… irão todos para a vitrine de exposição póstuma: relíquias os pensamentos os desejos emoções sentimentos ações descritas serão mumificadas talvez percam os sentidos as intenções de quem as escreveram amores perdidos vidas sem testemunhas seguras e secas entre folhas esmaecidas talvez uma flor morta entre as páginas pessoas que morrem por esquecimentos cadernos como túmulos passarão à sessão de histórias ocultas sem serem conhecidas mudas e esquecidas…
Há tempos não encontrava Léo. Eu havia perdido o seu contato por todos os meios possíveis por dois anos. Porém vim a receber um e-mail enviado por ele, dizendo que estaria em São Paulo por esta semana. Ficamos de nos encontrar na Paulista, em frente ao Reserva Cultural e passamos uma cálida tarde deste verão atípico a prosear. Amigo querido da Faculdade de Jornalismo, éramos dois trintões ainda buscando espaço naquela atividade de destino incerto diante das novas plataformas da informação, “cada vez mais pontuada por opiniões pessoais e conspurcada por posicionamentos ideológicos…” — frisei, ao comentar sobre as dificuldades da profissão. “Não foi sempre assim?” — contrapôs Léo. Ele sempre foi muito mais cerebral do que eu e devia ter razão…
De início, perguntei por onde ele havia andado por todo aquele período, ao que me respondeu que foi morar em Santa Catarina. Para explicar porque havia sumido das redes sociais, disse que havia casado… quer dizer, se unido à uma jovem. “Essa circunstância o impediria de se comunicar com os amigos?” – retorqui. Léo baixou enigmaticamente a cabeça, fechou os olhos, os abriu novamente e passou a desfiar a sua história recente.
Em uma viagem que fez para o Sul, disse, conheceu T…. “Era atriz e trabalhou no ‘Hair’…” brincou. Na verdade, T. era uma atriz que ultimamente começava a se tornar conhecida por participar de uma novela global. Inicialmente, lhe dei os parabéns por estar com a bela “tigresa de unhas negras e íris cor de mel”!…
“Meu amigo, foi paixão à primeira vista! Desbundei! Ela também gostou de mim! O fato de ser de outro lugar ou talvez por minha personalidade mais calada, diferente da maioria dos seus amigos de teatro, veio a trazer certo frescor aos relacionamentos que já havia tido. A sua postura agressivamente aberta, inversamente ao que sempre evitei, imediatamente me cativou. Logo, estávamos a fazer planos para o futuro. Uma loucura!”
Conforme Léo depunha, maior era o meu espanto. Aquele não parecia ser o cara que conheci na faculdade, controlado ao extremo. Era um tipo que sempre evitou as possíveis paixões pelas colegas de classe, os namoros gostosamente inconsequentes ou, minimamente, os “amassos” inocentes com as amigas mais próximas. Certamente, T. devia ser alguém muito especial…
Continuou: “Logo, conheci os seus outros namorados…”. Nesse trecho, derrubei a cerveja na mesa. “Fiquei amigo de quase todos, mas um deles se sentiu ameaçado em sua posição de primazia e tinha razão para isso, porque assumi essa referência, como até hoje acontece…”.
Léo olhou para mim com um sorriso de quem sabia que estava a provocar um efeito de singularidade no espaço-tempo. “Com T., apesar de ser mais nova do que eu, aprendi muita coisa sobre o amor (também o físico) que me transformou em outra pessoa. Aquele Léo que você conheceu, eu diria, morreu…
Quase chegava a ouvir a voz de Gal ou a de Caetano: “Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher Que tem muito ódio no coração, que tem dado muito amor Espalhado muito prazer e muita dor…”.
Léo: “Em poucas semanas, estávamos morando juntos. Consegui trabalho no jornal local e, quase ao mesmo tempo, devido ao seu talento (para mim) e à boa sorte que lhe dei (segunda ela), T. obteve um pequeno papel em um filme feito por lá, com produção do Rio de Janeiro. Os produtores e o diretor, o A.W. a adoraram, não somente porque fosse realmente uma bela mulher, mas também, posso garantir, por ser muito talentosa!”.
Ao término da última sentença, eu me senti muito mal por ter passado um pensamento fugidio por minha mente, fruto de puro preconceito, mas nunca o verbalizaria, como não o fiz, diante do amigo…
“A minha relação com a T. foi se aprofundando mais e mais, porque além de amante e um amoroso companheiro (palavras dela), ela sempre respeitou a minha opinião, inclusive sobre o seu processo artístico. Igualmente, passou a estimular o meu desejo de escrever. No ano passado, cheguei a publicar alguns contos em cadernos literários… Quanto ao meu afastamento, foi uma opção pessoal, pois me sentia livre e decidi me desvencilhar dos liames que me prendiam ao antigo eu. Desculpe não ter entrado em contato antes, mas tudo aconteceu tão rapidamente e tudo foi tão impactante que não tive cabeça para mais nada!… Atualmente, passamos a morar no Rio, onde ela está gravando a novela. Esta semana, ficaremos uns três dias em Sampa. Viemos analisar a oferta de sua participação em um filme”.
