Convivendo Com Desamigos

Trabalho como locador de serviço e operador de equipamentos de som e luz, preferencialmente para bandas musicais que se apresentam ao vivo. O surgimento do Ignominioso Miliciano, uma figura dos porões que se tornou proeminente no cenário político, jogou luz sobre características formativas do brasileiro desde os tempos da Escravidão. Esse modelo de produção de riqueza empreendido pelas classes dominantes da Sociedade – que tem o racismo e a exclusão como formulação ideológica – impera até hoje. Mas na minha análise, de ordem mais geral, não entrava concepções que atravessavam zonas cinzentas dos pensamentos de muitas pessoas, que se sentiam muito à vontade em reproduzir histórias das mais estapafúrdias geradas desde um centro emissor de loucuras. Quanto mais irreais, mais bem recebidas. Qual não foi a minha surpresa em encontrar entre aqueles com os quais tenho contato – instrumentistas, cantores, atores, operadores e empresários do setor – entre os mais abnegados seguidores do novo Messias. Do Caos. Imaginava que sendo de um ramo de atividade ligado à Cultura, um dos mais atacados pela turba do Ignominioso Miliciano, encontrasse resistência a seus argumentos.  

Esse sujeito e seus asseclas propõem posturas próximas do Nazifascismo alemão que tanto mal fez à Alemanha, seus aliados e aos que foram alvos preferenciais da política de extermínio – judeus, homossexuais, ciganos e quaisquer outras raças e de posicionamentos político-ideológicos – que não tivessem respaldo no manifesto “Minha Luta”, de Adolf Hitler, baseado na ascensão na raça ariana como superior. Como numa “salada russa” temática, um tal de Steve Bannon, ex-assessor do ex-presidente americano, Donald Trump e de Olavo de Carvalho, um mistificador-discípulo do Caos, a propuseram como política de reestruturação da Sociedade. Defendem a separação dos escolhidos – com viés religioso – dos demais que não se coadunam com o perfil ideal. São homens e mulheres que se perfilam ao lado dos mandamentos do Patriarcado, com acentuada aversão aos que consideram pessoas com desvios imperdoáveis. Entra aqui a feição hipócrita desse colegiado de pessoas com sérios problemas psicológicos. Frágeis e temerosos de tudo que contrarie um mundo supostamente perfeito e plano como a Terra que formulam. É um reacionarismo que tem raiz na Idade Média, descartando o desenvolvimento e o conhecimento adquirido nos últimos setecentos anos.

São homofóbicos, misóginos, racistas, xenófobos, que desconfiam da Ciência, do Conhecimento, da História e elegem a Cultura como filha espúria dos desvios que deterioram as práticas sociais. No Brasil, uniram-se à ancestral saudade de viúvos e viúvas do Escravismo que dizimou os originários da terra brasilis e jogou os descendentes africanos na vala de cidadãos de segunda classe, fadados a desaparecerem ou se conformarem a assumirem posições especificamente subalternas. Por isso, políticas públicas de atendimento aos desalentados ou de inclusão do maior número possível de estudantes pobres, pretos, mulheres e de outras características não-conformes (mas que constituem a maioria da população brasileira), é vista como inapropriada e foram desmontadas durante os quatro anos do (des)governo do Ignominioso Miliciano.

Em torno dessa figura indigna foi construído um arcabouço que, por mais que causasse arrepios a quem tivesse um mínimo de conhecimento histórico e não se fiasse na massa de informações distorcidas que ganhou o nome Fake News, o colocou como um capitão das causas reacionárias no imaginário de boa parte da população. De acordo com as últimas eleições, quase metade. A minha mais dolorosa constatação foi a de que componentes da nossa Sociedade justamente repudiados por esses líderes, se sentiam felizes em servir de escudeiros da ideologia macabra. Aliás, a tática inicial foi transformar a palavra “Ideologia”, em algo vinculado às demandas da Esquerda. Como ser de ultradireita não fosse um posicionamento ideológico, mas uma espécie de tábua dos dez mandamentos enviadas por Deus (acima de tudo e todos), com prescrições irredutíveis e obrigatórias.

