me conhecia, mas não ajudaria em nada se dissesse que homenageava a David Bowie. Para contrariedade de meu pai e dúvida da minha mãe quanto a minha sexualidade, colocava brinco, pintava o cabelo, depois o tosava a zero, deixava crescer até o ombro e, por aí, caminhava.
Diferente de hoje em que a calva avança e só tenho a barba para mudar. Quando abracei o vegetarianismo, ao 17 anos, emagreci bastante e, com o surgimento da AIDS, não foram poucas vezes que alguém achava que eu fosse aidético. Por essa época, numa entrevista para emprego, apesar de ser bem qualificado para tal, fui dispensado sem explicação. A minha imagem não colaborava — magro e careca. Quando adotei os cabelos compridos (e desgrenhados), algumas vezes fui parado pela Polícia para apresentar a identidade. Ser branco e articulado me ajudou a não sofrer como alguns amigos pretos, que nem podiam dar um pio. Mas viver na Periferia nos equalizava. Sempre havia alguma favela próxima a qual poderia pertencer, o que me qualificaria como suspeito.
Quase aos 30, casei, tive filhas, vivi altos e baixos. Montei uma pequena empresa, quase morri duas vezes. Assim, estou chegando quase à sexta década de vida sobrevivendo a uma Pandemia e a outras doenças graças à má gestão da Saúde Pública. Mamãe fazia questão de manter as nossas carteirinhas de vacinação em dia. Graças ao Ensino Público cheguei à Universidade, que desenvolveu a minha capacidade de discernimento entre a boa e má Política — a arte da convivência. Eu me orgulho de ser um cidadão que respeita as Leis, sabendo que podem ser melhoradas para atender às demandas da população. Sei que morrerei antes que veja este País mais justo. Assim como cria que aconteceria aos meus 20 anos. Eu estava enganado, então. Pode ser que esteja enganado outra vez, de modo diverso. Oxalá!
Eu tenho pés com duas personalidades entre si. Certamente há diferença entre as partes do nosso corpo, principalmente entre os membros e suas terminações — braços, mãos, dedos, pernas e pés. Quando era adolescente, naquela fase de desenvolvimento em que tudo está descontrolado, desde o crescimento dos membros, a definição do feitio do rosto, o aparecimento dos primeiros pelos, além das emoções em ebulição e os sentimentos conflitantes, o desejo sexual, os primeiros amores, normalmente platônicos, o que era comum para mim e assim permaneci durante quase a metade da minha vida, bati a cabeça algumas vezes, metafórica e literalmente, cultivando cicatrizes que surgiam a toda vez que raspava a cabeça. O que eu fazia de vez em quando para mudar o visual. Aos 17, quando me tornei vegetariano, emagreci bastante. Adepto das filosofias orientais, comecei direto a raspar a cabeça e assim deixá-la. Vivíamos os anos do advento do AIDS. Muita gente começou a achar que estava com essa síndrome, o virgem.
Antes dessa época eu tinha muito cabelo e o deixava se expressar da maneira que quisesse. Se bem sendo fã de música negra, cheguei a lavá-lo com sabão de coco — o que o deixava endurecido — e o penteava com garfo de metal, daqueles especiais para cabelos crespos. Logo, eles baixavam, o que me deixava chateado. Mas consegui pelo menos uma vez tirar uma foto que se perdeu no tempo, mas talvez esteja nas caixas de fotos da minha mãe que estão com a minha irmã. Mas voltando ao título deste texto, como gostava de jogar bola, enfrentava todos os terrenos onde havia um grupo de meninos correndo atrás de uma bola.
Em certa ocasião provavelmente quebrei o dedão esquerdo numa dividida. Continuei a jogar mesmo com dor. Com o tempo, os dedões foram se tornando diferentes um do outro. Como prova de solidariedade, ambos tem as unhas encravadas. Eu os trato diuturnamente. A Milena, minha podóloga, garante que fiquem domados. No mais, os dois pés pelo menos caminham lado a lado, graças a Deus!
“Mesmo cansado, estou indo dormir tarde para ver Tom Hanks iluminar Filadélfia… Miguel, estou pronto!… Ao mesmo tempo, dá para perceber que muita coisa mudou, mas nem tanto que possamos dizer que nos tornamos melhor. E isso é tão triste…”.