Tomou um longo gole de cerveja e, como a encerrar o seu relato, disse que estava feliz, amava a sua companheira e que estava atento aos possíveis novos paixões de T. para que ela não se machucasse com pessoas que a quisessem somente usá-la.
Pensei em perguntar outras tantas coisas ao Léo, mas qualquer questão que formulasse talvez o ofendesse de alguma forma. Percebi que não estava preparado para lidar com um assunto tão delicado, sem parecer preconceituoso, e decidi apenas aproveitar a companhia dele que, por amor, transformou a sua visão de mundo, em que a tigresa podia mais do que um leão.
Passamos a conversar sobre antigos colegas e conhecidos, também sobre política, futebol e trabalho. Senti certa vergonha em relatar qualquer coisa que tivesse como tema o amor ou mulheres. Percebi que os meus romances não sobrepujariam em interesse a sua história.
Algo pior estava a assomar — pelo brilho dos olhos do Léo, quando falava de T. — senti que também eu poderia me apaixonar por ela… Ah, como gostaria saber tocar um instrumento…
maria do arouche lembro pouco cor de entardecer em dia fechado babá gostava manipular meu saco era muito novo ainda conectado com vida antes de chegar ao útero via fantasmas nos corredores andava parapeitos namorava amiga morte chama cama de estrelas meu avô logo cortou nosso laço engatei com maria da penha cresci em liberdade peripécias fazia tudo que queria sem compromisso apenas gozo não me importava mas amava parece outra vida deixei porque fui para longe bárbara encontrei fiquei anos achei nunca terminaria paixão bater bolas contra a bunda na parede na cama no chão sonhava era santa eu gritava entusiasmo feito gol comi duas mesmo lugar épocas diferentes não se conheceram provaram minha torpeza primeira nunca disse amor segunda entreguei ao melhor amigo altíssima alternativa cabelo à la garçon conheci maria tenente olhos verdes amedrontavam nunca toquei sequer abraço somente olhares lenço sujo sangue ideal ilusão perfeição eternidade somente entregou irrealização nunca esqueci sempre amarei era bonito atraía sem esforço fiquei com duas anas a santificada bem mais tempo servia a muitos depois que deixei ainda trepei muitos anos muitas vezes outra ana loura sonhadora disse gostava de mim sou de ninguém de alguém sequer pertenço a mim vivo apaixonado maria maria noiva meu amigo usei muito a língua toques debaixo da mesa deus ausente como navio negreiro biologia estudo profundo casou la bergman foi intenso durou verões veros versos não comunicados alcancei seu corpo debaixo avental desilusão me jogou fora entulho removeu tati e amiga quis as duas na mesma casa não lembro tanque velho nos fundos bebi demais vomitei desmaiei eternas amigas refez história brilhou minha vida pintura de mulher ensinou nova posição bicicleta outra noiva nunca a beijei 30 anos passados vi passar não a chamei augusta andrógina cheia altos baixos travesti do centro aos jardins comi da boca a bunda noites infindas vitória era inocente puta jacaré cocou 7 vezes não pagou vamos fazer neném? paguei sempre às vezes só olhava efigênia irmã mais rodada velha não envelhecida elixir da juventude atual virtual presencial dá a todos os gostos versátil sempre que posso como sem proteção maria antônia antônimo passado conturbado duas caras que se antepunham hoje vive calmaria comi atrás em palco plateia teatro verediana angélica cecília amores livres simultâneas especiais brigava com uma encontrava com outra consolação agitadas corcoveavam suava para satisfazer queria ser notado elas não se importavam tinham quem quisessem quando queriam estranho estrangeira maria paulista ama sem identificar despreza sem qualificar retilínea beleza sem cor amo desamo volto a amar amante inconstante ferina amável indigna perfeita anomalia amante infiel amo fielmente a sem nome aprendi amar foder amar trepar amar lamber amar bater amar puxar amar chupar amar rápido amar lento amar alento amar beber amar comer amar orar amar chorar amar sorrir amar gritar amar brigar amar voltar sem voltar amar amantes de hotéis baratos abençoados por santos centrais laterais três corações zardoz córregos regos monte carlo sempre haverá são francisco finalmente total sentido sem chance nascer outra vez eterna paixão que se fez sagrada porque acabou.
sei que sou mortal morrerei um dia mas há coisas que são imortais enquanto vivos viveremos de saudade e desejos de alcançar e perseverar passeios no vazio nos encontros e eventuais reencontros ainda que nunca tenhamos nos ausentado as lembranças sem nunca serem olvidadas vontade de retornar aos âmagos animados há momentos que não morrerão imagino que gravados na consciência universal um repertório infinito de dores e amores vivências de alegrias e tristezas grandiosidades e miudezas sonhos tudo recolhido e espargido pelas galáxias mundos e sistemas solares milhões de vezes reproduzidas em quem ama submergido nos genes das humanidades universais nesta terra que se desfigura em cada estação em cada canto esquinas bares casas casebres mansões peitos corações em cada canto dolorido doloroso em cada nota das flores que emitem mensagens sonoras inaudíveis apenas para os insensíveis o que tenho certeza é que o amor sobreviverá marcado pelos átomos dispersos do planeta destruído abarcado pela explosão do sol daqui a muitas idades caminhantes pelos universos embalados pela saudade…