Quando Perdemos*

A bola veio de encontro ao craque. Poderia ter sido rebatida para o outro lado do campo, mas, como se diz, a bola parece procurar “quem sabe”. Muito provavelmente tem mais a haver com a noção de ocupação de espaço que os quem sabe têm do jogo. Era preciso pará-lo de qualquer forma!… E assim foi feito! O menino bom de bola, desde cedo acostumado a enfrentar os parrudos zagueiros dos times adversários, utilizava o seu alto desenvolvimento do tônus muscular esquelético para escapar meio segundo antes das entradas maldosas vindas de frente, do lado e até de algumas mais furtivas, por trás. No entanto, a oportunidade, unida à rapidez, chegou zunindo “zunigando”, zás-trás, com força e má intenção, com o joelho apontado para as costas do alegre inimigo, certeiro como uma bala perdida que atinge um inocente em seu berço.

Por um instante, a dor fez com que a vítima perdesse o ar e que, pior, tivesse a plena sensação de que ali se encerrava um ciclo. Bem possivelmente, chegou a passar por sua mente que a função para qual nascera para exercer também se encerrava. Acostumado a ser visto e reverenciado por sua irreverência, saía do “campo de batalha” ferido e em prantos, colhido que foi pelo trem desgovernado e carregado dos vários matizes das dores físicas e mentais.

Este país que produz tipos tão diferentes quanto um franzino garoto do litoral ou um “Hulk” no interior brasileiro, tal e qual a personagem de um quadro de Portinari, e os reúnem em um mesmo time, agora tem que ver os seus filhos darem um pouco mais de si para alcançarem a vitória contra uma equipe mais equilibrada, estável e bem dirigida, representante de uma nação que é mais desenvolvida em todos os setores da atividade humana, da cultura ao esporte, da economia à política. Bem por isso, não prescinde de se fazer prevalecer também no futebol.

Se passarmos pelos alemães, e chegarmos à final, não seremos melhores que eles nos outros aspectos, mas nesse, pelo menos, poderemos arrogar superioridade. O rato rugirá mais alto do que o leão, Davi derrubará o Golias e mais um épico moderno se consumará. Esperemos…

*Texto de 4 de Julho de 2014

Posfácio

O texto acima foi feito no calor da hora, tendo os dados imediatos como referência. O tempo passou, há dez anos as circunstâncias eram contraditórias, visto que claramente houve superfaturamento nos custos na construção dos estádios – uma festa para políticos de ocasião – enquanto o povo festava a possibilidade de um hexacampeonato. A maioria das personagens permanece como protagonistas de novos escândalos e outros foram ultrapassados pelas novas condições do movimento cíclico da História.

Uma dessas personagens que diminuiu em conceito foi o protagonista da crônica. Enquanto evoluía em termos de ganhos financeiros mais decaiu em minha avaliação pessoal. Apesar de absolvê-lo inicialmente de algumas peripécias, não houve como deixar de perceber que o ser humano em questão não passava de um macho escroto, politicamente aliado à causas espúrias, metido em negociatas, amigo de estuprador que pagou a fiança. Alguns diriam que foi fiel ao amigo. Eu diria que ele ajudou a si mesmo a fugir de acusações como a que o amigo se envolveu.

O então governo Lula esteve no centro das acusações de desvio de verbas na construção dos estádios. Precisou haver uma ameaça de Golpe de Estado no horizonte para reabilitá-lo como figura política viável e, apesar de ter as críticas, tem realizado um trabalho razoável, dada as condições contrárias, já o Congresso Nacional está eivado de agentes do Reacionarismo. Continuamos perdendo, de uma forma ou de outra…

Arpoador

Arpoador Beach, Devil’s Beach, Ipanema district of Rio de Janeiro – Brazil, South America

quero… desejo… vou de encontro… invado… devagar…
passos silentes sobre a areia e a pedra…
o meu corpo recebe em ondas as águas mornas do abraço marinho
desta manhã que se anuncia receptiva ela também me deseja
as águas se mostram aparentemente turbas rebeldes
consigo ler a sua dinâmica de mulher apaixonada fogo em forma aquosa
os meus membros a penetram como um cavaleiro de espada em riste
em uma batalha que já perdi sei desde o início mas guerreio
fardo de homem que ao oceano ama e por ele se derrama em sal
eu o decomponho e o absorvo em minha mente
de querer amoroso marolas se disfarçam de amantes
desfaço-me em pequenas porções de moléculas de oxigênio e hidrogênio
o meu ego apartado de mim é lançado no mar profundo
me entrego ao beijo da amada no amanhecer revelador
raios de sol por testemunha
de que sou seu amor morro para esta existência em gozo
transformado em milhões de gotas
a rebater na arrebentação junto às pedras do arpoador…