*Nessa postagem de 2022, vivíamos a situação de um País sitiado pela possibilidade de Golpe de Estado, claramente exposto em redes sociais pelo Ignominioso Miliciano, então, no poder. O seu governo já havia tentado desmontar o programa Anti-AIDS, em 2019, já em seu primeiro ano de (des)governo. Como vivia na própria bolha na qual seus seguidores também estavam imersos, produzia provas de planos urdidos diariamente, aliás, desde de antes tomar posse. Agora, desdiz tudo o que disse. Mente e todos ao seu redor sabem que mente, mas a estratégia é mentir, como sempre foi. O ladrão de joias (provavelmente recebidas por serviços prestados aos árabes que compraram uma refinaria à preço de banana), achou que sendo “suas”, tentou vendê-las no exterior, também à preço de banana. Mas o mais grave foi continuar com os seus planos golpistas até desembocar no 8 de Janeiro de 2023. Usando o gado que obedece cegamente ao Capitão, se meteram a invadir e a depredar as sedes dos Três Poderes. O Ignominioso Miliciano e seus asseclas foram finalmente indiciados pelos diversos crimes, através da delação de seu Ajudante de Ordens, que auxiliou a Polícia Federal a produzir provas em profusão para que fosse aberto o processo pela Procuradoria-Geral da República. Nos próximos meses, essa história que se desenrola desde 2018, quando surgiu a candidatura do sujeito no centro da trama, terá um termo provisório. O que constato é que nunca mais verei o Brasil da mesma forma. Sei que há um povo maravilhoso que ainda sustenta a minha visão de adolescente que cria na ascensão de uma raça miscigenada e de valor cultural natural, fruto das melhores influências dos vários povos que nos formaram como nação. Comecei a duvidar há tempos. Mesmo porque, são os retrógrados que estão no poder, postos justamente pelos oprimidos que se contentam com as migalhas caídas da mesa dos Senhores do Engenho.
“Eu sei que tem muita gente gostaria de um Corona Vírus para apimentar a nossa vida de perigo. Não precisamos. Vivemos em um País com péssimo Saneamento Básico, causador de doenças endêmicas; crescimento de mortes por Dengue e Chikungunya; a volta da Paralisia Infantil, Sarampo e da Tuberculose, por falta de vacinação, resultado de pura ignorância estimulada pelas Redes Sociais – assim como “adquirimos” este desgoverno –, que cogita diminuir a assistência aos doentes de AIDS, que resultaria no aumento de casos de doenças oportunistas, principalmente daquelas que se aproveitam de pessoas que não se previnem ou estão desassistidas por políticas públicas de saúde deficientes.
O portador de AIDS normalmente se cuida, toma precauções e se medica convenientemente, segundo mostra estudos recentes. O comportamento de risco geralmente se dá por parte daquele que se considera eleito pelos deuses, geralmente “homens” socialmente aceitos como acima de qualquer suspeita – os piores – que transmitem a doença às esposas, alheias a vida dupla de seus companheiros. Para piorar, a base de tudo – a Educação – que desenvolve cidadãos mais conscientes e aparelhados de conhecimento para sanear a Sociedade de lixo mental e desinformação, está sendo alvo de um processo silencioso e paulatino de desmonte. O desinvestimento nessa área se inicia desde a infância, com a retirada de verbas para creches.
Como estudante de História, parece que estou a ver acontecer no cotidiano uma representação de fatos antigos, de séculos passados, que julgava ultrapassados para este novo milênio. O que surge como exercício de distopia – uma das matérias preferidas de escritores – está sendo reeditado como obra de péssimo autor. Já estou a prever a procissão de hordas de convictos caminharem, por ordem superior, até a beira da Terra Plana para saltarem…”.
Este texto de 2020, em plena Pandemia de Covid-19, tentava identificar as circunstâncias que envolviam aquele moimento histórico. A nação, então, estava sendo capitaneada pelo Ignominioso Miliciano que ao final do seu (Des)Governo conspirou francamente para continuar no poder através de um Golpe de Estado. Após a sua saída, ainda tentou um último movimento com a invasão e depredação dos edifícios na Praça dos Três Poderes – Congresso Nacional, Palácio da Justiça e Palácio do Planalto.
Passado o tempo, o surgimento da figura política do Ignominioso Miliciano deu ensejo para que outras personagens assomassem do submundo utilizando o caldo da subcultura reacionária que permanece por baixo da pele do brasileiro médio, criado num mundo de desigualdade como projeto político idealizado como natural. Nossa tradição escravista repercute sub-repticiamente nas mentes de todos nós e faz com que aventureiros com estratégias advindas de suas práticas em redes sociais as empregue como se discursassem para um público ávido para ser enganado, feito aquela namorada que sabe que o sujeito está mentindo, mas se entrega porque ele sabe mentir muito bem.
