17 / 10 / 2025 / Os Olhos Dela

como se entrasse num labirinto
dei de me perder nos olhos dela
parece que me tragavam para dentro de um mundo novo
perdido em antigas tramas de atração fatal
embarcado em nau amarrado ao mastro central
ouvia como que um canto de sereia em calmo mar
da boca que movia os lábios como se fossem ondas
de luz das águas profundas de seu olhar
meu coração batia como se montado em corcovo
de indomável cavalo selvagem em campos de pleno sol
bastava ver bater os cílios de seus olhos em miragem de morte
como se buscasse sugar a minha seiva de depauperada árvore
que tomba como se tivesse cortados caule e ramagem
forças naturais que se avultam em poder e vingança
ao mundo que tenta destruir a vida que palpita
no meu peito de homem velho
parte daqueles que sangram o sangue de escuro vermelho
marcando o chão da estrada na caminhada da terra de perdido brilho…

Foto por Ennie Horvath em Pexels.com

04 / 01 / 2025 / Sapatinhos Cor-De-Rosa

Numa dessas caminhadas pela manhã, passei por um par de sapatinhos cor-de-rosa. Lado a lado, jaziam junto ao meio-fio. Poderiam ser de uma moça ou até de uma criança mais desenvolvida. Como chegaram lá, caberiam várias especulações, todas com algum toque de dissabor envolvido. De aspecto simples, durante o tempo em que passei pelo par e voltei, ninguém o quis. Tristinhos, abandonados, fizeram a alegria de alguém… até que não mais. Úteis enquanto caminharam no mesmo sentido de quem os calçavam, os sapatinhos ficaram pelo caminho. A discórdia resultou em dissenção. Cada qual para o seu lado, será que serão recordados por quem os deixaram? Caso de amor perdido? Ou perdidos por amor não correspondido?

02 / 01 / 2025 / Regai Por Nós

Bem, o dia ainda vai se desenrolar com alguns acontecimentos dignos de nota. Ou não. Pelo sim e pelo não, confecciono esta nota relativa ao penúltimo dia de 2024. Dia 30 de dezembro foi o único que tive na agenda para ir à podóloga, como faço todos os meses nos últimos anos, controlar as minhas unhas dos dedões dos pés que encravam vez ou outra. Se há um dinheiro bem gasto, é esse. Já passei muito sufoco com as minhas unhas encravadas. Já diabético desde 2007, cuidar de possíveis infecções tornou-se fundamental para que pudesse manter a saúde equilibrada, sem aumento excessivo da glicemia. Sim, porque as bactérias nas infecções produzem aumento de açúcar na corrente sanguínea. E os “bichinhos” são vorazes.

Procuro fazer o trajeto da minha casa até o Cantinho dos Pés, justamente à pé. Adepto da caminhada como recurso de atividade física, percorro 6Km e meio e a mesma distância, na volta. Passo por subidas e descidas – o que em sentido contrário evidentemente se alternam – com gosto, ouvindo música, podcasts ou noticiários. Suo. Enfrento chuva, frio e pensamentos fugidios que insistem em invadirem a minha cabeça, quando decido não o fazer. Ganho consciência do meu entorno, observo a tudo como eterna novidade e me surpreendo enxergando detalhes que me assolam a imaginação. Parece algo bom, mas as ideias me chicoteiam de tal forma que me sinto torturado, porque sei que muitas delas se perderão pelo caminho.

Antes de uma das descidas, ao passar por um gradil, vi pendurado um papel em que estava escrito: “regai por nós!”. Imaginei no mesmo momento que fosse um erro ortográfico a troca do “o” pelo “e”. Depois, confiei que alguém alterou de modo proposital uma expressão que dessa maneira ganhou dimensões novas de entendimento. Eu poderia especular sobre várias delas, mas deixo para quem me lê essa tarefa, se lhe aprouver. Fujo da tentação de eu mesmo colocar aqui algumas delas. A minha editora diz que devo deixar ao leitor trabalhar com as possíveis interpretações dos textos que produzo.

Foto por cottonbro studio em Pexels.com

‘Bora lá!*

Há pelo menos 30 anos, após o nascimento da minha primeira filha, consegui empreender o desejo de viver um dia de cada vez. Entendi que cada dia poderia ser o último e que não deveria ficar tão preso ao passado, apesar das cicatrizes coçarem vez ou outra. E nem esperar que o futuro simplesmente ocorresse naturalmente com a passagem inexorável do tempo. Compreendi que o futuro se faz principalmente no presente. Sem prescindir de planejamento, percebi que o imponderável também tem o seu lugar e que devemos estar preparados para o inesperado. Quando ocorrer o que não estava programado, imediatamente aplicar um plano B. O interessante é que estou quase sempre pronto para as coisas ruins, mas nem sempre para as boas. Eu tinha planejado ter um dia totalmente diferente, de atividade contínua. Porém, algo escapou ao controle (nunca conseguimos controlar tudo, aliás, nem devemos) e ganhei uma folga nesta imensa folga de mais de um ano de Pandemia (alguém além do Barack Obama a esperava?). A moça do tempo anunciou um dia nublado e eis que o sol se fez. Inesperado, apesar de bem vindo, nem sabia o que fazer. Agora mesmo, sairei para uma caminhada à esmo, como tenho feito neste primeiro semestre. Conversarei com a luz. Seguirei por caminhos abertos e sem aglomeração. Ruas vazias de Sol inclinado a alongarem sombras de gentes e árvores. ‘Bora lá!

*Texto de Junho de 2021