Guerreiro*

Imagem montada, mas impossível?

Um amigo, Marcelo Porto, fez uma colagem com a minha foto do perfil do Facebook, em que me coloca vestido com um uniforme de soldado, armado até os dentes. Era uma brincadeira entre amigos, mas aquela imagem me deixou pensando sobre a circunstância em que eu, um antibelicista, poderia pegar em armas para lutar por alguma causa ou se haveria uma guerra justa em que poderia matar meu adversário por ele representar algo no qual eu não acreditasse como modelo de vida.

No Instagram, postei a foto com os seguintes dizeres: “Existe guerra justa, na qual enfrentamos o inimigo com um sorriso no rosto?”… Evidentemente, quase todos os relatos em que alguém luta em qualquer guerra, a sensação de perda, mesmo quando acredita na causa, surge em algum momento. Afinal, precisamos anular a humanidade do adversário para poder continuar lutando. Nesse processo, anulamos o nosso próprio sentimento de superioridade. Poucos se comprazem em matar por matar, torturar por torturar, queimar casas, campos cultivados e jardins com o frisson de um ato sexual ou sentimento de enlevação. Essas pessoas são até “preciosas” em um confronto de campo pelo estrago que faz ao inimigo.

Alguns países cresceram quando voltaram a sua produção para a máquina de guerra e exemplos não faltam na História. Já se disse que o nacionalismo é o refúgio do canalha e muitos dos governantes dessas nações utilizaram o subterfúgio do nacionalismo para invadir outras nações e cometer as maiores atrocidades possíveis. Em muitos desses casos, abraçamos a causa por nossa família, nossos vizinhos, nosso estilo de vida, mesmo sem aceitá-lo como o ideal.

Quando criança brincava de luta entre índio e cowboy e sempre preferia adotar o arco e flecha em oposição ao rifle e ao revólver – todos imaginários. Questão de simpatia pelo mais fraco em termos de armamento. Mais tarde, percebi que na Antiguidade, sem a preponderância de armas de fogo, um soldado bem-preparado poderia valer até por três ou quatro opositores, fazendo com que prevalecesse a qualidade sobre a quantidade, como na Batalha de Maratona, em 490 a.C., em que os Gregos venceram os Persas na proporção de 10 por 1, contra.

Na Segunda Guerra Mundial, ficou claro que se o Nazi-Fascismo a vencesse se instalaria um tempo de terror inigualável em todo o mundo. No entanto, seria aquela uma guerra justa a ser lutada? Perguntado sobre isso, se o preceito da não-violência que propalava venceria Hitler e seus seguidores, Ghandi, um dos meus inspiradores, disse que sim, venceria, mas não sem muita morte e sofrimento. No entanto, ciente de todo o horror que gerava, eu, um antibelicista, pegaria em armas para derrotar um inimigo tão atroz. Nesse caso, essa montagem faria sentido…

*Texto de 2013

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Calendário Particular

Para além das efemérides coletivas, feriados que ensejam finais de semana prolongados — vivemos atualmente um bem longo — nossa vida acontece individualmente, envolvendo circunstâncias de grande importância particular, mas que para o mundo quase nada representa, a não ser que o anunciemos de alguma forma nas redes sociais ou outro meio. Isso poderá causar algum tipo de impacto para alguns poucos, muitos ou ninguém, o que apenas reafirma nossa particular pequenez. A não ser que, como eu, os considere como marcos da estrada que percorro. Se são de granito — como os antigos — ou feitos por pedaços de pão, eventualmente devorados pelos pássaros, só o tempo dirá… enquanto o tempo “existir”.

Janeiro II
“O Beijo Eterno” e a Igreja e Convento de São Francisco, adiante à esquerda

Janeiro. No dia desse registro, voltava de ônibus bem cedo vindo da Zona Sul. Cheguei ao Centrão para pegar outro ônibus para a Cachoeirinha. Caminhava em direção ao Convento Franciscano, intrinsecamente ligado a minha história. Era a primeira hora naturalmente iluminada do dia e a cidade despertava.  As pessoas começavam a circular ou nem tanto. Abaixo da marquise de entrada da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, deserdados dormiam a sono solto. Em frente a ela, passei pelo “O Beijo Eterno” ou “Idílio”, em homenagem ao poema homônimo e ao seu autor, o poeta Olavo Bilac, ídolo nacionalista dos estudantes da faculdade no início do século XX. Esculpida pelo sueco William Zadig, em 1920, sofreu uma campanha de ódio nos Anos 60, levada adiante por conservadores que a consideravam sem valor estético. Porém, outras questões ganhavam relevância: se tratava de um beijo inter-racial — entre uma índia e um branco — inteiramente nus. A mesma indignação patrocinada por “novos” conservadores, quase 60 anos depois, pela aparição de um beijo gay numa revista em quadrinhos. Ah… as voltas que o mundo dá…