Quando presenciamos uma cena de violência individual, costumamos senti-la como pessoal. Quando ocorre uma tragédia com grande número de mortos, o caráter coletivo acaba por o torná-la sem rosto. Neste país, o óbito de quase duzentos mil seres por Covid-19 parece não sensibilizar boa parte das pessoas. Quem não ainda foi infectado ou teve alguém conhecido que tenha sido, age como se fosse um fato corriqueiro e distante em possibilidade. Nesses momentos, quem nega o mal, ganha seguidores, como se tudo representasse um fato da vida. Mas não precisava ser. Porém, para que houvesse uma mudança de parâmetro, teríamos que enfrentar nosso principal inimigo — nós mesmos, brasileiros — que acreditamos sermos predestinados ao sucesso (seja lá o que isso signifique), ainda que façamos tudo errado. Negar a Ciência, o planejamento, o conhecimento de causa, nossas contradições, é eficientemente aceito como empecilhos do bem-estar coletivo. A ignorância chega a ser vista como a uma benção concedida como um cartão de crédito sem limites. Piora tudo quando a visão ideológica serve de esteio para que compremos ideias aparentemente baratas, mas que carregam juros altíssimos. No final de tudo, ficamos devendo os olhos da cara, aqueles mesmos que não enxergam um palmo diante do nariz.
Decidi deixar de seguir um amigo porque postou a entrevista de um médico cirurgião em um programa de uma rádio que deixei ouvir depois de 50 anos porque nos últimos 3 tornou-se ponta de lança de uma visão retrógrada e alienante. No programa, o sujeito com ares professorais, garantido por títulos e experiência comprovada, tenta relativizar as mortes por Covid-19 informando que a mortandade pela doença era menor que as ocorridas pela fome, pela AIDS e outras causas. Além disso, usou números relativos para desvalidar a vacina, principalmente a chinesa, que a verificação pura e simples realizada na busca por órgãos idôneos desmentiria. O direcionamento já me pareceu direto demais para passar despercebido porque ocorreu antes de uma análise mais profunda. Ora, a Internet que desinforma, também pode jogar luz sobre perspectivas obscurecidas propositalmente. O que causa espanto e joga dúvidas sobre o quadro sanitário é que o entrevistado pertence à área da Saúde. Ou seja, é um agente infiltrado tentando desinformar com o propósito básico de confundir. Claramente atua a favor de quem pretende que tudo seja nebuloso. O mais triste que seja por razões políticas. (Nota atualizada, o referido médico acabou por falecer por complicações causadas pela SARS-COV-2).
A Covid-19 é letal. A AIDS é controlável, mas se não for não cuidada, é muito mais letal. E o número de mortos aumentará bastante no Brasil por conta de medidas tomadas pelo Governo Federal. Em notícia vinculada em 7 de dezembro, está expresso: “O Ministério da Saúde deixou vencer um contrato e suspendeu os exames de genotipagem no Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas que vivem com HIV, AIDS (a doença causada pelo vírus) e hepatites virais. O teste é essencial para definir o tratamento mais adequado para quem desenvolve resistência a algum medicamento”.
A fome mata e muito, também no Brasil. Apesar de “apenas” 2,5% da população (cerca de 5 milhões) apresentar um quadro de fome extrema, juntam-se as precárias condições sanitárias para gerar uma situação instável que proporciona um aumento exponencial de chances da queda da imunidade dessa parte da população desassistida. É como se esquecêssemos de uma parte do nosso corpo ou a considerássemos dispensável. Quando se nega que uma Pandemia como a que ocorre agora seja combatida com todas as armas disponíveis, então podemos inferir algumas teorias. A que me ocorre mais imediatamente que isso faça parte de um plano de limpeza social, haja vista a tendência ideológica deste governo alinhada à extrema-direita. É uma avaliação fora de propósito? Não foi o chefe que sonhava com a morte de 30.000 brasileiros em uma guerra civil para resolver os nossos problemas? E na campanha eleitoral propagou que era a sua especialidade matar?
Pois então, chegaremos a 200.000 mortos até o final do ano e talvez o mentor do projeto ache pouco. O que me deixa mais triste é que ele encontre quem defenda as suas diretrizes entre componentes de outras partes do corpo brasileiro. Um dia, as nossas pernas nos levarão ao abismo…
*Durante a Pandemia, escrevi vários textos que muitas vezes não publicava. Publiquei este em 21 de dezembro de 2020. Através dele, buscava demonstrar que concomitantemente à existência da doença viral, o ataque reiterado perpetrado por agentes humanos patogênicos relativiza situações que antes seriam impensáveis porque, justamente, reproduz histórias de ficção distópicas, ao espalhar informações falsas feito uma epidemia. Um péssimo exemplo de que a vida imita arte. Pessoas que vibram na mesma frequência aceitam o mal de braços abertos e tantas outras que apenas ficam expostas sem a proteção da informação de qualidade, são abatidas pelo adoecimento do raciocínio. Mas eis que procurar a publicação no WordPress, não a encontrei, apesar de tê-la divulgado pelo Facebook. Como algumas pessoas poderiam se sentir atingidas por se filiarem ao pensamento que denuncio, imaginei que pudessem tê-la denunciado, mas essa ação, segundo eu soube, não seria suficiente para que fosse obstruída pelo WordPress, mesmo porque somente exponho a realidade… bem, isso talvez já seja suficiente.