Pelos (Des)Caminhos

Passageiro passo
Eu e mais tantos coletivamente motorizados
Por uma pracinha de uma única árvore larga
Do tamanho do abraço de oito homens
Nela
uma placa propagandeia:
“Alianças
a moda antiga”…
Terei lido errado
Na rapidez da minha passagem?
Uma lanchonete
Uma igreja
Um posto de gasolina
Pontos comerciais à direita do meu olhar
À esquerda
Padaria
Loja de tintas
Uma oficina
Quantas funções
Serviços
Precisões
Consórcios
Empresas
Dos quais somos presas
Não bastam as necessidades básicas
Temos que adquirir novas e variadas
Outras muitas
Vender e comprar desejos de consumo
Sem eles
O que nos move?
Amar?
Atravessar pontes sem ultrapassar portais?
Nos desvestirmos de roupas
E posições sociais?
Nos apoderarmos de emoções
E sentimentos?
De sermos mais do que o corpo
Nos proporciona de prazer
E transcender o gozo?
Alcançar o prazer de ser
Sem ter?
O que somos além de animais
Racionais que praticam irracionalidades
Identidade e idade
Cor e nacionalidade?
Já buscou dentro si o universo
E o multiverso?
O que você É
Sem o nome que carrega?
A ouvir o som eterno do silêncio
Consegue se imaginar sem tamanho
Sem o apego ao ego
Indefinido e infindo?
Deixaria de ser servo
E se tornar um com Deus?

BEDA / Elocubrações

Tenho por mal hábito discorrer sobre tudo e nada. Produzo elocubrações confusas e rasas, em muitas oportunidades. Em outras, viajo para fora do contexto ou acerto sem querer em coisas mais profundas e interessantes. Feito um pescador, tenho recolhido antigas publicações antes que sejam deletadas pelos seres invisíveis do Senhor Algoritmo ou seja lá quem for quem comande a Rede. Na época de BEDA, na falta de ideias novas, essas recordações vem bem a calhar.

PRISIONEIROS (2016)

Quem está solto? Quem está preso?…
As calopsitas passeiam pela gaiola a se sentirem seguras, mesmo com a aproximação de um suposto predador. As plantas do jardim estão cercadas para que elas não sejam prejudicadas por invasores. Da mesma forma, nós nos imaginamos protegidos por grades nas janelas, portas e portões de ferro… O que diferencia uns prisioneiros de outros? O que é liberdade?…

LUNAR (2016)

Pode ser a última Lua
A última vez que atua…
Pode ser a sua última noite…
A derradeira hora do açoite…
O último abraço e o colo quente…
O último suspiro e o beijo ardente…
A última chance de perdoar…
A última oportunidade de amar…

PRINCESA ISABEL (2011)*

Vista da Praça Princesa Isabel, onde vemos o Duque de Caxias estacionado com o seu cavalo e seu braço em riste com uma espada, para sempre. À esquerda, abaixo, um catador de papel, figura onipresente na região e, mais ao longe, no horizonte, Cristo, no topo do prédio do Colégio Sagrado Coração de Jesus, observa o domingo na Cracolândia. Bem ao fundo, temos o perfil da Serra da Cantareira — Em registro fotográfico de Março de 2009.

*Atualmente, a Praça Princesa Isabel está cercada por todo o seu perímetro por grades. Meses antes, estava ocupada por um acampamento de pessoas em situação de rua, viciados e traficantes de drogas, num amálgama que demonstra a evidente falha em solucionar as contradições do Sistema.

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso

BEDA / Quem Sou Eu Em Você

eu não gosto muito de mim isoladamente
mas quando estou consigo eu me amo em você
sou tão poderoso sou deus que busco
voltar à intimidade da criação
do início da vida explosão
que átomo a átomo abraço em seus braços
entrego a mim redivivo e me sinto homens
tantos que escapam ao domínio do medo
que teria o poder de amar suas mulheres
noites e dias tardes e alvoreceres
de continentes apartados pelos mares
tornar-me força única uma só ideia
toque particularizado em seu corpo
um planeta unido pantalassa-pangeia
renascido como quando a amei pela primeira vez
imenso e pequeno amado e intocável
diante de tanta infinitesimal grandeza
à luz da vida quando se expressa em choro
o som do universo exteriorizado
para dentro de meu peito inacabável
o fim é buscar o começo à procura do beijo
sugar a mama entranhar-se suar beber o sumo
línguas gemidos grunhidos urros falas e falo
faço vibrar preencho de sangue veias
que se aquecem
em ondas até verterem lágrimas leite e mel
sementes derramadas em solo impermanente
entre lábios nuvens dobras lençóis fronhas águas e areias.

Foto por cottonbro em Pexels.com

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Darlene Regina

BEDA / Os Leoninos

Caetano & Romy – leoninos…

Segunda-feira para terça, um dia depois do aniversário de 80 anos de Caetano, estava na cozinha quando a leonina da casa, a Romy, chegou me dizendo que estava se sentindo menos culpada por não ler o que eu escrevo, a confirmar para mim o velho ditado que pronuncia que “santo de casa não faz milagre”. Perguntei a razão e ela respondeu que acabara de ver a entrevista do Caetano com Pedro Bial na qual os filhos, questionados sobre a obra do pai, disseram não a conhecer por inteiro, talvez bem menos do que vários fãs.

