BEDA / Assediados E Assediadores*

Poderia não comentar, mas não há como ficar isento nessa questão de assédio que tomou conta de nossas conversas deste ontem. Como sabe quem me conhece, tenho três filhas. Sempre tomei o máximo cuidado para não passar preceitos machistas, apesar de brincar com as possibilidades com a questão do sexismo. A Tânia, como muitos também sabem, é uma mulher ativa e consciente. Igualmente, mostrou através de seu exemplo, o quanto uma mulher pode se colocar como profissional e cidadã independente em nossa Sociedade que é, em vários aspectos, retrógrada.

É no âmbito familiar que vemos surgir o comportamento ultrapassado e incongruente do homem brasileiro que crê que a mulher está ali para servi-lo em todas as instâncias. No caso da moça que denunciou o caso de assédio de José Mayer sobre ela, Susllem Tonani, muitos especulam sobre a demora da denúncia. Na minha opinião, se deveu por vários motivos — a posição de poder do assediador em questão, a dúvida que surge entre o elogio puro e simples e a ação do avanço realizado, até o episódio que culminou com a decisão de levar adiante o caso, quando foi agredida verbalmente diante de colegas de trabalho — equipe técnica e outros atores.

O fato dela ter colocado a situação de forma aberta através da mídia eletrônica talvez tenha sido o recurso que encontrou porque, provavelmente, essa situação não é inédita. Ou somos ingênuos em acreditar que tenha sido o primeiro caso de assédio no âmbito de trabalho global e outros? Trabalho no meio e sei que o assédio não se dá apenas em uma direção, mas de forma inversa também, bem como de homens sobre homens e de mulheres sobre mulheres.

Então, vemos ultrapassar a situação de assédio sexista como o assédio que acontece por derivação de posições de influência — o moral —, que é, infelizmente, muito comum no ambiente de trabalho e, obviamente, familiar, na Sociedade brasileira. Dessa forma, devemos todos rever as nossas posições diante dessas circunstâncias específicas e perceber o quanto somos, muitas vezes, assediados e assediadores, em termos morais, raciais, sociais, etc. Caso investiguemos mais detidamente as relações pessoais em nossa sociedade, perceberemos o quanto devemos repensar as nossas atitudes cotidianas.

Nada disso acontecerá sem muita dor…

*Texto de Abril de 2017

Foto por Anete Lusina em Pexels.com

Participam: Lucas / Suzana Martins / Alê Helga / Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Cláudia Leonardi / Dose de Poesia / Danielle SV

O Assediador

Quem o olha de relance, estando só, sem saber o que faz, poderia dizer se tratar de um homem comum, talvez um executivo, vestindo de forma desleixada um terno caro. Se o visse cercado de seus comandados, logo perceberia que quem gira em seu entorno mantém um olhar atento, até nervoso, para o atender em seus mínimos gestos e intenções. O sorriso público esconde uma postura de um ser que não admite menos do que uma reverência de súditos para um rei. A exceção que abre é para o Imperador supremo, aquele que, apesar de ser maior em poder, é tão pequeno quanto ele, e lhe dá sustentação em sua administração em que o terror domina as relações humanas.

O Assediador se sente à vontade para avançar em sua pauta de monstro devorador de paz. Predador no topo da cadeia alimentar, feito um tubarão que encontra seu local de caça, quando está para chegar as presas fogem, os corredores se esvaziam, os banheiros se tornam celas de refúgio e apenas os desavisados topam de frente com o sorridente perseguidor de mulheres e homens, enquanto os cúmplices fazem questão de obter a sua atenção. Aos subordinados, a palavra dura e chula de quem quer demonstrar autoridade pela força do xingamento. Para as subordinadas, a ignomínia da palavra doce, o gesto delicado, mas invasor, a insistência na dominação dos corpos como referência. Como se fosse um galo solto no galinheiro, quer espargir o líquido de seu poder, como se participasse do coro dos anjos, impondo a soberania de seu desejo.

Criado no caldo de cultura do Patriarcado, encontrou no cargo de um governo exemplar nesse tipo de política, as circunstâncias especiais para que pudesse estar como “um pinto no lixo”. Foram anos em que pode exercer seu domínio sem que houvesse qualquer impedimento ou ressalva, até que se tornou tão sufocante que houve a iniciativa de alguns para que tudo mudasse. O assédio moral e sexual é parte de um grande concerto que foi permitido e até incentivado como demonstração de qualidades que deveriam fazer parte do perfil de comando. Para o homem crescido nesta Sociedade é quase natural que aja, diga ou minimamente insinue e por fim imponha esse caráter de “domínio superior”. Em alguns casos, há mulheres que assumem essa postura impostora imposta por tradição de chefia machista, “batendo o pinto na mesa” metaforicamente. Como se o falo fosse sinal de potência. Para todos nós, é muito penoso mudarmos as nossas ações e mentalidades, acostumados que fomos, desde a família na mais tenra idade, a estarmos cercados de tantos maus exemplos.

O importante é que mudemos de Política – a arte da convivência, segundo os gregos – para arejarmos nossos ambientes familiares, amistosos e profissionais. O organograma deve atender um direcionamento, com certeza. A linha de comando deve ser mantida, porém a prática deve obedecer a um bem maior, a do respeito à pessoa humana. Que o sorriso não seja de escárnio. Que a alegria não se dê por um malfeito. Que a felicidade de alguns não seja obtida à custa da expropriação de direitos da maioria. Que a revolução se dê na consciência de cada cidadão brasileiro. Que os assediadores sejam punidos por assédios morais, sexuais, comportamentais.

Parece que novos ares se avizinham no horizonte. Que 2023 não sejam números que apenas apresentem mais do mesmo dos últimos anos. Caso contrário, será cada vez difícil respirar, prática e socialmente, neste País.

Foto por Brian Jiz em Pexels.com