Projeto Fotográfico 6 On 6 / Urban Art / Arte Na Pólis

 

a5 - trem (4)
Grafite em Campinas

É comum ouvirmos notícias de descobertas de afrescos em paredes de ruínas nas cidades históricas da Europa, como Pompéia, por exemplo – “congelada” no tempo pelo fogo, cinza vulcânica e lava do Vesúvio – em 79 D.C. Nesses afrescos, temos provas figurativas da vida intensa da cidade, interrompida e, no entanto eternizada-petrificada para sempre. Se acontecesse uma hecatombe que paralisasse nossas cidades num átimo, que histórias poderiam ser contadas pelos arqueólogos do Futuro através de nossa arte urbana? Seria tão rica em significados quanto apresenta a cidade italiana? A vontade de fazer de arte, ainda que com função utilitária, é um dos mais fortes pendores humanos. A vida real não basta. Desejamos recriá-la de diversas formas. A “pulsão” pela expressão é uma das características que nos distingue das outras espécies animais. As pinturas rupestres de quase quarenta mil anos são provas cabais disso.

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Estação Júlio Prestes

Eu acho incrível quando são criados espaços para expressões artísticas à partir de outros construídos para propósitos diferentes. Na imagem acima, à direita observa-se a torre da Estação Júlio Prestes, projetada para servir ao embarque e desembarque de passageiros de trens, em uma época que as estações ferroviárias equivaliam aos aeroportos atuais. Atualmente, boa parte do edifício é ocupado por uma maravilhosa estrutura para concertos de música clássica, com uma sala (São Paulo) que apresenta uma das melhores acústicas do mundo. Na imagem seguinte, a parede de um de seus grandes halls, que apresenta um belo vitral – arte à serviço do utilitário – a exprimir a sensibilidade de seres para os quais não basta a praticidade de deixar passar a claridade externa. Haverá sempre o desejo de requalificar a luz…

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Cavalo Rampante

A imagem acima é a do Cavalo Rampante, escultura do artista italiano Pericle Fazzini. Doada pelo Governo Italiano em 1974, fica em frente ao Edifício Itália, cujo o nome oficial é Circolo Italiano. A própria edificação, de linhas circulares, é uma obra de arte arquitetônica. Situada na esquina da Avenida Ipiranga e São Luiz, diante da Praça da República, perto do Copan, compõe um conjunto arquitetônico simbólico do poder econômico de uma cidade que se projetava como a capital financeira do País no Pós-Guerra. Naquela ocasião, formavam o chamado Centro Novo, hoje conhecido como Centro Velho ou Centrão, a referendar o quanto esta cidade devora a si mesmo.

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Linguagem dos espelhos

O centro da cidade foi se deslocando gradativamente para a região da Avenida Paulista, principalmente à partir dos Anos 70. Na antiga passarela de carroças puxadas a cavalo do início do Século XX, de grandes casarões pertencentes aos Barões de Café, depois demolidos, surgiram altas torres de aço e vidro, que tomaram conta do cenário. É comum esses edifícios se olharem frente a frente, dialogando em uma língua espelhar que transforma seu significado a cada olhar e posicionamento, tal qual na arte cinética.

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Os Michaels

A arte urbana não se manifesta somente através das artes plásticas, mas também por meio de outras expressões – dança, música e teatro – em todas as horas do dia, principalmente aos finais de semana. São Paulo revela seus personagens-atores-bailarinos-cantores a cada esquina ou calçadão. O público passante homenageia os artistas doando seu tempo – o bem mais precioso do paulistano – que está sempre na correria desenfreada na busca de sua sobrevivência. A contrapartida em dinheiro será sempre vinda para aqueles que se expõem ao olhar crítico dos consumidores de cultura.

