BEDA / Anhangabaú*

Vindo do norte, rumo ao sul, adentro o túnel do Vale do Anhangabaú e tudo parece adquirir um tom imaginário no crossover de luzes, metais e cimento. Originário do Tupy-Guarani, Anhangabaú vem de anhanga-ba-y, que significa rio dos malefícios do diabo. Os povos originários da região acreditavam que aquele riacho de águas escuras provocavam doenças físicas e espirituais. Provavelmente, devido ao fato de serem um tanto paradas, as águas eram propícias como criadoras de mosquitos.

Ainda hoje, na época das chuvas, o antigo rio, mesmo canalizado, retoma a sua antiga rotina de atormentar a vida dos moradores de São Paulo das Terras de Piratininga, inundando e impedindo por carro a passagem subterrânea de um lado para o outro da cidade.

*Foto e texto de 2011.

BEDA / Último Pensamento

tudo poderia ficar para depois
mas as lembranças não adiam a estadia
enquanto os esquecimentos fazem morada permanente
não há mágoa mas há
para mim vivo não dias porém eternos minutos
passo a passo e em cada um deles para cada memória
aleatória
uma parte de sombra e perdas
porque não fui feito para interagir mal consigo
lhe dar comigo me olvido de mim
esqueço quem sou
para onde vou
não sei de onde vim
me sinto apartado do mundo mas nele vivo
quantas vezes no chuveiro olho para os meus pés
em contato com o piso alagado de reminiscências
que escoam pelo ralo
a água é meu elemento preferido principalmente a salina
nas ondas peito os enfrentamentos e afogo
meus desejos enquanto os afago
sim
eu os tenho sou movido por eles os refuto conscientemente
ainda que os concretize
na temporada junto ao mar chuvas constantes
raios que matam e ferem
após um dia em inquietude desejei ir para a areia
tarde em escuridão de nuvens carregadas
efeitos de zcas el niño la niña seres humanos
apesar disso entrei oceano adentro
me banhei de penitência pensando que talvez morresse
cercado de solidão a minha miopia imperante
meus últimos pensamentos na desconhecida
de todos
visão para outro estado de ser
talvez morresse naturalmente
fulminado por um raio
mas sobrevivi para continuar
a magoar…

Foto por cottonbro studio em Pexels.com

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

Último Pensamento

ÚLTIMO PENSAMENTO

tudo poderia ficar para depois
mas as lembranças não adiam a estadia
enquanto os esquecimentos fazem morada permanente
não há mágoa mas há
para mim não vivo dias porém eternos minutos
passo a passo e em cada um deles para cada memória
aleatória
uma parte de sombra e perdas
porque não fui feito para interagir mal consigo
lhe dar comigo me olvido de mim
esqueço quem sou
para onde vou
não sei de onde vim
me sinto apartado do mundo mas nele vivo
quantas vezes no chuveiro olho para os meus pés
em contato com o piso alagado de reminiscências
que escoam pelo ralo
a água é meu elemento preferido principalmente a salina
nas ondas peito os enfrentamentos e afogo
meus desejos enquanto os afago
sim
eu os tenho sou movido por eles os refuto conscientemente
ainda que os concretize
na temporada junto ao mar chuvas constantes
raios que matam e ferem
após um dia em inquietude desejei ir para a areia
tarde em escuridão de nuvens carregadas
efeitos de zcas el niño la niña seres humanos
apesar disso entrei oceano adentro
me banhei de penitência pensando que talvez morresse
cercado de solidão a minha miopia imperante
meus últimos pensamentos na desconhecida
de todos
visão para outro estado de ser
talvez morresse naturalmente
fulminado por um raio
mas sobrevivi para continuar
a magoar…


Projeto 52 Missivas / São Dias De Olhar Pelo Buraco Da Fechadura…

E o que vejo pelo buraco neste primeiro quarto… de século, Gaia?

Próximo a mudança das estações, mais uma invasão. Homens, tanques, mísseis, blindados, irmãos matando irmãos. Passado o primeiro mês da guerra, não há solução na linha do horizonte…

Enquanto neste quadrante, a invasão de biomas inteiros aumentam dia-a-dia desde há muitas estações com motosserras, fogo e tratores, reduzindo a cinzas no solo empobrecido ou arrancando nossas irmãs árvores de seus lugares de origem para servirem aos que se intitulam senhores de seu corpo. Mais um efeito do Patriarcado, não importando a ideologia?

O clima tem se modificado, como sabe, por nossas interferências indevidas no fluxo natural da vida. Os ciclos não se cumprem, a não ser o de guerras de tempos em tempos para lembrarmos o quanto é fátuo matar e morrer por causas delirantes e ilusórias. Enquanto isso, a ferimos inoculando veneno em suas veias-rios, agredindo os seus úteros-mares, os entulhando de lixo.

Armamos armadilhas improvisadas as quais chamamos de casas em encostas de zonas degradadas que certamente virão a ruir mais cedo ou mais tarde. Ou próximos de nascentes e mananciais de água, as degradando. Sempre achei corajosa a opção de pessoas virem a viver em zonas com possibilidade de terremotos, como os residentes da cidade de São Francisco, localizada sobre a Falha de San Andrés. No Brasil, não é opção, mas falta de…

O buraco da fechadura tem se alargado e o que era para ser reservado e preservado, é escancarado e arrancado como se fosse infindável. Sei que nosso estilo de vida causa a morte de nossos companheiros de jornada. E que esse cortejo de seres extintos nos levará à nossa própria extinção.

O que eu especulo é se conseguiremos sobrepujar nossa atração pelo abismo e pararemos para voltarmos a nos conectar na mesma vibração que seu corpo emana, quando nos sentiremos como células-filhas acolhidas em seu corpo luminoso de azul.

Gaia, até onde deixará que iremos antes que faça o que for preciso para sobreviver?…

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes