
Ela olhou diretamente nos meus olhos e vociferou, boca encrespada: “Eu odeio você!”.
De suas pupilas faiscantes, dardos de desprezo me despedaçaram em tiras.
Não sei como me sustentei sobre as pernas. Cheguei a ouvir uma vozinha dentro de mim, que dizia: “Fique em pé. Se cair agora, ela o desprezará ainda mais…”.
Calei e afastei o meu corpo desabitado de mim. Uma típica reação de autodefesa do sistema vegetativo autônomo. Emocionalmente, estava morto.
Sabia que ela estava fora de si. A medicação que tomava estava afetando o seu nível de consciência, a ponto de ver em mim, o inimigo.
Outras ocorrências mais graves vieram a se precipitar, logo depois. Decidimos que deveríamos cessar a administração das drogas que, em vez de ajudarem, tornavam as condições de seu estado mental bem mais precárias. Com isso, aos poucos, o seu humor melhorou e, aparentemente, ela retornou a ser a pessoa amorosa que sempre demonstrou ser.
Sobre esse e outros acontecimentos à época, nunca chegamos a conversar. Carrego a curiosidade meio mórbida em saber se aquele ódio tenha transbordado de tal modo que ainda perdure em reminiscências. Eu, jamais esqueci… Ao me ver diante dessa possibilidade, me acovardo…
Ressuscitado mais uma vez, já não era o mesmo. Aquele outro – o Observador – que apenas me acompanhava do lado de fora da trama, passou a assumir cada vez mais a minha identidade. Na posição de ator principal, quase sempre atua o coadjuvante…