01 / 02 / 2025 / Frebero

Gosto de Frebero, o nome de Fevereiro em espanhol. Lembra febre, o que é uma característica do Carnaval. Só que neste 2025, ocorrerá no começo de Março. Isso deve à adequação que a Igreja estabeleceu entre as festas pagãs e as católicas — uma espécie de cooptação formal dos novos “adeptos” ao novo sistema de medição temporal.

O calendário que adotamos no Brasil é o Gregoriano, criado em 1582 pelo Papa Gregório XIII. De inspiração solar e cristã, nosso calendário é baseado no movimento da Terra em torno do Sol. Ele tem 365 dias, divididos em 12 meses, se iniciando no dia 1º de janeiro e terminando no dia 31 de dezembro. 

No calendário, o intervalo entre o Carnaval e a Páscoa dura 47 dias e as duas datas são móveis, já que a Páscoa é sempre no primeiro domingo após a Lua Cheia que marca o Equinócio de Primavera no Hemisfério Norte e o Equinócio de Outono no Hemisfério Sul. Por isso, o Carnaval pode ser em fevereiro ou em março.

Nessa barafunda de referências ligadas à agricultura, ao movimento celestiais observados pelos habitantes do Hemisfério Norte, trazida pelos portugueses, invasores de Pindorama e imposta pelo poder da Igreja — pela catequese ou à ferro e fogo, sangue e genocídio dos povos originários — vivemos sob o império do tempo imposto à força, sem direito de escolha, já que é norma, incluindo a de titular este projeto. Entramos pelo segundo mês do ano ou o último, de acordo com o Calendário Juliano, de origem imperial romana. Ou seja, não escapamos à regência de impérios passados… e todos passam…

Desvarios Vários E Variados

Lunna, cara mia,

sou daqueles que também envida esforços tremendos para manter a mente no Presente. Porém, tenho plena consciência de que o Passado nos atravessa hoje paralelamente ao agora, assim como o Futuro se mostra evidente neste momento que estamos vivendo. Como somos analfabetos na sua língua, mal conseguimos ler o que se apresenta evidente e que apenas logo mais ficará claro. Como observador da vida, é verdade que acerto muitas vezes o que ocorrerá, porque quando colocamos em movimentos certas forças, como num jogo de xadrez, quase inevitavelmente os resultados se apresentam após as peças ocuparem as suas posições. Mas isso não me traz satisfação. Ao contrário, já que temos jogadores de má índole em profusão. São manipuladores de todas as ordens que jogam sujo para obterem vitórias à custa de muito sofrimento.

Nós costumamos comemorar datas marcadas no Calendário nas quais as pessoas pautam as suas vidas. Seguem as festividades sinalizadas na folhinha sem saberem exatamente a razão dessas comemorações. Muitas carregam um simbolismo poderoso, ainda visíveis atualmente. Outras, tiveram seus significados desvirtuados e, mesmo assim, costumam-se soltar fogos em nome de abstrações. Conversamos na última ocasião que estivemos juntos que o dia de hoje me causava assombro quando garoto porque não entendia a intenção de ser saudado como o do nascimento do menino Jesus – sete dias antes do primeiro dia do ano – já que por ele o Calendário se iniciava. Até descobrir que a intenção era vinculá-lo aos antigos calendários pagãos ligados à agricultura e às estações.

O Natal – decretado no Solstício do Inverno no Hemisfério Norte – ganhou através dos tempos uma poderosa marca econômica. Eu, por exemplo, estou em atividade remunerada graças à essa ocasião de congraçamento permeada por recebimento de regalos. A minha mãe apreciava demais essa data e apenas após o seu passamento, comecei a trabalhar nas comemorações dos outros. Nunca mais montei presépios ou árvores de pinus artificiais. As minhas meninas preferem se reunir com os amigos e apenas no almoço do dia 25 nos permitimos estar juntos. Este ano, isso não ocorrerá. A minha sogra está doente e estaremos separados – elas, lá, eu, em Sampa. Quando for viajar para visitar Dona Floripes, elas estarão voltando por conta de compromissos profissionais. Por sorte, não carrego pejo por viver na contramão dessa sacralidade formal e sem sentido.

Agradeço imensamente por Hopper ter nos colocado em contato e ter me “desviado” de meu destino de escritor de si para si. Um sujeito que não estava entre os seus, emprestando momentos fugidios de conexão em salas escuras de cinema, teatros ou bibliotecas em que apenas compartilhava olhares atravessados entre prateleiras. A moça que se sentia no sótão, desvinculada de suas muitas identidades, colocou como propósito escrever e editar escritas. Assim procedendo, invadiu o caminho de incautos que se sentiram inseridos no contexto de um cenário em que livros são tratados como bens artesanais. Hoje, renascido, sei valorizar a natividade.

De seu escritor,

Obdulio.