Esses “inocentes úteis” – aqueles que facilmente iriam para o Inferno por carregarem as melhores das intenções – são perigosos porque estão cegos e surdos a qualquer palavra mais conscienciosa, alimentando com lenha o fogo da Inquisição. Um dos que com os quais conversei chegou a falar de que são acusados daquilo que os seus opositores fazem. Em seu perfil ostenta o lema “Eles estão cegos e surdos”. “Eles”, somos nós que os contestam. Certamente, ao não ver o que veem, a não ouvir o que ouvem – uma espécie de visão messiânica a um deus do mal – nos colocamos como desprovidos dos mesmos sentidos que os conduzem.

Para que não tenha dúvida quanto ao que eu considero como certo e reto, utilizo réguas que me posicionam como utópico – solidariedade, compaixão, inclusão, união, equanimidade de oportunidades, igualdade de direitos, justiça social, incorporação das diversidades de gêneros e identidades – permeado pela Democracia, o único sistema que por mais que cause conflitos, é o que garante a representação de todos os posicionamentos, incluindo os conservadores. A única exclusão que faço é aos intolerantes. Se aceitarmos que continuem a professar a sua plataforma de ódio e opressão, com o tempo, causam cizânia, violência e a destruição da Democracia.

Quanto ao Utopismo, não há contradição entre desejar o máximo possível e alcançar o mínimo possível. Somo humanos, erramos. Na minha atividade profissional, não posso escolher com quem trabalhar. Quer dizer, numa situação especial, sabendo quem era o contratante, decidi abrir mão de atuar. Não conseguiria, sabendo o que sabia, estar voluntariamente no mesmo espaço que o sujeito, um ideólogo defensor ativo da violência como modelo de atuação. Não ponho a minha cara para bater ao confrontar meus colegas. Muitos, deixei de seguir ou bloqueei. São vários artistas do qual admiro o trabalho, mas que ao perceber que não adiantaria tentar provar a estúlcia do que defendem. Piso em ovos para não ofender quem acredita em exército chinês estacionado em quartéis no interior do País, de que a Pandemia de Covid-19 é uma imensa tramoia de entidades internacionais envolvendo políticos de esquerda, Bill Gates, Jeff Bezos, China, Coréia do Norte, para impedir o sucesso dos governos Trump, americano, e do ex-presidente do Brasil. Em tentativas de enfraquecê-los politicamente, para citar apenas dois exemplos de postulantes ao extremismo de Direita.

Não deixa de ser uma “boa” teoria de conspiração, entre tantas que surgem todos os dias, que tenta explicar o conteúdo pelo continente. Que busca colocar a terra plana como plausível, que desestrutura o que foi construído porque creem que a fundação está mal alicerçada. Essa busca pela revolução incendiária e sangrenta apenas separam mais as pessoas. A Educação como plataforma permanente de governo é uma das soluções praticáveis mais óbvias, mas demanda tempo e muitas vezes não é objeto de investimento, desconhecendo o sucesso de outros países quando a implementaram. A quem chore de saudade de um Brasil que se reinventa sempre o mesmo, como drama antigo, tão clássico quanto canhestro. Este tempo que atualmente vivemos é, de certa forma, também um lugar distante. Nele, estamos num País – injusto e desigual – que não deveria existir mais e o para o qual nunca mais devemos voltar como modelo…

Observação: diferente da Lunna Guedes, que respondeu direto para uma “seguidora” em   A Guerra de todos contra todos, sei que meus colegas de trabalho não lerão este ensaio. Duvido que leiam algo que eu escreva ou mesmo que “percam tempo” lendo uma crônica ou um livro de qualquer autor. A maioria prefere receber via pílulas “informativas” – venenosas, rápidas e digeríveis – de fontes “confiáveis” que o trazem notas “verdadeiras”. Ou, pior, ainda que saibam que não sejam, mesmo assim passam adiante, porque é naquilo que creem, mesmo sem provas. Porque é preciso usar todos os expedientes para implementarem a visão de mundo que os definem – estranho, disfuncional e mortal.

