Vem um dos homens e lhe ofende a natureza feminina Silenciosamente rouba-lhe a inocência de menina Determinado e consciente impõem-lhe a boca calada Que quando balbucia a verdade é de pronto velada Sofre a exclusão familiar e ainda a pecha que espezinha De ser além de uma pequena mulher, uma mulherzinha O decreto que apequena a moça a conduz ao descaminho Tenta encontrar na química a sua recompensa, o carinho Nos corpos alheios busca confirmar a dúbia fama E passa a acreditar nos créditos de cinzenta dama Mas como um anjo caído, sabe que pode alçar voo maior Acima do rés do chão, além do horizonte de novo alvor Subjuga o ódio que poderia sentir pelos machos da espécie E ainda consegue amá-los e achar graça além da efígie Prova-se emancipada em carne, osso, mente e espírito Escreve a cada momento a sua história rumo ao infinito Une-se a nós e expande o seu ser de boa influência Confessa-se imperfeita, ainda que seja uma dama de excelência.
há momentos em que me desconfiguro como ser pensante passo a ser um animal que quer não ser apenas agarrar parte de mim me tornar tornado pelo toque me satisfazer por inteiro em frêmito arrepio arrancar galhos folhas troncos raízes árvores bosque sem identidade pedaço de carne seios em pele recobertos corpo esponjoso antros cavernosos lado a lado rios a se preencherem de sangue vou por uma única mão em direção ao prazer solo chão sentido centro-periferia todas as forças concentradas fantasio a outra pessoa em intenção ausência presente feito saudade dor desejo de auto compensação de proximidade consciência da imensa distância entre mim e o sim permaneço em êxtase suspenso resisto à chegada do fim pressão entre os dedos me agarro em respiração profunda permaneço corro é quando por ele eu-falo sou totalmente certeza vigor anima em movimentos cada vez mais rápidos fibras retesadas veias intumescidas talo rigidez da madeira troncos separados imagino invadir a fenda do tempo-templo macio escuro com a delicadeza de quem morre tão livre e brevemente feito vida e voo de borboleta expulsando pelos canais condutores lágrimas de quem chora um choro solitário…
mãe e três filhos desterrados 12 horas de viagem rumo à tríplice fronteira foz do iguaçu mais 6 para chegar ao marido fugitivo exilado posadas missiones argentina estava na casa sua mãe nossa vó dora ex-trabalhadora-do-sexo que deixava o pequeno na parte de fora não diga que sou sua mãe o filho do filho outro menino de cinco anos se lembra de altas palmeiras caminhos de terra mate quente amargo riram quando pediu açucarado convivência com o companheiro da avó militar aposentado homem de chapéu e bigode severo e reto noites estreladas sol forte minha mãe começando a fumar cigarro o amigo que nunca mais a abandonou ao contrário do homem com seus desmandos que a deixou só entre estranhos observando a nós crianças simples pobres alegres nadando nas águas do paraná ao lado frigorífico da cidade cheiro forte carne putrefata carcaças boiando na correnteza banhos de canequinha no quarto em tinas d’água morna esquentada com lenha melhor acostumar nosso banho seria assim por anos um dia voltamos todos sete anos entrei no grupo escolar falando espanhol usando poncho no inverno outros meninos rindo do esquisitinho chamado de orelhudo nunca esqueci meio do ano mudei de bairro de escola escrevi antes que me ensinassem li dois livros antes que a professora pedisse puxava água do poço cortava bofe que fedia comida para os muitos cães moía milho fazia quirela fiz xixi na cama até os oito pai vivia sumido perdia a paciência quando voltava briga entre irmãos por besteira chamar a atenção do senhor me jogou na parede tirou válvula da tv ninguém assiste nada planeta dos macacos nunca vi completo eu era o oitavo homem me sentia experimento cientista maluco desafiava a morte em duelos de florete fazia o z do zorro na cabeceira da cama homem aranha pendurado na beira da laje dormia no corredor acordávamos cedo 4 horas da manhã entrávamos por trás ônibus lotado ficava no motor olhando o motorista uniformizado quepe sapato lustrado mãos destras no câmbio longo com certeza seria motorista hoje nem sei ligar um carro passamos fome vendíamos seres a duras penas à espera das poedeiras ofertarem ovos para comer gostava de abacate com açúcar pãozinho cortado foguete para render bananas das bananeiras goiabas da goiabeira carregada de maribondos amava priscila nossa porquinha cor-de-rosa um dia sumiu por um tempo comemos melhor saído da prisão o senhor da casa nunca voltou para o leito da senhora minha mãe preferiu dormir no galpão do lixo dos objetos dispensados recolhidos nos jardins papéis metais plásticos nossa primeira bicicleta sem pneus um pé de patins aprendi a andar livros eu guardava dava prejuízo lia não trabalhava juntava discos comecei a ouvir bach na velha vitrola o patrão senhor meu pai brigava mas deixava o menino quieto que considerava inepto que amarrava suportes com barbante colava com cuspe no parque infantil mário de andrade eu macunaíma sem caráter formado até os doze na barra funda escola de viver amigos brigas esportes natação futebol um dia se matou professor querido na sala da diretoria depois de atirar na amante servidora que se salvou a culpei criança idiota se metendo em caso de adultos saí de lá para outra história viver meu bairro outra escola chance de mudar meu comportamento minhas violentas certezas outras companhias influências nasci pela segunda vez aos 13 cabeça cheia de tramas e visões através de meus quatro olhos recém adquiridos escrever minha dor preferida.
