porque nunca são os mesmos mesmo quando achamos que são aliás ainda que tracemos o rumo exatamente igual ao anterior será num tempo diferente ainda que cronometricamente idêntico porque serei outro seremos outros sentiremos de forma diversa estaremos menos ágeis mais experientes menos inocentes menos inconsequentes mais óbvios mais capazes menos criativos seremos menos singulares mais iguais a tantos menos incongruentes as condições externas serão inconformes nossos corpos disformes a pressão externa mais pesada ou mais leve a experiência menos sedutora ainda que seja a vida tamanha ao fim nada será como antes amanhã…
O Gilson, o rapaz que tem a sensibilidade de encontrar o pai no tom de voz de um desconhecido, deu o mote e logo me senti compelido a criar algo em torno desta foto. Ele, inclusive, sugeriu um título — A Aranha Que Roubou A Lua. Quem compõe ou escreve, sabe que muitas vezes uma canção ou um texto segue certo protocolo e para quem tem as ferramentas, é até fácil construir temas aceitáveis. Mas desde o início, em vez de uma crônica gracinha, chegou a mim os versos que coloco a seguir. A Lua, ainda que roubada, continua a ser poética.
Noite alta… Ainda não era amanhã… E, ainda que fosse, vivo sempre o hoje. Amanhã é um lugar distante ao qual nunca chegarei…
Lua em quarto crescente, o homem, descrente do amor, a busca no olhar e a fotografa.
No registro revelado, uma aranha arranha a imagem da penumbra contra as luzes artificiais.
O ser, inicialmente invisível, rouba a Lua de seu protagonismo. Coloca cada elemento, com a sua função. Nada ocorre à esmo.
A aranha aprisiona o seu alimento… A Lua consola minh’alma…
Em 2015, nesta mesma época, publiquei no Facebook: “O tema tem se tornado repetitivo — o entardecer, o sol se pondo (somos nós que nos vamos à bordo da nave mãe), as estações que se sucedem, as nuvens que brincam de formarem seres mutantes e de se desfazerem em promessas de chuva que não virão. Enquanto isso, poucos param para observá-las, porque não se importam com a mesmice da apresentação, porque não percebem a bela notícia que a rotina do cotidiano traz — o amanhã tem futuro!”.
Nos comentários, há observações, assim como a da Tânia: “Vi vários cavalos alados…”; Alessandra da Mata pôs como resposta uma música de Jorge Mautner, com Moraes Moreira — A Lenda do Pégaso. Ao que respondi: “Maravilhosa lembrança! Dessa canção, que ouvi pouco, eu só me recordava do refrão. Incrível letra do Jorge Mautner que, ao lado de Tom Zé, Jards Macalé, Walter Franco e outros ‘esquisitos’ da MPB, aguçaram a minha imaginação nos anos 70. Você, tanto quanto eu, pega o azul nos céus do Brasil!”.
Enquanto Suzy Pavlov comentou sobre o céu craquelado, Marineide de Oliveira postou versos de uma canção da Banda Pau E Corda, do álbum “Vivência“: “Quem nasceu lá e viveu / Crescendo percebeu / Viu descer o amor / No céu de cada tarde”. E confirmou: “Também vi cavalos alados!”. Stela Maris, concordou: “É verdade, somos nós que vamos a bordo da nave mãe… E sim, o amanhã tem futuro!” e ainda Cleide Sporto afirmou sobre o crepúsculo: “Nunca será repetitivo o suficiente”.
Foram retornos estimulantes a uma simples postagem de um entardecer. De alguma maneira, as pessoas consideravam importante trocar impressões, conversar sobre a tarde que se esvaía em cores, fazer as correlações entre as linguagens. Parece ter sido coisa de outra vida, quando tínhamos “tempo mental” — algo que caracterizo como um espaço não apenas temporal ou mental, mas igualmente de energia fraternal. Não que as pessoas não gostem tanto mais umas das outras.
Creio que o afastamento físico, que não era impeditivo para encontros virtuais, também tenha se tornado concreto pela perda de estímulo de algum entendimento ou desilusão. Talvez seja o formato (Facebook) que não tenha mais o apelo que tinha antes, diante de tantas outras expressões virtuais. Talvez sejamos nós, menos “inocentes”, a nos punirmos com a cegueira dimensional. Pode ser que o desinteresse pela simplicidade vital tenha crescido. Ou os temas tenham ficado repetitivos. Ou o encanto tenha se perdido… Ou a ideia de futuro tenha esquecido seu sentido…
Sabe o que é mais estranho? Ou esqueci que tenha os visto ou definitivamente nunca consegui enxergar, na imagem acima, os tais cavalos alados…
*Pégaso (em grego: Πήγασος; romaniz.: Pégasos), na mitologia grega é um cavalo alado símbolo da imortalidade. Sua figura tem origem no mito de Perseu e Medusa, nascido do sangue da Medusa quando foi decapitada por Perseu. (Wikipédia)