BEDA / Descascando Cebolas*

Desde que acordei hoje, um tanto tarde, levantei meio melancólico, apesar da noite bem dormida. Estava feliz pelo trabalho no dia anterior que, apesar do frio de 11º C, chuva fina constante e correria, foi a contento. Abri a janela e o ar frio persistia em marcar a sua presença desproporcional, ainda que estejamos no inverno. Desci para tomar café — o dia não começa sem que o café me aqueça —, fui ao jardim conversar com as plantas, o que sempre me faz bem. Elas se deixaram fotografar.

Como já era tarde, fui preparar o almoço Aproveitei que estava descascando cebola e misturei as lágrimas provocadas pelos compostos sulfurados, que se transformam em gases e irritam os olhos, com algumas verdadeiras. Aconteceu sem mais nem menos. Ou, antes, pela a constante falta que sinto de algo indefinível. Ou até que escondo de mim mesmo dar a conhecer. Foram lágrimas que não precisava justificar, enquanto limpava a minha mente de coisas pesadas que repercutem em redes sociais, sem que queiramos ver, mas acabam rebatidas em imagens externas que invadem a nossa existência.

Preferi fazer uma postagem para deixar registrada a simplicidade de um dia de descanso com as minhas próprias imagens. Sempre com a participação de meus companheiros. Não é um descanso comum. O meu tempo não é tão livre, já que com textos a entregar, tenho que produzir. Escrever também é trabalhoso, mas uma “prisão” que é, ao mesmo tempo, prazerosa.

*Texto de 2023, neste mesmo dia.

Foto por mali maeder em Pexels.com

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Meus Ingredientes – Tortilha De Arroz

Quando executamos uma receita, daquelas que tem cheiro e gosto de saudade, viajamos para os lugares, os tempos, as circunstâncias e as companhias que a tornaram tão especial. É o caso da prosaica tortilha de arroz, que Dona Madalena lançava mão quando não tínhamos alternativas no cardápio, o que era comum acontecer na época de dificuldades financeiras da minha família – mãe lutadora, pai perseguido pela Ditadura e crianças alegremente ignorantes de tudo o que acontecia. Com o passar dos anos, mais do que algo que substituísse a falta, era motivo de alegria termos tortilha para o café da tarde ou almoço acompanhado de feijão.

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Tudo depende da quantidade de arroz – aquele que sobrou de um dia para outro ou até dias. Estando em bom estado, não importa quanto tempo foi feito. Acrescento farinha de trigo. Apenas uma porção, talvez 1/3 da quantidade de arroz. Salpico sal e cebola bem picada, para que possa se misturar na massa. Lembrando que o arroz já tem um pouco de sal, mas que deixa de ser tão efetivo devido ao acréscimo da cebola.

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A depender do gosto, pode ser acrescido queijo parmesão ralado, muçarela ou qualquer um que estiver à mão. Quanto mais salgados, menos sal deve-se colocar. No caso de hoje, como só havia queijo tipo padrão, o cortei em pequenos pedaços, que ajudam a compor uma textura interessante, em que o queijo fica derretido no meio da tortilha. Logo após, coloco ovos. Começo a misturar até conseguir obter uma massa, ainda um tanto “seca”, esfarelada.

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Acrescento leite aos poucos, o suficiente para deixar a massa homogênea, após a mistura. Na falta de leite, pode ser usado água. Era o que acontecia muitas vezes quando eu era garoto. A massa tem que ficar de tal maneira que possa ser separada por uma colher de sopa, que dará o tamanho ideal ao salgado.

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Esqueçam o regime quando quiserem comer a minha tortilha de arroz – ela é uma fritura. Hoje, uso um tipo de óleo melhor e tento usá-lo apenas uma vez. Menino, quando comecei a comê-las, a minha mãe não tinha alternativa a não ser reutilizar bastante o óleo com duas ou três frituras anteriores. Muitas vezes, isso as deixava com um gosto diferente – com toque de peixe, galinha ou carne bovina – o que era mais raro.

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Ao final de tudo, quando as faço, quase nunca deixo de perceber algo especial. Introduzi a tortilha no cardápio da família que formei com minha companheira. Minhas três meninas aprenderam a gostar delas e a pedir de vez em quando. Com as suas reações, devido às formas inusitadas que as tortilhas apresentavam após a fritura, revisitava meu próprio encantamento sonhador. Quando decidi fazê-las pela primeira vez, simplesmente compreendi como as heranças passam de uma geração para outra – assimilação empírica-emocional. Além dos ingredientes – alguns mágicos-invisíveis-palpáveis – as porções simplesmente não são calculadas em números, mas em “quantum” de amor…

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