14 / 08 / 2025 / BEDA / Incógnito

Ao passar por uma rede social, surgiu para mim uma entrevista de Marília Gabriela com Arnaldo Antunes — ex-componente dos Titãs à época. Logo depois, ele viria a participar dos Tribalistas com Marisa Monte e Carlinhos Brown, outro projeto exitoso. Mas o melhor ficou para o final quando a entrevistadora pergunta: “Arnaldo Antunes por Arnaldo Antunes“. O olhar que o entrevistado fez foi icônico. Aturdido, respondeu que não esperava tal questão e de que não tinha ideia do que poderia responder: “Não sei!”, respondeu finalmente.

Fiquei pensando sobre a minha própria autodefinição e conclui que também não poderia responder decididamente quem eu seria aos meus próprios olhos. As informações que poderia passar são apenas relativas: “estou em busca de equilíbrio físico e mental, me coloco como alguém de tendência política à esquerda, acredito na transcendência do ser e não sou obcecado por dinheiro”. Mas a certeza máxima é de que sou um escritor. Tudo o que acontece ao meu redor presencio como história e vejo as atores como possíveis personagens.

E isso deriva do fato que acredito que o planeta seja um grande cenário em que os seus habitantes participam de uma grande espetáculo. Se há um diretor central e ou se todos nós participamos de uma grande dinâmica coletiva em que somos levados de um lado para o outro por movimentos internos e/ou compartilhados, é algo a se definir. A todo momento surgem supostos líderes que assumem a responsabilidade de comandar o fluxo e refluxo das situações. De modo geral, as forças que engendraram o enredo no qual estamos envolvidos, em dado momento tentou ser guiada por grupos hegemônicos através da violência.

Logo depois do evento Arnaldo Antunes, a Lunna me fez uma pergunta retórica: se eu havia mudado muito de opinião ultimamente. Avaliei que sim. Aliás, surpreendentemente até para mim. Eu me julgava uma pessoa estável em termos de postura, mas no decorrer dos anos, agi de maneiras diferentes do que faria antes em várias ocasiões. Concluí que Raul Seixas acertou quando se proclamou uma “Metamorfose Ambulante” — uma definição que (agora) adoto cabalmente, principalmente porque estou a envelhecer na cidade…

45 Anos Atrasado

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Em 2013

Em um final de semana de setembro de 2013, fui assistir à peça “Zucco” no Teatro da USP, no edifício da Rua Maria Antônia. A trama era centrada na história real de Roberto Succo, “serial killer” italiano que nos anos 80 matou seus pais, cometeu outros crimes e assassinatos, causou pânico e admiração na Europa e foi considerado inimigo público número um na Itália, França e Suíça. As relações entre o indivíduo e a sociedade, a violência, a solidão e a marginalidade contrastavam com os limites de nossas formas de convívio. Os jovens atores de “Zucco”, talvez não soubessem que a liberdade com que interpretaram seus personagens foi resultado de uma luta de várias gerações.

O prédio que abrigava o teatro foi palco de um acontecimento emblemático de nossa História. Lá, nos Anos 60 sediava o curso de Filosofia, da Universidade de São Paulo, antes de se transferir para o nicho na Cidade Universitária, no prédio que estão estabelecidos os cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Foi na rua em frente a esse edifício que se deu uma das mais graves colisões entre a esquerda estudantil, representada por seus alunos e pelos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que fica em frente, à época alinhados com o regime militar. Esse episódio foi mais um dos muitos daquele distante 1968, ano divisor de águas, que veio a influir definitivamente nos rumos que o Brasil trilharia a partir dali.

Mesmo com sete anos de idade, pude sentir de perto os reflexos da luta ideológica travada à vista de muitos e pelos “bastidores” e porões do governo. Meu pai estava alinhado ao lado dos “oprimidos” que tencionavam pegar em armas para combater o “Regime de Exceção”, nome poético para designar um governo que “prendia e arrebentava”. Ele foi várias vezes chamado para “interrogatórios” – eventos que duravam algumas semanas. À época, restava a quem se opusesse, além da revolta armada ou protestos públicos, a outra alternativa que se colocava ao cidadãos do País – “Ame-o Ou Deixe-o”. Desde então, com a Abertura, alcançamos a liberdade de expressão, a volta dos exilados, a reintegração destes à vida política da nação, o que deu ensejo a que muitos fossem eleitos para cargos de comando e…

Atualmente, os caminhos dos “combatentes” de esquerda e os “defensores” da direita se confundem em um jogo de palavras que mais se assemelham a peças de propaganda, sem nenhum embasamento em um saudável embate ideológico que vise a real solução para os problemas nacionais. Antes, transformou-se em uma luta pelo poder que visa quase que unicamente a sustentação de um sistema de compadrio entre os ocupantes dos diversos cargos do executivo, legislativo e judiciário. Nesse ambiente, os extremistas de ambas as vertentes se sentem à vontade para embrenharem-se com prazer na extinção da Democracia, entrave para quem não acredita que ela seja o meio mais justo para chegarmos à solução de nossas diferenças.

Cheguei atrasado ou atrasou-se o País?…