#Blogvember / Carta Ao Amor Ideal

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Amor Ideal, como vai?

Deve saber que há muitos que o procuram em vão, não?

Onde se esconde?

Tenho por mim que, de tão perfeito, passe despercebido em forma de cumulus nimbus que interdita a luz do Sol apenas para refrescar o calor.

No voo da abelha em direção à flor, na lambida do cão amigo, na mão que se estende para agarrar a acrobata sei que se exibe.

Ou passa disfarçado como uma simples sardinha num grande cardume do Atlântico.

Com certeza, morou por um instante nos olhos verdes da moça triste.

Dever caminhar em grupo de pinguins que se juntam para enfrentar a tempestade de neve.

Estou quase certo de que o vi de relance no arabesque preciso da bailarina.

Tenho por mim que esteja no beijo de boa noite de uma mãe em seu filho… também. Mas não apenas.

Sei que está no gesto de carinho do namorado no cabelo da amada, ainda que se restrinja a existir em tempo escasso, diante do cotidiano de dissabores.

Amor Ideal, sou dos poucos que desacredita em sua existência sempiterna.

Todos o desejam eterno, mas somos mortais e nossos desejos urgentes, sem compromisso com o que é permanente.

Está nas ondas do mar que se quebram em ruídos d’água espumosos. No entendimento de seu fluxo e refluxo.

Está no quarto 102 de um hotel barato do centro em que os amantes se bastam por tempo determinado.

Caminha nos primeiros passos claudicantes da criança que meses antes nadava na barriga materna.

Outro dia, eu o encontrei numa palavra singela, mas que me fez perceber a sua eternidade – “é”.

Eu me surpreenderia se eu o encontrasse por aí, como quem o procura com insistência.

Assim como a Felicidade, deve estar em momentos de descuido da sensibilidade e no cuidado de quem acredita…

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Participam: Suzana Martins / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia

#Blogvember / As Algemas

não acredito em almas gêmeas
desdenho de quem queira encontrar iguais em outros
sou pelo confronto de corpos e ideias
de fluxos e refluxos de pensamentos díspares
cresço quando me encaram de frente 
batem nos meus preconceitos
reformulam meus preceitos
invadem minhas fortalezas
derrubando minhas defesas
me devorando por dentro enquanto quero comer
estranhas entranhas entranhadas
confesso não percebi o momento de nossas mãos algemadas
fujo quase sempre de entregas sem tréguas
me debato feito peixe que deseja respirar água
mas o que aconteceu conosco me deixou confuso
já não sei quem sou em você e você em mim
beijo a sua boca cor de carmim
e em vezes de palavras evoluo em gemidos
enquanto salivas se bebem bêbados de paixão
abraço seu corpo o meu corpo
invado a mim em si
refuto planos de permanência absoluta
luto enquanto planto a minha bandeira em território invadido
enquanto me incorpora calma e resoluta
anuncio o luto por minha morte renasço melhor
quando digo sim…

Foto por Anna Shvets em Pexels.com

Participam: Suzana Martins / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Lunna Guedes

BEDA / Pássaro

Se pintasse a sua boca
de carmim, de rosa
ou de transparência pela saliva
plantaria beijos-flores,
beijos-de-sal-e-pimenta

Deitaria a minha cabeça em seu peito
beberia do leite imaginário
feito um menino-homem que deseja
saciar sua sede de prazer

Sentiria meu corpo crepitar feito lenha
na fogueira que nos queima
de paixão no inverno
moraria entre os troncos
de suas pernas-árvores.

Colocaria a minha boca no ninho fendido
doce, aquoso de querência úmida
encetaria a minha língua
por seus descaminhos.

Voaria com o meu pássaro
de cabeça altiva para dentro
desse mundo novo
fulgor de estrela que nasce
em explosão cósmica…

Foto por funda izgi em Pexels.com

Participam do BEDA: Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Darlene Regina

BEDA / Quem Sou Eu Em Você

eu não gosto muito de mim isoladamente
mas quando estou consigo eu me amo em você
sou tão poderoso sou deus que busco
voltar à intimidade da criação
do início da vida explosão
que átomo a átomo abraço em seus braços
entrego a mim redivivo e me sinto homens
tantos que escapam ao domínio do medo
que teria o poder de amar suas mulheres
noites e dias tardes e alvoreceres
de continentes apartados pelos mares
tornar-me força única uma só ideia
toque particularizado em seu corpo
um planeta unido pantalassa-pangeia
renascido como quando a amei pela primeira vez
imenso e pequeno amado e intocável
diante de tanta infinitesimal grandeza
à luz da vida quando se expressa em choro
o som do universo exteriorizado
para dentro de meu peito inacabável
o fim é buscar o começo à procura do beijo
sugar a mama entranhar-se suar beber o sumo
línguas gemidos grunhidos urros falas e falo
faço vibrar preencho de sangue veias
que se aquecem
em ondas até verterem lágrimas leite e mel
sementes derramadas em solo impermanente
entre lábios nuvens dobras lençóis fronhas águas e areias.

Foto por cottonbro em Pexels.com

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Darlene Regina

O Navio*

Vivemos no Largo do Arouche, centro de São Paulo, até os meus cinco anos de idade. Do apartamento no Edifício Coliseu, apenas me lembro do corredor onde pedalava meu carrinho de metal com uma estrela no capô e da entrada do apartamento. Um amplo sofá boia solto na minha memória real, além dos fantasmas com os quais convivia em minhas aventuras de soldado do Exército. Parece que desde então vivia a sonhar que voava, o que quase aconteceu por pouco quando ascendi ao parapeito da janela do décimo segundo andar. Fui impedido por meu avô, que me agarrou a tempo de “voar”.

Minhas lembranças da infância mais presentes estão vinculadas ao qual chamávamos de Porão, abaixo da imensa casa do meu Tio José, que empregou meus pais na fábrica de autopeças. Eu dormia junto à janela que dava para a garagem da casa e sua forma arredondada era parecida com as dos navios dos filmes que assistia. Logo, aquele canto se tornou o tombadilho de onde conduzia minha cama-barco-de-armar mar adentro, enfrentando tempestades, raios e trovões para levar-me a salvo até a ilha-cozinha, onde me sentia confortável em ver minha mãe preparar a comida. Adorava vê-la encher a mamadeira de café com leite, a qual tomei até os seis anos, pelo menos, pela manhã.

Era recorrente eu desenhar o navio que me conduzia meninice a frente. Em terra firme, na Vila Esperança, aprendi a jogar bolinha de gude, empinar pipa, jogar futebol. Também aprendi as primeiras letras, desenhadas no caderno de brochura, sem obedecer às linhas laterais. O que começava em uma página, terminava na outra. Fiz por iniciativa própria e quando mostrei à professorinha da escola infantil, me lembro dela chorar como se eu tivesse cometido uma imensa travessura… Ganhei um beijo estalado no rosto. Talvez, tenha sido ali que tenha desistido de ser marinheiro…

*Texto produzido em 2020 nas atividades do Curso de Narrativas Na Primeira Pessoa, ministrado por Lunna Guedes.

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