Eu gosto de escrever, todos os meus acompanhantes mais próximos, o sabem. Sobre este domingo comemorativo, quis permanecer longe dessa voragem causada pela artificialidade de uma data instituída pelo mercado para alimentar o comércio. Manipular sentimentos é a melhor maneira que existe para estimular as compras de objetos que servirão para mostrar o quanto somos agradecidos a alguém de quem gostamos. No mínimo, muitas vezes, ajuda a amenizar a culpa que sentimos por alguma falta que cometemos a quem presenteamos.
No entanto (como eu gosto de utilizar conjunções adversativas!), existem datas que pegam fundo, como a do Dia das Mães ou a dos Pais. Essas datas acabam por expressar a ideia simples porém completa de início de tudo. Todos e qualquer ser de organização celular mais complexa e fecundação sexuada foi gerado por um pai e uma mãe. Espertamente, o próprio “Google” expressou isso de forma exemplar no seu “doodle” animado. Pegos assim de uma forma tão primária em nosso âmago, não há como deixarmos de expressar algum tipo de sentimento quanto a este dia. O meu (sentimento) é contraditório.
Tenho filhas maravilhosas que me realizam como pai, como ser gerador de vidas que fizeram, faz e, tenho certeza, ainda farão diferença na existência de quem tiver a sorte de encontrá-las. Eu as amo por isso e porque as amo independentemente de qualquer coisa. Quanto ao meu pai, a dubiedade se aplica de maneira exemplar. Ele é vivo, mas não o vejo há meses. Moramos perto, caminho por lugares que eventualmente ele passa, entretanto por mais que estejamos juntos, sempre haverá um distanciamento. Tenho pensado muito nele ultimamente, nos momentos que eu me lembro (não foram tantos assim) em que vivemos certa comunhão emocional, a maior parte de cunho aparentemente negativo.
Sinto que devido à idade avançada, ele não estará fisicamente muito mais tempo entre nós e tenho pensado em visitá-lo, ver como está. Talvez para protagonizarmos outra e possível última discussão. Frequentemente digo para alguns que o utilizo como um exemplo a não ser seguido, principalmente quanto a ser um pai presente. Se bem que a presença nem sempre seja indicativo de qualidade. Agradeço que ele, mesmo de maneira ambígua, tenha proporcionado subsídios para que eu e meus irmãos tenhamos casas onde morar. Contudo, filhos são exigentes e querem sempre mais.
Queria que ele não quisesse me ver como um mero apêndice de seus ideais e desejos, esquecendo-se que, apesar de filhos da carne, não somos compulsoriamente filhos do espírito. Que ele não visse que honrar pai e mãe seja pensar o mundo como ele pensa. Que a partir do momento que colocamos esses seres aos quais damos suporte – casa, comida, vestuário, escola, educação (algo diferente de escola) e amor (hipotético) – no mundo, ao mundo eles pertencem. Lugar comum, todavia verdadeiro. De qualquer forma, desejo ao meu pai que esteja bem consigo mesmo, já que foi essa a escolha que fez desde muito tempo. Para todos os pais que sabem qual é o valor da dádiva de ser pai, desejo que recebam todo o amor de seus filhos!
*Texto de 2015 – o Sr. Ortega faleceu em Fevereiro de 2018, sem resolvermos as nossas pendências. Ficou para as outras encarnações.
Em princípio, acredito que o egoísmo seja a base sobre a qual se sustenta o mal – porque não contempla o outro, causa sofrimento e provoca o isolamento…
No entanto, se um ser vivesse sozinho no planeta, sendo o seu único habitante, até poderia se sentir pleno, total. Ao não conhecer outro igual, não teria conflitos nascidos da convivência com alguém que lutasse pelos mesmos recursos, de modo a satisfazer as suas necessidades.
Sartre chegou a dizer que o inferno são os outros… justamente porque os culpamos por nossas deficiências.
O diabo é que, a partir do momento que houvesse, pelo menos, dois indivíduos a ocupar o mesmo espaço, criar-se-ia uma dependência.
Caso essas duas pessoas se apartassem, veríamos surgir a solidão… e a solidão dói, como se tivéssemos a nossa carne rasgada com uma faca cega. Os antigos devem percebido essa dimensão ao assegurarem que um ser teria surgido do corte de parte de outro.
Proponho, porém, que a história seja contada de outra forma: o homem teria surgido de parte da mulher, não ao contrário, porque o completo não nasce do incompleto… ou, se assim não foi, o homem teria sido, apenas, o ensaio de uma obra que seria prima.
*Texto extraído de “REALidade“, de 2017, lançamento pela Scenarium Plural – Livros Artesanais