Os da minha geração, que acompanham o magnífico compositor e intérprete neste último meio século, temos as suas canções entranhadas em nossa memória afetiva. Quantas vezes suas letras não disseram tudo o que devíamos ouvir, no momento exato ou, mais ainda, quantas vezes elas não se tornaram necessárias para preencher lacunas de ideias, emoções ou sentimentos insuspeitos, aclarados pela voz apalavrada do baiano de Santo Amaro da Purificação?

O filho de Dona Canô, também mãe da imensa Maria Bethânia, tão querida por mim que nomeia a minha filha de quatro patas, em determinada época provocou uma situação inusitada – levantaram a hipótese de que os irmãos fossem a mesma pessoa. Parecidos, os cabelos expandidos de Caetano, feito a juba de Leão que era, fazia-o semelhante à irmã mais nova que, aliás, deve seu nome a ele, originário do título de uma linda canção que conheci na voz eterna de Nelson Gonçalves.

O cabelo era simbólico de sua atitude em que as aparências eram determinantes para estabelecer critérios discricionários pelos padrões vigentes. Sua postura andrógina, tanto quanto de Maria Bethânia causavam estranhamento ao rígido Patriarcado. Dançava com a molemolência e a delicadeza exuberante de alguém que não se enquadrava ao Sistema. Acabou preso, também por isso. Além de pensar rompendo os limites pequenos das cercas ideológicas, surgia como péssima influência para os jovens. Creio que isso não ocorreu apenas à Direita. Meu pai, atuante personagem da Esquerda, a ponto de ter sido preso e torturado pelo Regime Ditatorial, recriminava os mesmos cabelos feito juba que eu usava e ficou enfurecido depois que passei a usar brincos.

A Romy citou também passagens em que Caetano mostrava o seu lado leonino, ao dizer que era bonito, sim, que não tinha a falsa modéstia de não demonstrar que não sabia disso. Obviamente, se identificou plenamente com o criador de Sampa. Nessa canção, ele revela que achou feia a cidade que “ergue e destrói coisas belas”, porque “Narciso acha feio o que não é espelho”. Essa auto aceitação vaidosa é, para mim, fantástica. Principalmente porque eu me considero sempre “culpado”, como se o Pecado Original não tivesse sido perdoado pelo batismo. Do qual não me lembro, mas que não faria a menor diferença, já que fui ao longo das idades acumulando “culpas” por circunstâncias normalmente incontroláveis.

Os leoninos, tanto Caetano quanto a Romy, assim como outros aos quais fui conhecendo em minha jornada, carregam o poder de levarem o Sol a cada lugar que chegam, como já versei em poemas. Chamam (ou fazem por onde chamarem) a atenção sobre si. Resilientes, seguram firme a carga pesada de serem o que são. Apesar de “saberem” que o mundo gira em torno deles, conseguem se solidarizar com os desvalidos, com os oprimidos, os que são atacados por serem frágeis ou diferentes.

Para deixar a minha cria menos compungida disse à Romy que não precisaria se preocupar em me ler, por enquanto. Chegará o dia que terá essa necessidade. Por hora, sei que está tentando se equilibrar entre as dores físicas e as mentais que sente por viver em um mundo tão poluído de caráteres aviltantes. O que escrevo se insere na mesma dinâmica. É uma necessidade premente de saber de mim e dos outros, tentando freneticamente me reconhecer como um ser humano que pertence ao topo da cadeia alimentar, vítima de abuso perpetrado por outros homens, mas igualmente um destruidor do planeta pelo estilo de vida que refuto, mas vivo.

Quanto a Caetano, chorei com ele pela emoção aflorada por cantar Terra, uma das suas canções que resume magnificamente o poder de se conectar com o Todo, mesmo quando se “encontrava preso na cela de uma cadeia” e ver “pela primeira vez as tais fotografias, em que apareces inteira, porém lá não estava nua e sim coberta de nuvens – Terra, Terra…”. Assim como quando lembrou de quando alguém lhe falou no exílio forçado sobre o lugar de origem, “onde o azul do céu é mais azul”. Fiquei preso nessa frase dita à visão de seus olhos marejados e me senti quase absolvido por amar leoninos de graça.

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins / Roseli Pedroso / Darlene Regina

BEDA / Reflexos Do Tempo

Enquanto caminhava para o prédio em que trabalhava, o homem muito sério viu ou imaginou ver, do outro lado da rua, uma imagem que o fez viajar no tempo. Aquela era uma manhã de inverno, porém ensolarada, em que a luz incidia inclinada por entre os transeuntes, atravessando-os, como o vento o faria, lambendo-os com o seu calor tépido. Essa luz encontrou o seu lugar nos cabelos da mulher que um dia ele amou, ou que um dia pensou amar, ou não seria aquela a moça que amou e imaginou que fosse, mas a sensação que trazia aquela visão, o precipitou para vinte e cinco antes, quando não era tão sério, mas apenas tímido o suficiente para nunca declarar que a amava. Porque percebeu exatamente naquele instante fugidio, que ele, sim, a amou profundamente, tanto que nunca quis se entregar a esse amor, que covardemente imaginou que desmoronaria com as vicissitudes da convivência mútua. Assim, o manteve intocado pelo tempo, tão forte quanto à época que o sentiu pela primeira vez. Agora, naquele momento crucial, estava para decidir se iria ou não correr atrás daquela que pensou ser a sua amada eterna, naquela manhã de inverno morno…

Foto por Tim Gouw em Pexels.com

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Darlene Regina Lunna Guedes / Suzana Martins