O Último Da Espécie*

O ÚLTIMO DA ESPÉCIE

Numa dessas manhãs indecisas – de transição do verão para o outono – que não sabem se se vestem de sol ou se enublam de frio, ouvi a triste notícia. A última girafa branca do Quênia fora abatida por caçadores. Não apenas ela, mas igualmente seu filhote de sete meses. Ainda que o sol de março começasse a se impor a ameaça nebulosa outonal, meu dia escureceu.

Quando garoto, já achava incompreensível meninos competirem entre si para ver quem matava mais passarinhos com o estilingue. Nunca participei de nenhuma incursão e comecei me afastar da ideia de que o ser humano fosse a máxima expressão da vida na Terra.

Por que alguém abateria um ser inofensivo e incomum? Talvez um Mark Chapman assassino que quisesse unir o seu nome ao de uma das pessoas mais proeminentes do planeta. Ser raro é um atrativo suficiente para decretar a sua morte? Apesar da distância física do Quênia, presenciei as quedas dos belos exemplares africanos, vi jorrar sangue dos circunspectos ruminantes, ouvi os últimos batimentos cardíacos dos mais altos dos mamíferos, morri um pouco com eles…

“Cientistas acreditam que a girafa fêmea branca sofresse de uma condição chamada leucismo, que é uma peculiaridade genética, devido a um gene recessivo na maioria dos casos. O leucismo dá uma cor branca a animais que  exibem originalmente uma cor diversa. Podendo se apresentar de maneira parcial ou total, com apenas algumas partes do corpo do animal com a coloração branca. Diferente do albinismo, no leucismo os olhos mantêm a pigmentação normal e não são excessivamente fotossensíveis. Pelo contrário, eles parecem ser ligeiramente mais resistentes ao calor do que os indivíduos normais, porque a cor branca permitiria a maior reflexão da radiação incidente, reduzindo assim a absorção térmica.” – https://extra.globo.com/noticias/page-not-found/unica-girafa-femea-branca-do-quenia-abatida-por-cacadores-24296689.html

O mais incrível é que os dois espécimes raros foram abatidos na Reserva Ambiental de Ishaqbini Hirola, na região de Ijara, no Leste do país africano. O cadáver do animal, juntamente com o do filhote, de 7 meses, foi achado quatro dias após a morte, de acordo com guardas florestais.

“É um dia muito triste para a comunidade de Ijara e para todo o Quênia, disse Mohammed Ahmednoor, gerente de conservação da reserva, de acordo com o Daily Star. “A sua morte é um duro golpe nas medidas tomadas pela comunidade para conservar espécies raras e únicas e um alerta para o apoio contínuo nos esforços de conservação”, acrescentou.

Agora, só resta um espécime desse tipo em todo o mundo. Chego a desejar que fôssemos nós, seres humanos, a estar nessa condição de eminente extinção…

*Texto escrito no início de Março…

Caça às Bruxas

Bruxas

Junto aos nossos desejos de sermos bruxas, dentro de nós atua um inquisidor, um matador de diferentes, um aniquilador de sonhos. Ao lado da puta que somos (quem não vende o seu corpo e mente em troca de dinheiro?), existe aquele que atira a primeira pedra. Ser contraditório, mentiroso e hipócrita é condição básica para sobrevivermos nesta sociedade e, no entanto, não nos falta fôlego para vociferarmos contra o Sistema.

Estar aqui a denunciar nossa pequenez, não deixa de ser uma tentativa de não parecer um minúsculo ser. Não me excluo de todo esse processo em que morremos de vontade de matarmos do que não gostamos, como se não suportássemos o contrário. Somos caçadores de bruxas. Ainda que filhos de bruxas. Queremos quebrar os nossos espelhos. Reproduzimos os nossos produtores – podridões – amores malparidos.

Momento de devaneio, sonho com um mundo que aceite o irmão. Que aceite o mal, o identifique e o reverta. Que sejamos bruxas. Façamos nossa porção – uma poção mágica que contamine a escuridão de verdadeira claridade. Peito aberto, mamas e sexos à mostra, barriga prenha de filhos livres da maldição de sermos tão humanamente menores. Quero ser, além de ser, Ser.

Imagem:
https://tsararaioluzoriente.com.br/as-bruxas-ao-nosso-redor/