Fevereiro III
Participação de ETs no Carnaval de 2020

Fevereiro. Ocorrido no final do mês, o Carnaval, no qual trabalhei como prestador de serviços de som e luz, se desenrolou já com as notícias sobre o contágio da Covid-19 para além das fronteiras da China, chegando com força a alguns países da Europa, como Grã Bretanha, França, Espanha e Itália. A chamada pandemia aparentemente não foi levada a sério e alguns deles não tomaram as medidas restritivas preconizadas para conter o novo coronavírus. O número de mortos subia dia a dia, encontrando a União Européia na contra-mão. Enquanto isso, no continente americano de Estados Unidos e Brasil, a vida continuava sua rotina despreocupada, incrivelmente a negar que a doença pudesse atravessar o Atlântico ou o Pacífico. Em comum entre os dois países, governantes da mesma cepa virulenta do fascismo talvez se vissem a salvo por conta de algum tipo de messianismo ou apenas priorizavam a visão do lucro financeiro, não importando as vidas em jogo. Até o povão se sentia imune, dizendo se tratar de uma doença de rico. Começou realmente com quem podia viajar para o exterior, mas hoje a população mais pobre é a que sofre as maiores perdas. Ainda estou esperando a chegada dos ETs…

Março I
Sol, mar e máscara em Março

Março. Mês de mar e amor. Amor pelo sol e pelo mar. Amor por amar. O Brasil contava os seus primeiros mortos, iniciado com a primeira vítima no dia 17 e eu sabia que as minhas mini-férias poderiam se prolongar se as medidas mais rígidas começassem a ser implementadas. Contrário à orientação da presidência da República, os governadores decidiram tomar providências mais sérias. Estava na Praia Grande há pouco tempo e talvez tenha tido apenas uns cinco dias antes que fosse proibido pisar na areia e nadar no mar. O meu caso com as ondas e a salinidade é algo que me define. Sou água, apesar de meu signo ser do ar. Os eventos programados para o mês foram cancelados, por conta do fechamento de clubes, buffets e restaurantes, entre outros espaços de festas e confraternização. Foi implementado o uso de máscaras em público e o distanciamento social. Fiquei totalmente isolado por três semanas. Havia barreiras sanitárias que impediam a descida ou subida de ônibus de viagem e carros de fora. Não fosse a pandemia e seu teor infeccioso, eu estaria muito bem. A solidão era uma companheira antiga e íntima.

Abril II
Baile de máscaras

Abril. Mês que apresenta efemérides como a do dia 21, de Tiradentes — Joaquim José da Silva Xavier — eleito herói por ter pretendido a separação de Portugal, pagando com a própria morte. A do dia 22, do Descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral que, na verdade, denuncia a data da invasão de Pindorama pelos portugueses. Foi re-significada com a reunião ministerial que foi divulgada tempos depois — a descoberta do verdadeiro Brasil. Dia 10, foi Sexta-Feira Santa, um final de semana prolongado, muito ansiado pelos trabalhadores para escaparem às montanhas, às praias e aos campos, se o isolamento social não transformasse todos os dias em domingos em casa. Uma página de negócios chegou a fazer uma matéria que frisava: “Os feriados de 2020 podem representar uma ameaça ou oportunidade para o seu negócio — tudo depende da sua capacidade de planejamento. Este ano, especialmente, teremos nove feriados prolongados — quase o dobro de 2019″. Não coloco aqui a fonte para não desmerecê-la. A bem da verdade, a não ser os cientistas sanitaristas, poucos acreditavam no que viria a acontecer. Para mim, está claro — até hoje e desde então — nunca mais saímos do dia 1º de Abril.