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Trio de Forró

Na região do Limão, encontra-se um espaço destinado a shows e outras manifestações artísticas típicas do Nordeste – culinária, artesanato e música – bastante frequentado por parte da população bastante influente no crescimento de São Paulo, através de sua cultura e força de trabalho – o Centro de Tradições Nordestinas. Junto à entrada, foi erguido um conjunto de esculturas homenageando o artesanato típico nordestino, ao mesmo que se refere a formação típica do Trio de Forró – músicos com acordeão, zabumba e triângulo. Creio que a influência do povo nordestino seja pouco mencionada, mas é de suma importância de várias maneiras, principalmente no aspecto humano. São Paulo detém a maior população nordestina fora do Nordeste. Não duvide se descobrir que os melhores sushimen ou pizzaiolos sejam nordestinos, por exemplo.

 

Participam dessa interação:

Maria Vitória | Mariana Gouveia | Lunna Guedes

 

 

 

 

 

Esteira do Tempo

Esteira do Tempo
Esteira rolante da Linha Amarelado Metrô de São Paulo*

Aconteceu pela primeira vez há alguns meses, numa sexta-feira. Enquanto caminhava, como todos os dias, pela esteira rolante em direção à Linha Amarela, pareceu que se ausentou por alguns segundos. Quando voltou a si, via a mesma pessoa que vira antes do apagão a se deslocar no sentido inverso. Teve uma visão, de um outro lugar. Talvez conhecido, não lembrava de onde. Um platô, um grande vale abaixo, com construções que se apequenavam á distância, ao fundo. Do outro lado, uma grande várzea que se espraiava a perder de vista.

Apesar de instantânea, foi muita intensa a sensação de deslocamento. Sugeria não apenas outro lugar, mas outro tempo. Cheiro de mato e flores, sons naturais – vento, água, canto de pássaros e coaxar de sapos. Passou o final de semana a esperar que voltasse a repetir a experiência na segunda-feira. Era um desejo novo, a substituir a rotina desgastante e que encarava com a impaciência de caminhos obstruídos.

Na segunda, de manhã, ao passar pela esteira, se frustrou por não se deslocar para “lá…”. Um tanto decepcionado, chegou ao edifício onde trabalhava, na Paulista. Lembrou-se quando, menino, presenciou uma rápida chuva de meteoritos – episódio que nunca mais se repetiu – um sentimento de conexão com o Universo.

Ao final do expediente, ao percorrer o mesmo trajeto, voltou a viajar. Uma sensação mais duradoura. A mesma visão, com maior número de detalhes. Percebeu a região da Paulista, sem construções, totalmente desabitada, pássaros a voar em bandos. No fundo do vale, na atual região do Centro, se deparou com a São Paulo nascente, reflexos do sol nos sinos das cúpulas das igrejas. Ao voltar, sentiu-se tão bem…

A cada deslocamento, conseguia chegar cada vez mais perto do aglomerado de casas e ruas. Evitava conversar com as pessoas que encontrava para não intervir naquela realidade. Cria que não o vissem, até que uma delas o saudou. Pesquisou sobre as vestimentas e a arquitetura, a cada retorno. Meados do Século XIX. Uma cidade tipicamente interiorana. Sensação cada vez forte de pertencimento, como um filho no ventre de sua mãe.

Era dramática a diferença entre o conjunto de ruas estreitas que percorria – horizontes abertos contra a imensidão das sucessivas avenidas – pelas quais se deslocava-preso à ônibus ou carros. O relacionamento entre as gentes parecia fluir de maneira natural, apesar das diferenças sociais. O ar, limpo, carregava um cheiro de esperança e mudança.

Tomou a decisão de mudar de tempo, definitivamente. Tudo sugeria que o deslocamento se dava por desejo pessoal. Porém, São Paulo não quis. Tanto quanto como quando começou, deixou de ter as visões-viagens-presenças. Desaparecido do outro lado, especulou que tenham imaginado que o estranho visitante tenha rumado à outras paragens. Restou-lhe a dor de perder uma cidade inteira nas esteiras rolantes da Linha Amarela.

*Foto in: http://viatrolebus.com.br/2013/10/ligacao-entre-estacoes-paulista-e-consolacao-ganhara-novo-tunel/