A Terceira Onda E O Efeito Dallas

Fila de vacinação em Duque de Caxias, RJ, com espera de cinco horas e consequente aglomeração (Fonte: O Globo)

Nosso país está diante da enorme possibilidade de viver uma terceira onda de casos de Covid-19, que já partirá de um nível alto de ocorrências. E não será porque queiramos imitar o que já aconteceu na Europa, mas porque parece que o nosso espírito “macunaímico” nos impede de que sejamos prevenidos ou suficientemente articulados para adotarmos estratégias de sobrevivência saudável. Essa seria uma boa desculpa. Macunaíma é um herói sem caráter, não que seja intrinsecamente mau. Ele se parece mais com uma criança recém nascida que, por estar ainda em formação, aparenta ter nenhum caráter. Dessa maneira, se exime de culpa, já que assim como um incapaz, não é responsável jurídica e civilmente por qualquer falta. “Não é minha culpa, é de outros!” é a desculpa usual da criança peralta que comete alguma traquinagem.

Quando vemos uma situação se repetir sucessivamente estabelece-se um padrão. Quando se trata de uma conjuntura importante e potencialmente letal, é nosso dever nos defendermos. Diz-se popularmente que a pessoa inteligente aprende com os próprios erros, a pessoa sábia aprende com os erros dos outros. Quando advertimos aos jovens que não ajam de tal e tal maneira porque sabemos que o resultado não será bom “meu filho, vai dar ‘ruim’!” é comum a resposta ser: “pai, mãe, aconteceu com vocês, não acontecerá comigo” ou “eu não sou vocês, deixem eu viver a minha vida!”. O fato é que quando alguém quer fazer algo, quando o desejo se faz imperativo, não há nada que impeça o bom senso, os possíveis efeitos perniciosos para si ou as consequências desastrosas para os outros simples assim.

Se falamos de crianças que podem aprender a se comportar com o tempo ou de jovens em processo de amadurecimento é uma coisa. Quando versamos sobre adultos com vontade de fazer o mal e poder de materializá-lo é outra. Antes, o atual Governo Federal Brasileiro era reconhecido apenas como incompetente nas áreas de atuação governamental básicas, mas para quem soube identificar o perigo que o bando representava muito tempo antes de ter sido colocado na posição que ocupa, tem consciência de que havia um projeto de destruição do país, em suas diversas áreas. O que me espanta é a desfaçatez com que o plano é posto em prática e o fato de ainda arregimentar apoiadores pessoas de “bem”. De uma parte, com a defesa comprada à soldo junto aos representantes do povo no parlamento. De outra, com a anuência de quem fecha os olhos para o mal e absolve de antemão, não importando o resultado, todos os atos e omissões do Ignominioso e seus asseclas. É como se pudéssemos compreender embrionariamente o que se desenvolveu na Alemanha nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, assim como a compreensão cabal do que Hannah Arendt quis dizer com a expressão “banalização do mal”.

Que uma porcentagem de cidadãos colabore com um projeto genocida não é inédito na História mundial. Já vimos isso acontecer antes. Mas nunca imaginei, nem em meus piores pesadelos, que isso viesse a ter sucesso no Brasil. Dentro do desgoverno brasileiro há pessoas que seguem a “cartilha da destruição” criada por um louco influente entre os filhos-numerais-cardinais do Ignominioso e que estrutura todas as tomadas de decisões levadas avante durante a Pandemia Olavo de Carvalho. Parece o enredo de um filme de terror distópico se não tivéssemos protagonizando a trama como simples coadjuvantes, tendo como resultado final o cheiro putrefato de quase meio milhão de mortos.

