Projeto Fotográfico 6 On 6 / Natureza Na Urbe

Em São Paulo, mais e mais há menos espaço e chão para que as árvores cresçam. Apenas elas não são necessariamente expressão vivaz da vida natural. Muitas nem são típicas do Brasil. Chegaram por aqui trazidas por paisagistas, por serem justamente diferentes, atraentes aos olhos, mas não benéficas ao nosso bioma, podendo se tornarem endêmicas. Ainda assim, é possível que borboletas, insetos e consequentemente pássaros habitem os seus galhos protegidos por suas folhas.

De qualquer forma, o verde insiste em se intrometer entre pontes, prédios, ilhas de avenidas e casas com quintais, modelo de moradias cada vez em menor quantidade, devoradas pela especulação imobiliária que ergue edifícios em bairros que acabam por perder o ar bucólico de antigas eras.

Não mais cadeiras em frente às casas em noites quentes, não mais a reunião de amigos em bares de esquina, não mais as vendinhas de secos e molhados, não mais o fechamento de ruas em datas comemorativas e Copas do Mundo. Somente o movimento de carros dirigidos por pessoas que circulam de um ambiente fechado para outro.

Esta grande, frondosa e bela árvore encontrei em um condomínio de prédios na região de Interlagos. De certa forma, esses locais conseguem manter um paisagismo que abriga uma boa área verde. Obviamente, devido ao alto custo desses empreendimentos, não é uma solução de moradia popular, mesmo porque é um estilo de vida que preza por ser idealmente exclusivista, para poucos.

É comum encontrarmos nas nas fronteiras do conjunto de edifícios que formam a zona centra de Sampa, ilhas arborizadas que quebram um pouco a monotonia das linhas retas características dessas formações humanas. Neste período seco, o marrom avermelhado se entremeia ao verde cansado, casando com as cores esmaecidas dos grafites.

Este registro de minha Periferia, na Zona Norte, mostra um dia de nebulosidade incomum, a ponto da Tânia dizer que apenas se lembrava de paisagem parecida quando chegou a São Paulo, há 35 anos, “vinda de um sonho feliz de cidade”. Eu, morador desde os 8 anos na região, vi e vivi muitos desses horizontes próximos. O tom cinza deu ao registro um toque de foto PB.

É uma rota frequente em minhas atividades profissionais atravessar a cidade de Norte a Sul. O trajeto passa pelo Centro através do Túnel Tom Jobim que passa abaixo da Praça do Correio que comporta em uma parte um terminal de ônibus e outra uma praça com árvores de médio porte. Antes, há o icônico Viaduto Santa Ephigênia que sai da Praça do Mosteiro de São Bento e vai até a Igreja de Santa Ephigênia que, enquanto estava sendo erguida a Catedral da Sé, se tornou a sede católica momentânea da Metrópole.

As intervenções humanas na cidade tem na Avenida Paulista é o seu ápice. No alto daquela elevação plana, passou a História da riqueza e o apogeu da elite paulista. Moradia exclusiva dos fazendeiros de café que quiseram tornar São Paulo uma Paris em solo sul-americano. Após a Segunda Guerra, a influência Estados Unidos na arquitetura urbana paulistana foi decisiva. Os antigos casarões foram dando lugar a nova visão de colossos de concreto e vidro. A mais paulista das avenidas foi vítima dessa transformação. Neste registro, um dos últimos exemplares das construções do primeiro terço do Século XX que resistem em pé — como o Palacete Franco de Melo — o qual já adentrei uns 20 anos antes. Em seu amplo jardim, árvores remanescentes da antiga Mata Atlântica, com dezenas de anos de vida, assim como os exemplares do Parque Trianon, próximo dali.

Por fim, volto a visão para o meu quintal. Entre as várias árvores frutíferas, está crescendo um mamoeiro. Infelizmente, a nossa velha goiabeira secou, atacada por formigas. Mas preservamos uma jabuticabeira, uma mexeriqueira, dois tipos de limoeiros, uma pequena árvore de araçá, outra de amora, algumas hortaliças e dois tipos de bananeiras — prata e nanica — que fazem florescer seus corações o ano todo.

Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins

Tarde

Sob o céu que nos protege, momento de relembrar, antes à tarde do que nunca, que tudo é arte – a vida e a morte.

Semana estranha
pari das entranhas sonhos terríveis.
Febril
caminhei entre nuvens tardias
e céus amanhecidos.
Árvores passavam céleres por mim
enquanto eu permanecia preso aos grilhões
da minha musculatura esquelética
perfurada por milhões de micro agulhas
da espessura dos pelos dos braços
longos como os cabelos da amada.
Arrastando-me, cheguei até aqui…
Cumpre continuar a jornada
mesmo cansado, sobreviver
mas com um olhar terno
sobre o viver
enquanto a tarde cumpre seu estirão
até o final do dia…

Duas Faces*

Trabalho em eventos. Sou locador e operador de equipamentos de som e luz para bandas e, eventualmente, sou tocador de música mecânica. Não confundir com DJ, que considero uma atividade que envolve o estudo de processos interativos entre as músicas, a transição bem feita entre os andamentos e os temas, além da produção de “tracks”, quando o profissional conhece melhor o trabalho pelo lado da sua construção. Semelhantemente àquele que trabalha na composição de quadros sonoros, trabalho sobre a canção invisível que ouvimos quando uma paisagem se apresenta diante de nossos olhos. Eu me expresso no coletivo, mas percebo que não sou acompanhado por tantos assim. Poucos são os que presenciam harmonia no caos ou fortes rumores de vida na calma visão de um panorama natural. Trabalhei neste final de semana em dois lugares diferentes por dois dias seguidos. O primeiro local, foi em uma sala no 16º andar de um prédio na região da Avenida Paulista, símbolo da expressão do que é esta cidade. Há menos fotos dessa primeira sessão em relação à segunda, porque creio que se tornaria uma “batida” repetitiva e sem nuances, já que estava cercado por todos os lados pelo mesmo diapasão. O segundo, foi na região da Represa Guarapiranga, na extrema Zona Sul, que não parece, mais ainda é São Paulo — seu perfil campestre. Uma de suas faces, de muitas. Pelo caminho e já no lugar, qualquer detalhe me chamava mais atenção do que o apelo urbano me causava. Em cima desses dois temas, espero que apreciem a música visual que estou a tocar.

