Numa quinta-feira, final de Julho de 2021*, escrevi: “#TBT recente, de Fevereiro deste ano, momento em que precisei voltar ao útero marinho para me salvar. Esta imagem, feita em Ubatuba, onde passei quatro luas, portava um colar de contas. Escrevi à respeito: ‘Os Pataxó são um povo indígena brasileiro de língua da família Maxakali, do tronco Macro-Jê. Em sua totalidade, os índios conhecidos sob o etnônimo englobante Pataxó Hãhãhãe abarcam, hoje, as etnias Baenã, Pataxó Hãhãhãe, Kamakã, Tupinambá, Kariri-Sapuyá e Gueren.
Apesar de se expressarem na língua portuguesa, alguns grupos conservam seu idioma original, a língua Patxôhã. Praticam o ‘Xamanismo‘ e o Cristianismo. Vivem no sul da Bahia e em 2010, totalizavam 13.588 pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A @ingriidortega trouxe da região onde os portugueses aportaram pela primeira vez em Pindorama, esse colar de contas. A minha ascendência indígena me permite usá-lo para além de objeto decorativo, por carregar vários significados. Para mim, é como voltar para a kijeme“.
O uso do colar de contas representou para mim uma volta à minha origem. Quando garoto, nas brincadeiras em que havia simulação de lutas entre Cowboys e Guerreiros Indígenas, eu abdicava dos pedaços de madeira simulando revólveres Colts e adotava varetas simulando arcos e flexas. Quase sempre morria… mas morria com honra. Sentia que era um resgate do meu ser original…
Estou sentado à janela dum ônibus, a observar as cenas por onde passo. No Limão, percebo uma rua com o nome de “Luar do Meu Bem“. Gostaria de responder, caso me perguntassem: “Onde você mora? Moro em “Luar do Meu Bem“‘ — a cumprir o desejo de todo amante… Se estivesse no Bairro de Gabriela, em Feira de Santana, na Bahia, encontraria quem morasse em “Meu Bem Querer“, e seria mais gostoso ainda…
Não importava o cenário — uma escadaria imponente de um clube antigo do interior; ou o palco com os dançarinos na pista como fundo; ou a parede simples, desencarnada de adereços — ele assumia a mesma pose: braços cruzados sobre o peito, as pernas levemente afastadas em gesto de confiança e um imenso sorriso. Se pudesse dar um apelido a ele, ainda que não esteja mais fisicamente entre nós, seria João Sorriso.
Conhecido como João Soares, nós, da Ortega Luz & Som — Humberto e eu — o acompanhamos nos últimos quatro anos, juntamente com Tânia Mayra, Cláudio Albuquerque, Rafael Ortega, Vagner Mayer. E Marcos Oliveira e Edu, como bateristas (entre outros) na empreitada de levar a Banda Ópera Show para todos os recantos onde éramos chamados a atuar, desde a grande São Paulo,Interior e Litoral. E assim foi até a chegada da Pandemia de Covid-19, em março.
Os eventos caíram um a um e ficamos à espera de que as coisas voltassem ao normal logo mais. O que nunca aconteceu, como sabemos, apesar de muitos se iludirem a respeito. Em determinado momento, percebi que o “novo normal” não seria o antigo normal sem que a vacinação ocorresse. E que isso não será se efetivará rapidamente. Principalmente porque não houve planejamento para isso, o que fará que demoremos para voltarmos aos eventos com grande público antes que os riscos sejam diminuídos substancialmente. E entreter o público é o que o João sabia fazer de melhor e teve que deixar.
Entre os vários cursos que eu fiz, houve o de Marketing Pessoal. Uma das tarefas previa que eu fizesse “Lives”, uma por mês, projeto que seria levado avante em 2021. Uma delas, intitulei: “Setembro: Histórias De Um Cantor Profissional Que Não Faz Sucesso Na ‘Mídia Oficial’” — com o cantor de bailes de salão, João Soares. Esse “Live” não se realizará. João representa uma classe de muitos e talentosos artistas que não ganham acesso a grande mídia atualmente, cheia de personagens inventados, sem lastro. A sua história foi rica. Participante de grandes bandas e de programas de auditório de anos passados, nos encantou desde cedo através da televisão. Até que um dia, o encontramos como companheiro de trabalho. Isso, há 30 anos, em que nos contratou para diversos eventos. Desde o final de 2016, retomamos o contato mais estreito.