A falta de controle na gestão da crise sanitária causada pela SARS-COV-2, as idas e vindas (propositais) quanto aos rumos a serem tomados no combate à Pandemia: a falta de medidas preventivas eficazes, como o distanciamento social e o uso de máscara, substituído pela propaganda de remédios sem efeitos corroborados por estudos científicos sérios cloroquina e ivermectina , além da falta do suporte de um auxílio emergencial razoável; a criminosa protelação do uso de testes de Covid-19 até ocorrer o término do prazo de validade; a recusa em anunciar o número de vitimados pela doença, tanto infectados quanto mortos, o que impediria seu controle eficaz; a omissão quanto a compra de vacinas antecipadamente, sem respostas aos produtores dos imunizantes; o ataque aos prefeitos e governadores que promoveram ações preventivas; a troca de ministros da saúde como se fossem jogadores de futebol machucados e a adoção da ideia estapafúrdia de “imunidade de rebanho” que viria a “dar certo” somente quando morressem milhões de brasileiros. Tudo isso se houvesse apenas um tipo do vírus causador da doença. Contudo, eis que o vírus parece ser mais “inteligente” do que homens que se auto intitulam como tais e criam variantes que são mais letais do que as anteriores. Como a brasileiríssima amazonense e a indiana, diagnosticada em tripulantes de um navio malaio que aportou esta semana no Nordeste e que já foi detectada em outros pontos do País.

Se estivéssemos em processo de vacinação em massa, com pelo menos um milhão de imunizados todos os dias, teríamos como esperar que o Brasil voltasse a ter uma vida quase normal até o final do ano, como prometeu o atual perna-de-pau no time do ministério da doença. Considerando o ritmo vacinal de hoje, terminaremos de imunizar os adultos somente em 2023. Mas o Ignominioso, num movimento que alguns interpretam como cortina de fumaça, mas que para mim é de incendiário, voltou a ofender o principal fornecedor de imunizantes do mundo, fazendo com que a China atrasasse o envio de insumos IFAs para a fabricação da Coronavac (Butantã) e da AstraZeneca (FioCruz) como uma espécie de advertência diplomática, anunciando que destinará apenas um terço do programado.

O objetivo óbvio da quadrilha no poder é o de evitar o protagonismo de um inimigo político, não importando quantas vidas sejam perdidas por causa disso. Com a interrupção dos insumos, vivemos uma espécie de apagão, um hiato na vacinação que tem como resultado o avanço das variantes em todas as regiões. O que é um desastre para o País, veio a calhar para o desenvolvimento da “política” de fazer “passar a boiada” decretos que desmantelam gradativamente projetos sociais e conquistas justas obtidas pela sociedade civil organizada além de promulgar a destruição do meio ambiente. Devemos ficar atentos quando os milicianos filhos e pai se contorcem ao ser citado o Rio de Janeiro como um dos locais em que se dá a malversação de fundos ligados ao Ministério da Saúde. A “famiglia” atua diretamente na região. E como dizem os americanos “follow the money” e poderemos encontrar o lado B da corrupção. Acabamos por conviver com dois tipos de vírus que penetram no corpo da nação e nos destroem de dentro para fora.

Porém, há algo que o Ignominioso não poderá evitar e que, com o tempo, provocará a sua ruína e a nossa redenção algo ao qual chamo de “Efeito Dallas”. Dallas foi uma série americana que durou de 1978 a 1991. Era centrada nas tramas espúrias em torno de uma grande e rica família texana os Ewings que lidava com petróleo e gado. Com o tempo, o enredo trouxe para o centro a personagem de J.R., cujos esquemas e negócios obscuros se tornaram a marca registada do seriado. Sucesso no mundo todo, os governantes albaneses, promotores de uma República fechada em si mesma, controlada com mão-de-ferro por Enver Hoxha, decidiu que a produção americana era um bom exemplo da decadência moral capitalista e permitiu que fosse exibida no país. Para além das veleidades cometidas pelas personagens em nome do deus dinheiro, o povo albanês percebeu que, apesar das diferenças socioeconômicas, mesmo os empregados tinham casas razoavelmente confortáveis, aparelhadas com eletrodomésticos e automóveis na garagem.

