09 / 12 / 2012 / Ausência Presente

de vez quando eu lembro de seus olhos furta-cor
muitas vezes eu a recordo sentindo dor
do corpo da alma do passado do presente do incerto futuro do amor
ao mesmo tempo elogiava o meu membro duro
que lhe trazia o prazer da fuga da vida fugaz enquanto mergulhava
no sentido do desejo puro
até que me disse sem pestanejar como se fosse vaticínio de cigana
que um dia tudo iria acabar quando decidi que era o momento
tempos depois revelou — você sabe que ainda poderia estarmos juntos
que a vida em equilíbrio precário devia ter seguido seu curso
que deveríamos estar no amando pelos cantos em pelo e pele
da cidade entre prédios e becos caminhos inusitados lugares
de esgares urros e gemidos onde todas vocês em si
se encontravam com todos os meus em mim
essa multidão ficou órfão de paixão num átimo
caminham a esmo em busca de outras bocas
em delírios sonhos e pensamentos
até perceberem que tentam voltar a se perder em nossas próprias bocas
nossos corpos nossos seres
e mesmo que na penumbra da luz indireta da tarde que esvai
é o que dizem a luz dos nossos olhares…

Foto por Alexander Krivitskiy em Pexels.com

26 / 11 / 2025 / Blogvember / Eu Queria (Só) Perceber O Invislumbrável

… ou eu só queria perceber o invislumbrável…
porque só querer perceber é uma coisa
eu querer (só) perceber é outra
a primeira acho mais fácil é quase como só fosse se exercitar para tal
a segunda é quase um talento refinado adquirido de só perceber o invislumbrável
mais simples dizer que é a capacidade de vislumbrar a simplicidade
ou perceber na simplicidade o deslumbramento que é ser simples
contido reto inteiro perfeito
e eleger apenas o que é belo
assim como é amar o amor eleito…

Participação: Lunna Guedes

24 / 11 / 2025 / Blogvember / Chegou Outra Carta No Quarto De Hora

passava quinze minutos depois da meia-noite a carta
chegou colocada por debaixo da porta do quarto
estava acordado e percebi uma sombra se afastando pelo corredor do hotel
não era a primeira vez e me levantei do sofá a tempo de ver alguém dobrando a esquina
era mais um texto quase indecifrável porque a letra era trêmula e oscilante
não sei qual a pretensão do autor ou autora do texto
mas entendi se tratar de um aviso sobre a minha esposa que ficou em casa
o fato de ser uma carta tradicional deu um tom de coisa solene e grave
feito um drama de novela de amor daqueles com sobressaltos e revelações
de traição e denúncia de amores não correspondidos ciúme e dor
nada disso eu senti
sabia que mariana tinha alguém com quem se reunia nas minhas ausências
por viagem de negócios
eu mesmo deixei de amá-la há algum tempo
mas não tenho ninguém apenas casos avulsos encontros fortuitos
mulheres que são amigas e com quem tenho identificação
mariana de saber aliás ciúme já não há levamos a vida dessa maneira solta
sem ataduras compreensão de nossas faltas e predicados
amigos casados e satisfeitos com a desunião de corpos…

Participação: Lunna Guedes

Foto por Jess Bailey Designs em Pexels.com

13 / 11 / 2025 / Blogvember / Dizemos Com Os Olhos Do Silêncio…

que não é mudez… me expresso pelo olhar a curiosidade em saber
quem é você quem sou eu porque estamos aqui apesar de todas as probabilidades
desse encontro de corpos de presenças de sentenças ditas e não ditas
de histórias pessoais famílias diferentes expectativas e desejos diferenciados
como não nos afastamos por tantas contrariedades idades dificuldades?
amor silencioso e potente
consumado de forma doce e voraz
que sejamos súditos dele e dele nos sirvamos
que sejamos eternos enquanto amamos…

Participação: Lunna Guedes

23 / 09 / 2025 / A Lei Do Ex…

Recém havia completado o meu vigésimo primeiro aniversário, mamãe me chamou para conversar sobre um “assunto importante”. Fiquei na expectativa de que se tratasse de algum problema de saúde e, preocupado, me encaminhei à casa que vivera até pouco tempo antes, onde aprisionei as minhas lembranças mais importantes, estabelecendo uma comunhão de amor e dedicação dos meus pais a mim, filho único e profundamente amado.

