Sampa Apequenada

Eu me lembro de começar a frequentar o Bairro de Sant’Anna pelos idos de 1977, para estudar. Para chegar ao Colégio Pe. Antônio Vieira, passava pela Avenida Voluntários da Pátria que, à época, tinha ao longo de seu percurso até em frente ao Metrô recém-inaugurado, no máximo dois edifícios mais altos. Um deles, me chamava maior atenção porque a face frontal apresentava um trançado feito cesta de vime em faixas em amarelo e marrom.

No decorrer dos anos, foram surgindo cada vez mais outras construções, sempre mais altas, cada vez mais indistintas – em quadraturas inóspitas – apesar de supostamente inteligentes no uso de áreas cada vez menores. O custo foi o abate célere de residências antigas, tão típicas quanto graciosas da antiga vila da Zona Norte. Esse padrão de desenvolvimento urbano se tornou hegemônico, ganhando maior expressão ao longo das décadas seguintes por toda a cidade. São edifícios de estilos retos e simples ocupando zonas caracterizando épocas distintas – antigos marcos históricos – com visuais com variações criativas, soluções singulares e a presença dos inefáveis quintais.

Sendo essa uma das características mais interessantes de São Paulo, a diversidade arquitetônica e humana da cidade, na Periferia, na qual sempre vivi, eu encontrava a improvisação para a resolução das deficiências estruturais na ocupação de terrenos situados em declives e aclives em regiões caracterizadas pelo relevo ondulante de morros e vales. 

Algumas das soluções encontradas pelo povão me surpreende pela ousadia. O talento para equilibrar construções em plataformas normalmente íngremes, me fez perceber certa harmonia no caos visual. Nas comunidades, a instauração de “puxadinhos” foi levada à quintessência de obras de arte da sobrevivência em espaços pequenos. Fora também a introdução de características inovadoras em termos decorativos. Em imagens que encontro de cidades da Idade Média, cristalizadas no tempo, encontrei similaridades. A diferença é que aquelas foram construídas com material como pedra ou tijolos duráveis.

Nas regiões centrais, a arquitetura de influência francesa das primeiras décadas do século passado foi, principalmente após a Segunda Guerra, sendo substituída pela americana, de linhas mais retilíneas, funcionais e, muitas vezes, sem graça. E esse processo tornou-se uma tendência em São Paulo imensa, mas de menor heterogeneidade visual, despersonalizada. A última tendência são torres envidraçadas em que a melhor novidade, além de sua “inteligência” à bordo, é a reprodução espelhar do seu entorno.

Os anteriores formam uma série de caixotes com buracos à guisa de janelas, com a uniformização do padrão visual. O resultado prático – no sentido pleno – é que acabamos por nos tornarmos igualmente equalizados pelo funcionamento dos locais que habitamos. Somos dirigidos a não nos desviarmos do comportamento padrão de funções e ideias. Como animais condicionados, somos levados a seguir certas regras para obtermos a recompensa do alimento. Famílias em que os mais velhos ficavam sentados em cadeiras em frente às casas, enquanto as crianças brincavam ao longo da rua se tornaram histórias anacrônicas e sem sentido no atual “sistema produtivo”.

Não é por outra razão que os paulistanos, assim que é possível, saem em fuga da cidade organizando-se em filas quilométricas de automóveis rumo ao interior ou à praia. Querem fugir da mesmice de ruas apinhadas de carros para caírem em congestionamentos intermináveis. E haja falta de imaginação nesta Sampa congestionada e apequenada…

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Natureza Na Urbe

Em São Paulo, mais e mais há menos espaço e chão para que as árvores cresçam. Apenas elas não são necessariamente expressão vivaz da vida natural. Muitas nem são típicas do Brasil. Chegaram por aqui trazidas por paisagistas, por serem justamente diferentes, atraentes aos olhos, mas não benéficas ao nosso bioma, podendo se tornarem endêmicas. Ainda assim, é possível que borboletas, insetos e consequentemente pássaros habitem os seus galhos protegidos por suas folhas.

De qualquer forma, o verde insiste em se intrometer entre pontes, prédios, ilhas de avenidas e casas com quintais, modelo de moradias cada vez em menor quantidade, devoradas pela especulação imobiliária que ergue edifícios em bairros que acabam por perder o ar bucólico de antigas eras.