A defasagem entre os estilos de vida na América e na Albânia deu ao povo albanês a consciência de haver uma outra possibilidade de viver menos austera. Um triunfo inesperado do Capitalismo, apesar dos esforços em demonstrar a decadência moral do “american way of life”. Isso ajudou na mudança do regime, principalmente depois da morte de Hoxha, em 1992. No Brasil, o “Efeito Dallas” está em andamento e, paulatinamente, mostrará a discrepância entre a política negacionista do Governo Federal e a de países como os Estados Unidos, de Biden, defensor da vacinação massiva de seus cidadãos. Graças a isso, os Estados Unidos estão reabrindo a economia e voltando ao estágio anterior de convivência social. Mais do que as negações dos governistas em seus depoimentos na CPI do Senado sobre as ações e omissões do Ignominioso e sua gangue, por comparação acabará por ser demonstrada a atuação danosa ao longo desse processo angustiante para as nossas famílias, através da contaminação monstruosa da ideologia assassina ora implementada. Espero que sobrevivamos para ver surgir um amanhecer menos tenebroso em futuro próximo.                                            

Eike & Trump*

Eike Baptista & Donald Trump

Eike Baptista está a negociar sua volta ao Brasil. O que pega é que, apesar de toda a fortuna que acumulou, o referido senhor não tem diploma universitário. Ou seja, menos do que a sapiência em determinada área que o estudo deveria promover, ele se tornou, eminentemente, um experto em ganhar dinheiro. E carrega, certamente, a esperteza necessária para tal, também. É brasileiro e carrega igualmente a cidadania alemã. Mas na Alemanha, onde começou a carreira de acumulador de riqueza, dificilmente encontraria o ambiente propício para multiplicar em milhares de vezes o numerário de que dispunha.

De início, eu acho terrível que haja essa distinção entre os tipos de cadeia: uma para quem tem e outra para quem não tem curso superior. A cadeia deveria ser boa o suficiente para abrigar a ambas categorias de infratores, sem diferenciação. Aliás, está na Constituição que a prisão deva ser um local de recuperação do detento. Ou seja, a pressupor que a Educação seja um meio de elevação do espírito humano, a regra comum é que a internação compulsória deveria servir idealmente como tempo do aprendizado — em diversos níveis — sobre o funcionamento da sociedade e seus limites de convivência. Quem tem terceiro grau, normalmente mais instruído, deveria ter, igualmente, a capacidade de distinguir entre o certo e o errado. Mas sabemos que isso é uma falácia. Caso contrário, não veríamos ignorantes educados nas melhores escolas, como Trump, a pregar a ignorância como bandeira política, ter sucesso em seu intento de ascender ao poder.

Por algum contexto sombrio, o surgimento da figura do Trump como um modelo a ser seguido vejo associado ao de Eike, de forma indelével. Eles são resultado do pior que pode gerar a crença em valores absolutos, sem distinção ideológica. A ver que algumas das propostas do presidente eleito da “maior democracia do mundo”, como se intitulam, se parecem bastante com a de ditadores de regimes fechados, à esquerda e à direita. E Eike só chegou onde chegou com o auxílio de sócios no Poder Governamental brasileiro. Alguns estão presos. Outros, serão. E isso é uma novidade nesse jogo do poder realizado entre grupos fechados, sob os auspícios de conchavos políticos-econômicos-partidários escusos, sob a luz bem clara de escritórios palacianos como norma de todos os que se assentam à cabeceira da mesa e ao lado dela há séculos.