Após o delicioso bolo de fubá de Dona Antônia, o café no ponto exato entre amargor e doçura, o que era estranho, já que nunca a vi colocar uma colherzinha sequer de açúcar ou adoçante para não potencializar a Diabetes de meu pai, um fator de risco a mais à sua saúde debilitada pela pressão alta. A mesma que causou a morte do Seu João. Com as mãos trêmulas, minha mãe cumpriu o pedido de meu pai. Perguntei o que era aquilo. Ela respondeu que era uma carta endereçada a mim. E que continha uma revelação. Quase chorando, disse esperar que o choque da missiva não alterasse o meu amor para por eles. Nesse momento, eu me senti impelido quase a não abrir o envelope. Fui em direção ao antigo sofá, roto de tanto que era usado por meu pai e ousei me sentar nele como que se quisesse receber um abraço vindo do Além… Estranhamente, me senti acolhido, como se assim fosse. Aberto o envelope, duas páginas escritas à mão, com a sua letra caprichada, revelou um passado que me fez perceber que águas passadas movem moinhos…

“Alberto,
meu filho querido, caso esteja lendo esta missiva, significa que eu sou apenas uma figura em sua memória. O que estou para lhe revelar poderá alterar a ideia que tem de mim. E de sua mãe. Mas saiba que fizemos o que fizemos porque nós nos amávamos demais. Ela renunciou a uma postura que exigiu sacrifício e que foi talvez menos doloroso porque envolveu alguém que era nosso amigo íntimo. E que um dia já fora bem íntimo dela. Você o conheceu como Tio Vilela. Eu o tinha como se fosse um irmão e mesmo assim, o traí. Não, eu não tive um caso com a Tia Mariana. A traição é que foi ele que acabou por ser estimulado a ‘doar’ o seu espermatozoide para que você nascesse. Ele é o seu verdadeiro pai biológico. Nossa amizade era inquebrantável. Ele conheceu a sua mãe antes de mim. Ao me apresentar como sua namorada, por uma dessas coincidências um tanto bregas, ‘Namoradinha De Um Amigo Meu’, do Roberto Carlos, fazia sucesso em 1966. Quando a sua mãe me viu pela primeira vez, a troca de olhares não passou despercebida pelo Vilela, que não demonstrou uma crise de ciúme explícita. Ele era um poeta, descompromissado da realidade patriarcal em que a mulher pertencia ao homem. Isso, aliado à sua devoção por mim, impediu que terminássemos com uma relação de amizade que começou no antigo Colegial. Ele foi meu protetor quando cheguei na nova escola, vindo de outra cidade, caipira de tudo. Identificou em mim alguém que ainda que fosse ‘frágil’, era corajoso e perspicaz. Parece que apenas eu entendia os seus textos ousados e diferentes de tudo que lia. Quando finalmente li Nelson Rodrigues, encontrei uma correspondência bem similar. Creio que foi dele que você herdou o seu talento de escritor. Depois de dez anos de casamento, conversei com a sua mãe que também o amava como um amigo. Ele jamais havia deixado de amá-la como mulher. Combinamos que eu simulasse uma viagem de negócios fazendo com que ficasse fora de São Paulo. Dizendo se sentir só, ela o chamou para jantarem em casa. Ele ainda não estava casado e sequer namorava a Tia Mariana. Muito carente, se deixou seduzir por sua mãe que escolheu o seu período fértil para que os nossos planos dessem certo. Quando ‘voltei de viagem’, encontrei a sua mãe entre feliz porque sabia que havia engravidado.. Eu sempre ouvira falar desse ‘poder’ feminino. E, de fato, aconteceu a fecundação conforme desejávamos. Mas ela também ficou triste por ter usado o nosso amigo. A notícia da gravidez trouxe felicidade à família toda, incluindo todos os seus avós, ainda vivos à época, paternos e maternos. Assim como também ao Vilela, que dizia se sentir como ‘quase um pai’ do menino que sem nascer já fazia a família sorrir. Talvez até desconfiasse de que fosse o genitor. Se soubesse calcular o dia do encontro em relação às 40 semanas de gestação, teria certeza. Eu nunca contei para ele que eu era infértil. Logo que eu soube disso, imaginei que pudesse usá-lo, sabendo que ainda amava a sua mãe, para que ela tivesse a gestação que sempre sonhou. Nós o traímos, sei disso. Porém, ele esteve sempre próximo a você e vocês tinham uma conexão que eu invejava. Parece que não há como escapar à certas forças. O que é importante é que você ganhou um irmão, o Ricardinho. Sei que vocês são amigos íntimos, gostam de ir juntos ao futebol, torcem pelo mesmo time e acho que sabendo dessa ligação física, se aproximará ainda mais dele. Espero que nos perdoe, meu querido filho, e que consiga reestruturar o seu mundo que acabei por bagunçar.

Desse seu pai ‘espiritual’ que o ama muito,

João.”

O teor da carta me deixou em choque. Fiquei mudo por vários minutos. A minha mãe viu as lágrimas descerem feito cachoeira por meu rosto. Deixei a carta sobre a mesinha de centro, me levantei e sem dizer palavra alguma, saí da minha antiga casa como se eu a desconhecesse. A não ser por alguns lugares como a garagem, em que dei o primeiro beijo em Ricardinho, tudo o mais deixou de significar algo para mim. O meu amor por meu irmão como homem me colocou diante da alternativa entre contar ou não para ele sobre a nossa ligação genética. Pretendíamos declarar o nosso amor brevemente. E acho que faremos, ainda que a minha mãe sofra por causa de nosso parentesco. Por enquanto, serei eu a guardar esse segredo…