Espelhos*

Espelho de outros tempos, na academia…

Neste jogo de imagens
que é a vida,
o nosso corpo
é apenas uma miragem
que se desvanece
entre outras…
Todos os anos nos deparamos
com as mesmas datas
a se repetirem na folhinha,
na agenda da bolsa,
no calendário do celular,
em marcas de nossa pele…
Costumam variar os dias da semana,
mais velhos,
o Sol nos recebe cotidianamente.
Os espelhos
insistem nos mostrar
diferentes versões
de quem imaginamos ser…
Que importa?
Espelhos foram feitos
para serem quebrados
e nós,
para sermos amados,
ainda que não nos reconheçamos…

*Poema erigido de cacos de palavras ao longo dos anos 10 do terceiro milênio.

Últimas Leituras Antes Do Fim Do Mundo

Últimas leituras…

Março, Abril e Maio, até agora, tem sido meses em que não li mais do que algumas páginas, aqui e ali, enquanto nos dois primeiros meses do ano os meus olhos pousaram em pelo menos quinze obras. Eu estava fazendo um esforço imenso para voltar a exercitar a leitura de forma continuada e sair da pasmaceira em que vivia desde meados de 2020, que ainda não terminou, não importa que o calendário diga.

Isso ocorreu durante o mês de Fevereiro, em que passei uma temporada em Ubatuba, no litoral. Tive tempo para me dedicar à reconstrução de minha sanidade e ler cabia muito bem nesse processo. Ao voltar para São Paulo e para a rotina repetitiva (com o pleonasmo e tudo), tenho envidado em minimamente manter o equilíbrio mental. Tenho escrito bastante, apesar de sentir a queda da qualidade no artesanato da palavra. Ler seria uma saída sã, mas a falta de “tempo mental” tem me impedido.

Porém, antes do eminente fim do mundo, tive a oportunidade de ter em mãos quatro livros produzidos pela Scenarium. Escritas por mulheres, sentia que precisava da toque criativo feminino em minh’alma. Em sequência, fui até a “varanda para abrigar o tempo”, enfrentar “a equação infinda” “aos sábados” e em outros dias da semana, enquanto fazia “desvios para atravessar quintais” escritos por Aden Leonardo, Roseli Pedroso, Lunna Guedes e Mariana Gouveia.

Abrigado junto ao Tempo e a Aden em sua varanda, sofri intimamente com a arquitetura que me acolhia. Eu lia as suas palavras como se já tivesse as tivesse pronunciado muitas vezes como mantra: “sou um espelho por dentro que fica ao contrário”.

Roseli me levou para conhecer quatro vidas seres humanos em procissão pelos anos por quatro estações em décadas, em desdobramentos-personagens que se misturam atravessados pela linha tênue do destino determinado ou casual entre amores, ódios, abandonos, entregas, alegrias e dores. Os meridianos não interferiam nas suas existências. Apenas as localizavam. 

Com Lunna, “aos sábados”, enfrentei chuvas, dias mornos, quentes, outros “ontens”, manhãs, noites, sem adjetivos… mas sempre carregados de significados para ela, para quem a lê, para quem consegue mergulhar na tentativa de descobrir a si mesmo diante da vida e seus enigmas.

Com Mariana, os desvios que faz atravessa não apenas quintais, mas a existência inteira. A energia de todo o universo contido em mínimas linhas: “As ervas no jardim, criando sementes as flores sendo colo para a vida e da semente, a flor… fruto”.

Essas últimas leituras, feita em pouco tempo, quase concomitantemente, como se quisesse matar uma fome invencível, se foi as últimas que tenha feito antes que tudo acabe, pelo menos me abasteceu de sol tanto quanto ao da praia. Aclarou as minhas contradições, fez doer minhas feridas, acalmou meus dissabores. Fugi para outras vidas e me senti muito bem acompanhado.

Maratona literária Interative-se de maio
Isabelle Brum / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Ale Helga

Três Dias Fora Do Tempo

Calendário Lunar do Século XVIII (Wikipédia)

A moça seguia
o calendário lunar.
Adepta de magia,
a cada ciclo a se encerrar,
vivia fora do tempo, três dias…
Sua jornada coincidia
com as fases da Lua,
sua amiga e confidente,
doidivana e consciente
de tudo e de nada —
aspectos plenos de suas limitações
e incongruências…
Encontrou nesse intervalo,
alguém que a amou.
E ela também amou a quem encontrou.
Mas ele não a entendia.
Queria que as coisas
tivessem sentido,
mas o sentido
que ela tinha não era o seu sentido.
Ela acreditava
que o que se sente não é conforme
ao Tempo disforme,
particular e diverso,
pessoal e intransferível —
átomo e universo.
Três dias fora do calendário
em que podia amar a quem quisesse
e logo após deixaria,
sem se ater que quem a tivesse
por tão pouco tempo,
pelo resto da vida a levaria
na lembrança
de todos os seus sentidos…