Vaticino aqui que o próprio Trump está a cavar o seu impedimento, caso não venha a alterar as diretrizes que está a cumprir como promessas de campanha, como a não homologação do Tratado Comercial Trans-Pacífico. A China, agora, vai deitar e rolar. A sua hegemonia vai crescer enormemente. Daqui a algum tempo se verá os malefícios dessa medida para a economia norte-americana. Serviu para elegê-lo, quase como um voto de protesto contra os políticos tradicionais, fenômeno que vemos acontecer em vários países democráticos. As pessoas querem respostas imediatas aos problemas que as afligem, como a segurança, a saúde e a economia. Aqueles que apresentam as respostas mais fáceis, que são geralmente as mais diretas e irrefletidas, obtém sucesso imediato, com resultados normalmente funestos.

O Eike já foi apontado, inclusive por alguns de nossos governantes, como exemplo a ser seguido como perfil de empreendedor de sucesso. Os artifícios que utilizou para aumentar a sua fortuna funcionou muito bem no ambiente historicamente corrompido que temos em nosso País. Estranho é que o nosso povo sem Educação formal de qualidade, a ponto de aceitar com naturalidade a premiação de quem tem curso superior com uma prisão com benesses em relação ao deseducado sob os cuidados do Estado, ao mesmo tempo não se importa de verem as suas cabeças cortadas à luz do dia apenas porque estejam encarcerados semelhantemente, veja chegar ao poder na parte de cima do Continente Americano, superiormente desenvolvido economicamente, o mesmo tipo que elegemos constantemente por aqui — Salvadores da Pátria.

*Texto de Janeiro de 2017

Correios & Correias*

Correios

Encomendei um produto pelo Mercado Livre e fiquei agradavelmente surpreso pela facilidade de trânsito entre as partes – o ML, como meio de venda e o produtor do item. A Internet é uma faca “de dois legumes”, como diria o filósofo Vicente Mateus, mas que bem utilizada, facilita as transações econômicas, principalmente em um mundo baseado no livre comércio, como até a China percebeu.

Contudo, todavia, mas, porém, como já cantou Rita Lee, estamos no Brasil. E estamos ainda enclausurados em feudos – coisa de Idade Média – que impedem que a Revolução Francesa traga os seus benefícios, ainda que já tenha se desenrolado há mais de duzentos anos. Vivemos em um sistema de castas e cartórios, localizados em marcos e condados. A nobreza (adquirida ou comprada) monopoliza setores inteiros no Brasil e ainda dita as normas nestes rincões.

Um desses monopólios são os Correios. O produto que solicitei foi disponibilizado dia 21, com a promessa de entrega entre 26 de outubro e 3 de novembro. Ou seja, tivemos que, aqui em casa, montar um sistema de revezamento na expectativa do recebimento do produto pago à vista. Como não havia chegado até a data prometida, rumamos para a central de distribuição da Zona Norte de Sampa, distante cerca de 12 Km da minha residência. Trabalho normalmente á noite e fui deitar às 4h30. Tive que acordar ás 8h, para poder chegar logo na abertura dos Correios, as 9h, com duas horas de funcionamento, no sábado, até às 11h.

Com o número de envio do produto em mãos, que eu soube ser necessário para quem mora onde eu moro, pude resgatar o item que comprei para incrementar o meu negócio. É um investimento para que possa melhorar o meu serviço. Durante a chamada crise, investi pesadamente em insumos para que pudesse continuar o meu trabalho, ainda que tenha que realizar um esforço triplicado para manter o mesmo nível de rendimento.

No guichê dos Correios, a funcionária, apesar de não solicitar, tinha uma desculpa na ponta da língua, quando percebeu que eu estava contrariado com aquele imbróglio. Informou que a entrega para a minha região era feita sob escolta de uma empresa de segurança. Respondi que sabia que morava em uma área de risco, que nem o Uber atendia, mas que nunca sofrera nada por lá, enquanto já fora quase assaltado no Morumbi. Ela retrucou que não era apenas isso. A escolta era necessária durante todo o percurso das mercadorias. Nesse caso, qualquer ponto do trajeto poderia ter o veículo interceptado e ter a sua carga roubada. Então, o problema deixava de ser de segurança pública em um ponto específico, mas em toda a cidade.

