#Blogvember / Estar Com Outros

… caminhar pelo mundo de braços dados com o outro, com os outros (Nirlei Oliveira)

Foto por Debendra Das em Pexels.com

braços são berços para abraços nascerem
evoluírem para intimidades maiores
de almas de corpos de contatos de papos
andar pelo mundo de braços dados
implica em confiança confidências
coincidências de passos par a par
guardar o tempo nas mãos
reduzir as distâncias entre corações
em batimentos compassos andamentos
sopra brisa pisa anda caminha passa sente fica
volta torna retorna segura solta
passado recente
pressentido presente
futuro aparente
crescer efervescer dilatar-se voluntariar-se
ilusões de bem estar
estar bem com o outro tão próximo
quanto preciso for para se entregar
raridade em tempos
desta humana idade
que aconteça o contrário do que se espera
que o querer se sobreponha ao poder
da gravidade
que estanca o movimento prende os pés no chão
que de abraços dados voemos
em dadas asas transformadas.

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes

O Caminhante

Passou por mim um rapaz muito alto que caminhava de fora inusitada. Usava chinelos gastos, talvez pequenos demais para os seus grandes pés, que escorregavam toda a vez que pisava a calçada. Apesar da discrepância de seus passos com o padrão comum, que fazia com que chamasse a atenção para si, somado a alguns risos, percebi certa composição jazzística, uma nota de harmonia assimétrica em seu andamento. Configurava-se como uma dança imprecisa e contundente, que o fazia seguir muito mais rápido do que eu, com o meu andejar regular e simples. Os braços subiam e desciam uniformemente em contraponto ao movimento criativo, propiciando equilíbrio e coesão, como a compor um contratempo na surda canção que parecia ouvir. Eficiente, o rapaz muito alto vencia os metros diante de si com um avanço impiedoso de quem coreografava o seu percurso com um destemor do incomum. Atuava, como caminhante, de forma diferente da maioria. Com um simples ato de andar, destoava da multidão que marchava ao lado. Bailava enquanto se deslocava. Com as suas pernas compridas e seu corpo desproporcionalmente grande para o seu rosto de menino e, muito provavelmente, inconsciente de tal fato, acabava por revolucionar o mecanismo de trasladar o espaço. Rápido, isolou-se à minha vista e ganhou uma distância suficiente para dobrar uma esquina em alguma rua adiante e desaparecer, sem que eu soubesse onde, exatamente. Restou o registro de minha memória e uma foto roubada daquele caminhador. Uma imagem que registra um milésimo de segundo congelado, a demonstrar como a vida pode ser ludibriada por instantes isolados e incompletos da nossa visão.

BEDA / Separação

dry rose flower next to broken heart shaped cookie

Eu me separei…
Deixei casa – paredes, nas quais lembranças pendiam paralisadas…
Portas, por onde muitas vezes passei com desejo de amar e que,
em tantas outras ocasiões, tive urgência de sair,
com vontade de nunca mais voltar…
Janelas, pelas quais divisei paisagens, movimentos, sol, chuva, vento –
protegido das intempéries e dos olhares alheios…
Naquela casa me sentia acolhido ou albergado,
a depender dos olhares, dos humores, dos tons e frissons…

Eu me separei…
Deixei aqueles braços que acolhiam e afastavam,
que imperavam e hesitavam,
que mentiam avidez enquanto aceitavam as minhas obrigações…
Amor ainda existe, ainda nos queremos, queremos amar…
Porém, não quero que, de legado delicado,
tudo se transforme em prisão, a vermos nossas pernas atreladas a grilhões…

Eu me separei…
Mas sei que nunca serei independente do que recebi como patrimônio –
memória de paixão, cumplicidade, comunhão, vivência de amorosa divisão…
Ao perceber que o nosso amor está ameaçado de ser auto fagocitado,
não posso permitir que a incapacidade de ser menos para ser mais
devaste a nossa união…
Amor, por amor, hoje me separei…

 

Beda Scenarium