Região da Avenida Paulista

Pela janela, cercado de cimento e vidro. Ouço conversas de janelas para janelas.

Abóboda no teto do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista
Região da Avenida Paulista

Vista da torre de uma igreja, em meio aos prédios. E, ao longe, à direita, o antigo Banespão, no Centro Velho ou Centrão.

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Ainda manhã, na transição entre o escuro da noite e a claridade do dia que se anunciava, estava a caminho do lugar onde trabalharia mais tarde.

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Estrada, árvores e cerquinha branca…

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Já clareando o dia, a neblina deu a nota neste tema.

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

A luz do dia a “nascer” e o sol a parecer brincar de esconde-esconde com o observador…

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Finalmente, o astro-rei se elevou esplendoroso dentre o arvoredo. No entanto, isso é tudo ilusão. Na verdade, o Sol é apenas uma pequena estrela na Via Láctea e é a Terra que se desloca pelo espaço, enquanto gira sobre si mesma. Porém, a canção que ouvimos é bela e queremos ser envolvidos por seu andamento.

*Texto de 2015

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Através Da Minha Janela, Eu Vejo…

São muitas as janelas pelas quais enquadramos o nosso olhar. A depender de onde estejamos, as paisagens mudam. Atualmente, vivemos o isolamento social provocado pela Pandemia de Covid-19. Os cenários são quase sempre os mesmos. O ano de 2020 vai pelo meio e é como se estivéssemos em compasso de espera para um novo tempo… ou não. Voltaremos a ser os mesmos? Nós nos comportaremos como se nada tivesse ocorrido ou mudaremos nosso relacionamento social? Por qual enquadramento veremos a “nova” realidade?

Janela A

… um urubu!

Da casa da minha irmã, a oeste, um urubu pousou no telhado da vizinha. Seria mau agouro ou apenas uma parada para descansar de seu majestoso voo? A ave feiosa e de má fama, apenas por ser a lixeira da Natureza, quando alça voo e plana, ganha nobreza, acima das sujeiras humanas.

Janela B

… a Bethânia.

Essa companheira de forte personalidade de quatro patas dorme dentro de casa, mas costumeiramente a coloco para fora a fim de tomar o fraco sol de outono. Ao abrir a janela do meu quarto, lá está a Bethânia a observar atenta aos meus movimentos. Espera que eu a chame de volta, apenas para pedir para sair novamente a qualquer som de movimento na rua. Então, a bisbilhoteira só quer correr e emitir irritantes e poderosos latidos, algo inesperado para um ser tão pequeno.

Janela C

… o sol tímido de outono.

Pela janela da cozinha, observo luz cada vez mais inclinada indica que o outono avança apesar de permanecermos estanques. Nossas folhas pessoais caem pelo chão a cada pequeno passo em pequenos espaços aos quais estamos confinados. Se bem que não possa reclamar. Tenho muito mais metros a meu dispor do que muitos. Minha prisão está acompanhada de pássaros nas árvores, borboletas e pipas, empinados pelos meninos em férias eternas.

Janela D

… o rio do passado.

A saudade é um rio. Caminho permanente, de águas passageiras. Pode ser uma imagem em preto e branco. Pode ser colorida ou furta-cor. A imagem acima foi de um rio que passou muitas vezes em minha vida, na ida ou na volta do trabalho ̶ o Tietê. Na ocasião, o sol se levantava a leste, a direita de quem se dirige para a periferia da Zona Norte, onde eu moro. Há meses que não exerço a minha atividade. Provavelmente, por atuar na área de eventos festivos, motivo de aglomeração, serei um dos últimos a voltar a trabalhar.

Janela E

… sombras fracionadas.

Pombas arrulham e a luz do sol inclinado faz assomar suas sombras. Alinhadas no telhado da casa de praia, esperam os cães se afastarem para capturarem a comida dos atentos Fred e do Marley no comedouro. Logo, batem asas, investem, refreiam, arremetem. Não será dessa vez. O vidro canaleta da janela do banheiro torna tudo um jogo fracionado, como se fosse um quebra-cabeças de peças soltas. A imaginação inteira voa.

Janela G

… o nada.

No quarto de hóspedes, onde guardava meus equipamentos de trabalho, há uma janela peculiar. É a única janela térrea em nossa casa que não tem uma grade de proteção. Não podemos deixá-la impunemente aberta, ainda que resida em uma rua tranquila. Devemos pensar como o ladrão. No entanto, a visão direta dá de frente para a parede de outra construção. Areja, mas não faz o olhar divagar. A não ser que projetemos sobre ela nossa visão particular ̶ da memória, dos sonhos, da imaginação, do esquecimento ̶ transgressão ou morte.

Participam desta edição de 6 On 6:
Ale Helga — Lucas Buchinger —  Mariana Gouveia Lunna Guedes