07 / 03 / 2025 / O Astronauta E A Lunar

Neste registro, temos o Astronauta e a Lunar, entre outras duas pessoas que o trabalho conjunto, pela Scenarium propiciou que a arte da escrita fosse impulsionada de forma a constituir uma plataforma da qual sou fã pelo seu caráter artesanal. Nessa ocasião, em 2017, foi lançada REALidade, meu primeiro livro de crônicas, do qual extraí o texto que fala sobre esse encontro que modificou a minha trajetória pessoal, assim como a de outros escritores.

“Cartesiano, o rapaz estava sempre a analisar todos os seus passos… a medir as consequências de seus atos. Chancelar sob a égide dos números os resultados buscados.

Construtor de sua própria vida, a sua base era o chão… a partir do solo, vinha estruturar os seus projetos, fazer as sólidas fundações sobre as quais viria a erguer seus prédios, barragens e vias de trânsito.

Constituiu família, organizou caminhos, fundou relações, espaçou contatos. Gostava de gente — mas, talvez, por serem humanas demais… as considerasse irregulares componentes de seus projetos, aceitando-as por fazerem parte da equação da existência — dados sem os quais os problemas não existiriam, porém, não seriam solucionados. E, como gostava igualmente de desafios…

Positivamente, a moça era nefelibata. Alguns a sabiam lunar ou vinda de alguma outra parte… que não a Terra. E, por isso, vivia em conflito com os habitantes do lugar onde caiu, em uma fatídica noite de chuva de meteoros. Dos seus, foi a única que chegou de seu lar de origem. Poderia jogar tudo para o alto… contudo, buscou entender aquele povo estranho — sendo, para eles, igualmente estranha.

Nada como ouvir suas histórias… o que era perfeito, já que ouviria tudo do ponto de vista de alguém de fora — a forasteira.

Conheceu a generosidade entre os gentios humanos. Propôs-se salvar-se ao salvá-los, principalmente aos que se sentissem, da mesma forma, deslocados em seu próprio planeta. Nada melhor que fosse pela palavra, pelo verbo. Para tornar tudo mais grandemente complicado, se viu jogada em novas paragens, plagas ainda indomadas, quase civilizadas, mas nem tanto… nova língua, novas dores, quase recebidas com alegria.

A estrangeira era excêntrica mesmo — adquiria novas receitas de como sofrer… porque sabia que nada a atingiria como um dia já havia atingido a dor maior.

Ser ‘Sim’ é uma atitude de alma. Há tanta gente ‘Não’, que o mundo não consegue desvendar os seus mistérios sem caminhar por trilhas tortuosas, becos escuros, pisos esburacados, céus velados, visão nebulosa…

Os do ‘Sim’ e os dos ‘Não’ habitam o mesmo ambiente, respiram o mesmo ar, bebem da mesma água, mas não comungam vivências.

Foi pelo ‘Sim’ que Yoko conquistou John, que o homem subiu aos picos do Himalaia, um negro governou um País que o viu nascer segregado, o Astronauta fez o seu Marco na Lua.

Assim, um dia, o Cartesiano encontrou a Nefelibata… a revolução demorou a se dar. Começou com olhares de admiração a se sobreporem aos de estranhamento, porque perceberam que havia terra firme onde podiam pisar os pés, no meio pantanoso da convivência social em que estavam.

Vivências diversas, anacronismo em suas repercussões pessoais… de facto, o fato se estabeleceu — perceberam que gostavam um do outro.

Depois de tantos dissabores, de desencontros em suas histórias, o ‘Sim’ se fez presente. É tão penoso ser o ‘Não’ de alguém que, quando o inverso acontece, devemos festejar o acontecimento… mesmo que isso contrarie aqueles que creem que as regras devam ser cumpridas, ainda que contra a felicidade de quem quer apenas amar.

O rapaz, de tão jovial, até parece um “Bambino”, apesar de o mundo ter dado mais de vinte mil voltas sobre si mesmo, desde que chorou pela primeira vez.

A lunar presença dela parece não querer revelar a sua origem, o seu ser, a sua cronologia…

A depender da luz, o seu olhar é de criança que não cresceu, ou de uma maestrina atemporal. Os dois criaram um projeto de vida, a dar vida ao papel — alquimia moderna — a valorizar a imaginação, a expressão, o ‘Sim’.

Os seus filhos são gestados por aqueles com quem eles aceitaram compartilhar a visão que espelha o poder dos que adotam o ‘Sim’ como profissão de vida e coragem de Ser. E sou um deles.

Esta história é idealizada. Tanto pode ser real quanto fictícia. O mais belo de escrever é que arranhamos a verdade quando mentimos, e revelamos a verdade quando criamos o fictício. Quem quiser que acredite nas mentiras ou negue as verdades, que são feitas da mesma matéria que todos nós”.

Querido Marco , sentiremos saudade…

Astronauta

Meu amor,
estou a me sentir como um astronauta
fora da nave,
a fazer um passeio no espaço…
Deixo a minha mente vagar
e sinto que não me importaria se as amarras
que me unem ao módulo
se desprendessem…

Sei que a sensação de plenitude,
provocada por nosso amor,
me acompanharia nesse voo sem volta pelo Infinito…
Eu seria mais uma infinitesimal partícula que o compõe,
a participar do concerto silencioso
da imensidão sem fim –
Universo em expansão…

Um dia, o meu corpo congelado
talvez entrasse em órbita de algum planeta frio…
Ao cair no solo seco e estéril,
a semente do nosso amor
viria a se reproduzir em
vida, seres
estações climáticas,
chuvas,
dias,
noites,
crepúsculos,
luares,
frutos, seres
em multiplicação –
borboletas,
abelhas
em flores
e namorados ardentes,
a se beijarem em bancos de praças
sob árvores frondosas…

Há milhões de milhas da Terra,
o nosso amor ressuscitaria
e pariria
um planeta…

Foto por Pixabay em Pexels.com

A Esfinge

Exposta às intempéries – à luz, à câmera, aos desejosos olhares –
passam todos por sua superfície,
essência que se esconde,
ao se mostrar em pele…
Corpo de mulher, cabeça de azul – esse ser-etéreo-cor –
proclama a antiga máxima, apenas por tradição:
“Decifra-me ou lhe devoro!”
Pois que não deixa de devorar, a quem-qualquer se lhe aproxima –
o pensamento e a atenção – tensão
que não se basta.
Antes, se abastece da atração – se desbasta
de adoradores que se entregam, de bom grado,
à sua devoção-devotamento…

A Esfinge ora a que deus, se ora?
A oratória é de quem quer ser,
mais do que a qualquer divindade – adorada.
De hora em hora, são miríades – mulheres, homens e anjos-de-asas-sem-penas –
entidades-sem-sexo a penarem
por seu olhar-de-terra-à-vista do primeiro astronauta:
“por mais distante,
o errante navegante –
quem jamais te esqueceria?

Eu-o-observador, creio que seu segredo está em não ser decifrada –
A Esfinge –
mas ser aceita em sua complexidade-de-mulher-que-finge
ser quem não é, por profissão
de fé e paixão.
Que esse fingimento é sua essência-de-jogo-de-espelhos que se alheia
e se mistura às gentes, que as consumem por dentro,
enquanto sua beleza de Alien simbiótica-mística-quântica
a reproduzir sua imagem em cada íris de quantos-olhos-outros,
muitos, embarcados em existires sem nexo.
Por que o faz, se mata de amor aos seus hospedeiros e se deixa morrer?
Sua natureza esfíngica explica…
E nada revela!

https://www.youtube.com/watch?v=mWWIi65O5dg