Não mais cadeiras em frente às casas em noites quentes, não mais a reunião de amigos em bares de esquina, não mais as vendinhas de secos e molhados, não mais o fechamento de ruas em datas comemorativas e Copas do Mundo. Somente o movimento de carros dirigidos por pessoas que circulam de um ambiente fechado para outro.

Esta grande, frondosa e bela árvore encontrei em um condomínio de prédios na região de Interlagos. De certa forma, esses locais conseguem manter um paisagismo que abriga uma boa área verde. Obviamente, devido ao alto custo desses empreendimentos, não é uma solução de moradia popular, mesmo porque é um estilo de vida que preza por ser idealmente exclusivista, para poucos.

É comum encontrarmos nas nas fronteiras do conjunto de edifícios que formam a zona centra de Sampa, ilhas arborizadas que quebram um pouco a monotonia das linhas retas características dessas formações humanas. Neste período seco, o marrom avermelhado se entremeia ao verde cansado, casando com as cores esmaecidas dos grafites.

Este registro de minha Periferia, na Zona Norte, mostra um dia de nebulosidade incomum, a ponto da Tânia dizer que apenas se lembrava de paisagem parecida quando chegou a São Paulo, há 35 anos, “vinda de um sonho feliz de cidade”. Eu, morador desde os 8 anos na região, vi e vivi muitos desses horizontes próximos. O tom cinza deu ao registro um toque de foto PB.

É uma rota frequente em minhas atividades profissionais atravessar a cidade de Norte a Sul. O trajeto passa pelo Centro através do Túnel Tom Jobim que passa abaixo da Praça do Correio que comporta em uma parte um terminal de ônibus e outra uma praça com árvores de médio porte. Antes, há o icônico Viaduto Santa Ephigênia que sai da Praça do Mosteiro de São Bento e vai até a Igreja de Santa Ephigênia que, enquanto estava sendo erguida a Catedral da Sé, se tornou a sede católica momentânea da Metrópole.

As intervenções humanas na cidade tem na Avenida Paulista é o seu ápice. No alto daquela elevação plana, passou a História da riqueza e o apogeu da elite paulista. Moradia exclusiva dos fazendeiros de café que quiseram tornar São Paulo uma Paris em solo sul-americano. Após a Segunda Guerra, a influência Estados Unidos na arquitetura urbana paulistana foi decisiva. Os antigos casarões foram dando lugar a nova visão de colossos de concreto e vidro. A mais paulista das avenidas foi vítima dessa transformação. Neste registro, um dos últimos exemplares das construções do primeiro terço do Século XX que resistem em pé — como o Palacete Franco de Melo — o qual já adentrei uns 20 anos antes. Em seu amplo jardim, árvores remanescentes da antiga Mata Atlântica, com dezenas de anos de vida, assim como os exemplares do Parque Trianon, próximo dali.

Por fim, volto a visão para o meu quintal. Entre as várias árvores frutíferas, está crescendo um mamoeiro. Infelizmente, a nossa velha goiabeira secou, atacada por formigas. Mas preservamos uma jabuticabeira, uma mexeriqueira, dois tipos de limoeiros, uma pequena árvore de araçá, outra de amora, algumas hortaliças e dois tipos de bananeiras — prata e nanica — que fazem florescer seus corações o ano todo.

Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins

Magas

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Por onde andam as feiticeiras da nossa cidade?
Magas e bruxas, por onde vocês se esconderam?
Estão com medo de serem acusadas de veleidade?

Caminham pelas ruas tentando esconder as suas idades?
Ocultam a sabedoria das vidas das que as antecederam?
Lutam para não parecerem mulheres de maior qualidade?

Filhas de Merlin, de Circe, de Morgana, de Dubledore e de anônimos
Percorrem campos, vilas, bairros, praças e centros do mundo.
Seres que cantam e labutam e amamentam, usam pseudônimos.
Todas trabalham para a construção de um novo tempo, fecundo.

Sonho de todos os homens, possuí-las em série e quantidade.
Querem dominá-las, dirigir-lhes o caminho, pô-las a parte.
Mas não vencem o espírito, não ultrapassam a sua capacidade
De viver, de amar, de entregar-se e fazer tudo com beleza e arte.

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