Em um mês, a Banda Ópera Show chegava a realizar de seis a dez bailes, com um público médio de 500 pessoas, às vezes mais, às vezes menos, a depender do tamanho do baile. Ou seja, a voz de João Soares chegava a ser ouvida por cerca de 12.000 pares de orelhas por mês que recebiam o tom grave de sua entonação. A sua vibração, faziam corpos de casais se movimentarem em coreografias em que imperavam boleros, sambas, cha-cha-chas, entre outros ritmos. Os que apenas permaneciam sentados, ao ouvi-lo, eram transportados para outros tempos, sentimentos e emoções. Eu mesmo, acostumado a acompanhá-lo na parte técnica, a depender da canção, ficava arrepiado com as suas interpretações.
Um dia antes dele ir para a Bahia, em 1º de novembro, o encontramos em sua casa. Ele nos chamou para tomar um café e conversarmos sobre o futuro. Anunciou que pararia com o projeto da banda, já que além da escassez de eventos, os valores que já eram baixos, haviam caído ainda mais. De certa maneira, foi um alívio para nós já que só permanecíamos a atendê-lo por sermos amigos de longa data. Seria complicado continuar como o mesmo cachê diante da defasagem econômica — insumos para a manutenção de equipamentos e transporte, alimentação, combustível e pagamento de auxiliares.
Ele Estava bem, aparentemente. Disse que gostaria de rever os familiares — painho e maínha — já idosos. Tinha orgulho da família, todos bem postos, incluindo a irmã médica. Foi a ela que recorreu por causa de uma dor persistente no abdômen há alguns meses. Realizados os exames, ela não gostou da imagem e pediu uma ressonância magnética que revelou câncer no Pâncreas, com metástase no fígado. Em um mês e meio, o quadro evoluiu até o óbito que se deu na madrugada de hoje.
O menino de Chorrochó, que veio para São Paulo buscar o seu sonho, foi vendedor ambulante, chegou aos programas de calouros da TV, gravou um disco de forró, conseguiu agregar amigos e construir uma sólida carreira na noite paulistana, com quase 50 anos de estrada, cantou para quem quisesse ouvir, encantou plateias, testemunhados por vídeos de fãs e frequentadores encantados com o seu talento. Entre eles, eu. Agora, está trilhando outra estrada, abrindo com o seu vozeirão o caminho para a eternidade.
*Texto de 20 de Dezembro de 2020, por ocasião do passamento de João Soares.
Eu sou “Quereres”! Os versos da canção de Caetano Veloso me definem. O que não quiser muita coisa, já que “Quereres” versa sobre o desentendimento entre o que somos ou que não somos e a maneira que nos veem ou entendem que sejamos. Em Junho de 2015 ocorreu a passagem física de Fernando Brant. Este texto escrevi para prestar uma justa homenagem ao inspirado poeta, autor de versos belíssimos que, junto a vários compositores musicais, mas principalmente ao Milton Nascimento, construiu um repertório rico e sempre instigante.
Suas músicas tinham o condão de me fazer viajar para o coração de Minas Gerais, o Estado que considero o mais brasileiro dos Estados, talvez devido a sua condição insular – um mar de montanhas, cercado de planaltos por todos os lados. Isso permitiu que tornasse o mineiro um ser que resume muitas das melhores particularidades que gostaria de ver exacerbada no brasileiro de modo geral – a discrição, a sobriedade, dono de um espírito libertário – se bem que desconfiado e, normalmente, caladão. Ou, por outra, que deixa para falar o que pensa na hora certa. Acho que o mineiro é aquele que sabe quem é, isso visto por alguém que é “Quereres”, como eu. Minas é um estado de espírito.
Para exemplificar a minha paixão, apresento “Ponta de Areia”, de 1975, uma das músicas de Fernando que sempre me emocionou. Quando a ouvi pela primeira vez, na voz de Elis Regina, viajei pela estrada de ferro que sequer ouvira falar antes. Eu era novo e acreditava em um Brasil grande e rico, com um povo alegre e criativo, de culturas e características étnicas múltiplas, formando um mosaico promissor que o tornaria, no mundo, o mais pujante do próximo século.
A canção relata o fim de uma era e talvez o prenúncio de outra, ao mostrar a desativação de uma ferrovia, que ao lado do desmonte de outras linhas férreas, denunciava a opção política monocórdica e criminosa pelas rodovias, o que explica muito dos problemas atuais no setor de transportes no Brasil, tanto de produtos quanto de pessoas.
Quanto à música, ao lado dessa sensação de decadência apresentada em seus versos, podemos também sentir como facadas n’alma a beleza lírica que pontua cada imagem que passeia pela melodia. Não foram poucas as vezes que me emocionei com ela. Definitivamente, “Ponta de Areia” foi uma das mais belas viagens que já fiz…
Neste clipe, é mostrada a história da ferrovia que ligava Bahia a Minas: