Rebelião*

Bethânia, na mureta. Embaixo, da esquerda para a direita: Domitila, Dominic e Arya.

— Então, cachorrada, precisamos nos organizar para exigir certas regalias!

— Quem é você para liderar a turma, Bethânia? Eu sou a mais velha aqui!

— Eu sou a queridinha do papai e da mamãe, Domitila! Você sabe disso!

— Eu não gosto de você! Você implica comigo!

— Ah! Desculpa, Dominic… Tenho ciúme! Perco o controle!

Tudo bem! Qual o seu plano? Como é que voltaremos a dormir na sala?

— Vocês, na sala! E eu, no quarto! É simples! Vamos recusar carinho!

— Eu gosto tanto de dar e receber carinho!

— Ah, Arya! Você é tão carente!

— Mas eu gosto…

— Todas nós temos que estar de acordo, Arya!

— Tá bom! Vou me esforçar…

— Ainda bem que ele não entende o que estamos latindo… Tá lá, tirando foto… Ele nos ama…

— Nossa! Ele é tão fofo!

— E cuida de nós! Prepara e dá ração com misturinha…

— E faz um carinho tão gostoso! Olha! Ele vai descer…

— E aí, meninas? Está tudo bem com vocês? Vamos descer?

— Au! Au! Au! Sim! Sim! Sim!

— Au! Au! Quero carinho na cabeça, como só você sabe fazer!

— Au! Au! Passa a mão no meu pelo?

— Au! Au! Eu quero comidinha, de novo!

— Au! Au! Sai de perto dele, Dominic!

*Tentativa de rebelião realizada em 2021

Amor Barato

AMOR BARATO
O amor não custa caro…

Nesta época do ano, em que se fala muito do amor universal, talvez não se perceba que a carência humana nos assalta em todos os sentidos, incluindo os sentidos físicos. Esta parede em ruínas fez parte de um conjunto de pequenos prédios que foram demolidos para dar lugar a um projeto cultural, na região da Avenida Duque de Caxias, perto da Sala São Paulo, no Centrão. Com o tempo e as mudanças na administração municipal, o que seria um centro de arte, transformou-se em conjunto residencial.

Datada de 2014, fico a imaginar o ambiente da qual essa construção fazia parte, imerso à meia-luz, em que homens buscavam o amor material oferecido de forma tão direta. Gosto muito da pintura, apesar de tosca, em que o braço da moça, de fisionomia tristonha, cabelos longos-encaracolados e peito pequeno, indica o caminho para a satisfação dos desejos mundanos.

Descortinada à luz do dia, desprotegida aos olhos dos passantes, afigura-se ainda mais frágil a se considerar as tenebrosas condições às quais ela e suas colegas ficavam expostas. Eu me lembro que relutei em fotografar-capturar sua imagem antes que se tornasse pó, como se invadisse sua intimidade. Agora, permanece viva em minha imaginação e a ela rendo minhas homenagens.