De qualquer forma, o fato de ser um serviço monopolizado, impede a agilidade de um setor fundamental para o incremento de negócios – pequenos, médios e grandes – a distribuição de mercadorias do produtor ao consumidor. Enquanto o crime se organiza, inclusive ocupando setores importantes da sociedade, via legislatura, judiciário e administração pública, ficamos atados por correias que emperram o nosso desenvolvimento. A sociedade está refém de um sistema que assalta por fora e por dentro. Afinal, até o Fundo de Pensões dos próprios Correios sofreu desvio de seus recursos por antigos administradores. Seus funcionários (que até outro dia estavam em greve), são obrigados a retirar uma porcentagem a mais de seus vencimentos para cobrir o rombo.

As correias, na mecânica, são cintas feitas de materiais flexíveis, normalmente camadas de lonas e borracha vulcanizada, que servem para transmitir a força e o movimento de polias ou engrenagens de um motor. No entanto, encripadas, impedem um motor de funcionar. Correios sem agilidade e correias sem função, palavras quase sinônimas, vêm a constituir alguns dos fatores do nosso atraso como País.

*Texto de 2017.

Permanente

Permanente

Em 2017, diante de mais uma das crises que me fazia duvidar de nossa espécie, escrevi sobre o entardecer daquele maio: “Relutei em postar essa imagem do crepúsculo de hoje. Em tempos de ideais crepusculares, que precisam da violência para serem impostas a quem pensa de forma diversa, me pareceu talvez uma atitude insensível. No entanto, devo sempre render a minha homenagem ao que é permanente e belo, apesar dos seres humanos”.

Atualmente, em maio de 2020, passamos pela pandemia de Covid-19. As previsões, para São Paulo, diante do índice de isolamento social, abaixo de 50%, é que a pandemia se espraie até outubro, com tempo de isolamento provavelmente estendido. Porém, há uma constatação que apenas alguns poucos consideram e alertam: estamos todos juntos nessa situação ̶ não somente a cidade, mas o Estado, o País, o continente, o mundo.

Um vírus que deu as caras na China pela primeira vez em meados do ano passado, hoje ataca pessoas no interior do Amazonas ou nos confins da Patagônia. Por lá, por causa de um churrasco, um grupo de pessoas furou o isolamento social imposto desde meados de março na Argentina, espalhando a doença pela pequena Loncopué, de 6.000 habitantes. As autoridades locais decidiram fechar acessos ao vilarejo, após o registro de duas mortes pela Covid-19 e ao menos 40 casos confirmados da doença.

Enquanto não houver um trabalho conjunto de todos nós, de todas as latitudes e paragens, para o combate a uma enfermidade de proporções planetárias, sofreremos coletiva e individualmente. Mesmo sendo o mais óbvio, isso não impedirá que haja oposição a certas proposições que passam pelo estabelecimento de políticas contrárias a muitos mandatários, preocupados muito mais em atender a interesses corporativos do que públicos.

Um típico político é vaidoso. Vaidade exacerbada pelo egoísmo e por certo sentimento de baixa autoestima. Que muitos deles queiram se opor à pandemia e contestar a realidade que se impõe é bastante sintomático dessa expressão de ser. Ainda que não entendam com o que lidamos, querem o protagonismo, mesmo que suas posturas estejam aquém do sensato. Porém, devemos salvaguardar as exceções, aqueles que demonstram espírito público e pensam à frente.

Felizmente as atualizações das nossas crises institucionais são solenemente menosprezadas pelos crepúsculos ̶ em entardeceres um após o outro ̶ referendando nossa condição passageira com a sua permanente beleza. Talvez, essa seja a maior esperança do planeta Terra ̶ de nos tornarmos passado.