Duas Faces*

Trabalho em eventos. Sou locador e operador de equipamentos de som e luz para bandas e, eventualmente, sou tocador de música mecânica. Não confundir com DJ, que considero uma atividade que envolve o estudo de processos interativos entre as músicas, a transição bem feita entre os andamentos e os temas, além da produção de “tracks”, quando o profissional conhece melhor o trabalho pelo lado da sua construção. Semelhantemente àquele que trabalha na composição de quadros sonoros, trabalho sobre a canção invisível que ouvimos quando uma paisagem se apresenta diante de nossos olhos. Eu me expresso no coletivo, mas percebo que não sou acompanhado por tantos assim. Poucos são os que presenciam harmonia no caos ou fortes rumores de vida na calma visão de um panorama natural. Trabalhei neste final de semana em dois lugares diferentes por dois dias seguidos. O primeiro local, foi em uma sala no 16º andar de um prédio na região da Avenida Paulista, símbolo da expressão do que é esta cidade. Há menos fotos dessa primeira sessão em relação à segunda, porque creio que se tornaria uma “batida” repetitiva e sem nuances, já que estava cercado por todos os lados pelo mesmo diapasão. O segundo, foi na região da Represa Guarapiranga, na extrema Zona Sul, que não parece, mais ainda é São Paulo — seu perfil campestre. Uma de suas faces, de muitas. Pelo caminho e já no lugar, qualquer detalhe me chamava mais atenção do que o apelo urbano me causava. Em cima desses dois temas, espero que apreciem a música visual que estou a tocar.

Região da Avenida Paulista

Pela janela, cercado de cimento e vidro. Ouço conversas de janelas para janelas.

Abóboda no teto do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista
Região da Avenida Paulista

Vista da torre de uma igreja, em meio aos prédios. E, ao longe, à direita, o antigo Banespão, no Centro Velho ou Centrão.

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Ainda manhã, na transição entre o escuro da noite e a claridade do dia que se anunciava, estava a caminho do lugar onde trabalharia mais tarde.

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Estrada, árvores e cerquinha branca…

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Já clareando o dia, a neblina deu a nota neste tema.

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

A luz do dia a “nascer” e o sol a parecer brincar de esconde-esconde com o observador…

Região do Parque Ecológico da Represa da Guarapiranga

Finalmente, o astro-rei se elevou esplendoroso dentre o arvoredo. No entanto, isso é tudo ilusão. Na verdade, o Sol é apenas uma pequena estrela na Via Láctea e é a Terra que se desloca pelo espaço, enquanto gira sobre si mesma. Porém, a canção que ouvimos é bela e queremos ser envolvidos por seu andamento.

*Texto de 2015

Transformação

Transformação

A metamorfose se deu, de início
pelo olhar…
O movimento dela o paralisou.
Como se fotografasse cada gesto,
aprisionou dentro de si a evolução
do casulo à borboleta –
da flor ao céu –
asas da imaginação…

Quis recuar quando suas vozes
ocuparam o mesmo ambiente –
palco de suas atuações…
Percebeu que fluíam sonoras
conversas de palavras
entrecortadas,
caladas…
As lacunas preenchidas de desejos
perfeitos em suas incompletudes.

Quebradas as barreiras –
distâncias de centímetros-quilômetros –
peles sem proteção,
mentes despertas,
liberta de atavismos
e consequências,
o imediato transformado em eterno,
se reconheceram outros,
os mesmos…

Ele,
transmutado
de Jekyll em Hyde,
de homem em lobo,
de mortal em vampiro,
de Clark em Superman –
todos e ninguém,
vivia ausente de si…
Passou a respirar o vácuo
se não aspirasse o hálito da paixão…

Transformação
irremediável,
perigosa,
instável,
liberdade de viajante
encarcerado,
não trocaria o permanente desconforto
do atual caos da criação do mundo
pela antiga estabilidade da morte
em vida…