Maio I
Pão, pão, beijo, beijo

Maio. Mês de ficar resolutamente em casa. E dá-lhe fazer pão, inventar receitas, experimentar novos pratos. Ou deixar de acordar ou dormir em horários fixos. Dias de alternar rotinas, conversar à distância com pessoas que sequer conversávamos presencialmente e, no meu caso, escrever muito. Ler os livros que não tinha tempo, apagar a lista de eventos dos meses que viriam. A não ser um, em agosto — uma moça que não abriu mão de casar — mesmo com todas as restrições que permearão as atividades no setor de eventos. Iniciei uma rotina de exercícios que alternavam ciclismo (apenas na Praia Grande, em horários alternativos) e circuitos de caminhada em casa, com passagens por escadas, além de uso de pesos feitos com vasilhames de alças, cheias de água. No mais, seguimos caminhando como se estivéssemos no escuro, tateando as paredes, tentando não darmos uma topada numa pedra ou batermos a cabeça numa quina. Pessoalmente, não sei se por clarividência ou puro pessimismo, não via a luz no fim do túnel.

Junho
Mês das reticências…

Junho. Mês da conformação, último do semestre. Mês de estabelecer definitivamente as regras do “novo normal” — locução que significa apena isso mesmo. Porque há pessoas que não se conformam. Brincam com as possibilidades expressas em porcentagens, transformadas no jogo do “talvez, sim, talvez, não”. Um outro nível de negação, jogado em fases de perigos maiores ou menores. Bares reabertos lotados, festas clandestinas saudadas como a última chance de ser feliz, roletas russas em que as armas são as próprias pessoas  — seres que respiram o mesmo ar, sem máscara. Mês da nuvem de gafanhotos, insetos que ameaçavam as nossas fronteiras em contraponto aos gafanhotos humanos que assolam o Brasil desde sempre. Mês das reticências… como as que aparecem na foto acima, surgidas inadvertidamente. Mês de quem viver, verá…

Alê Helga— Darlene ReginaLunna Guedes

Isabelle Brum — Mariana Gouveia

45 Anos Atrasado

45
Em 2013

Em um final de semana de setembro de 2013, fui assistir à peça “Zucco” no Teatro da USP, no edifício da Rua Maria Antônia. A trama era centrada na história real de Roberto Succo, “serial killer” italiano que nos anos 80 matou seus pais, cometeu outros crimes e assassinatos, causou pânico e admiração na Europa e foi considerado inimigo público número um na Itália, França e Suíça. As relações entre o indivíduo e a sociedade, a violência, a solidão e a marginalidade contrastavam com os limites de nossas formas de convívio. Os jovens atores de “Zucco”, talvez não soubessem que a liberdade com que interpretaram seus personagens foi resultado de uma luta de várias gerações.

O prédio que abrigava o teatro foi palco de um acontecimento emblemático de nossa História. Lá, nos Anos 60 sediava o curso de Filosofia, da Universidade de São Paulo, antes de se transferir para o nicho na Cidade Universitária, no prédio que estão estabelecidos os cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Foi na rua em frente a esse edifício que se deu uma das mais graves colisões entre a esquerda estudantil, representada por seus alunos e pelos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que fica em frente, à época alinhados com o regime militar. Esse episódio foi mais um dos muitos daquele distante 1968, ano divisor de águas, que veio a influir definitivamente nos rumos que o Brasil trilharia a partir dali.

Mesmo com sete anos de idade, pude sentir de perto os reflexos da luta ideológica travada à vista de muitos e pelos “bastidores” e porões do governo. Meu pai estava alinhado ao lado dos “oprimidos” que tencionavam pegar em armas para combater o “Regime de Exceção”, nome poético para designar um governo que “prendia e arrebentava”. Ele foi várias vezes chamado para “interrogatórios” – eventos que duravam algumas semanas. À época, restava a quem se opusesse, além da revolta armada ou protestos públicos, a outra alternativa que se colocava ao cidadãos do País – “Ame-o Ou Deixe-o”. Desde então, com a Abertura, alcançamos a liberdade de expressão, a volta dos exilados, a reintegração destes à vida política da nação, o que deu ensejo a que muitos fossem eleitos para cargos de comando e…

Atualmente, os caminhos dos “combatentes” de esquerda e os “defensores” da direita se confundem em um jogo de palavras que mais se assemelham a peças de propaganda, sem nenhum embasamento em um saudável embate ideológico que vise a real solução para os problemas nacionais. Antes, transformou-se em uma luta pelo poder que visa quase que unicamente a sustentação de um sistema de compadrio entre os ocupantes dos diversos cargos do executivo, legislativo e judiciário. Nesse ambiente, os extremistas de ambas as vertentes se sentem à vontade para embrenharem-se com prazer na extinção da Democracia, entrave para quem não acredita que ela seja o meio mais justo para chegarmos à solução de nossas diferenças.

Cheguei atrasado ou atrasou-se o País?…