L, de Livro. L, de Luta.

Quando abrimos um livro, literalmente cometemos um ato revolucionário. A revolução está no simples fato que ler é uma ação libertária. Envolve vários investimentos como tornar acessível a leitura através de produtos mais baratos na ponta final. Mas que se inicia por um investimento precípuo – a Educação. Aprender a ler e a escrever é um direito do cidadão, constante na Constituição Brasileira. E o atual Governo Federal tem agido no sentido contrário.

A política educacional em curso menospreza o ensino universal de qualidade. Quer torná-lo somente um apêndice na produção de servidores aptos o suficiente para trabalhos técnicos ou com capacitação de serviçais mais instruídos, mas até certo grau. Produção de aprendizes e funcionários eficientes, obedientes, que não conteste o Sistema que, afinal, os sustenta no limite do consumo básico. Para que alcancem mais, são consumidos em sua humanidade – sem tempo para si e para a família. O que deveria ser apenas uma etapa para o desenvolvimento profissional do cidadão, se torna permanente. Não é incomum que os patrocinadores desse estilo de vida autofágico reproduzam a máxima: “O trabalho liberta” ou “Arbeit macht frei” – como colocada na entrada dos campos de concentração nazistas.

Sei que o trabalho dignifica. É uma expressão de autonomia e meio de progresso pessoal e econômico. Mas da maneira que está estruturado, aliena e é um meio de exploração dos depauperados pelos mais aquinhoados. Eu não tenho medo de trabalhar. Gosto de ser um prestador de serviço no setor da produção de eventos. Quem vê o sujeito que, apesar dos 61 anos, carrega, sobe e desce escadarias, monta sistemas, opera mesas de iluminação e sonorização, talvez não imagine que eu tenha passado pela Universidade, em três cursos diferentes.

A questão principal é que tenho um posicionamento que nunca aceitou as coisas da maneira que estão. Na USP, estudar História deu ensejo que entendesse que a violência é a linguagem primordial de sua construção. Depois de 522 anos de invasão de Pindorama por europeus, contemporâneo do atual estágio de violência em que matamos os povos originários; invadimos e expropriamos as suas terras; discriminamos brasileiros por raça ou condição socioeconómica, negando condições de desenvolvimento e alcance da cidadania, me angustia. Não posso ficar sem denunciar as discrepâncias que perpetuam a indignidade patrocinada por uma elite econômica espúria e tacanha.

Os livros propiciam reflexão, aprofundamento do conhecimento e fixação do saber. É um processo dinâmico que opera de dentro para fora, buscando evoluir em constante sinergia. Ao mesmo tempo, é entrópico, causando desordem aos padrões pré-estabelecidos no arranjo pessoal e social conveniente ao funcionamento do ordenamento cristalizado em faixas que bem poderíamos chamar de castas – como o existente na antiga Índia.

Basicamente, o leitor, evolui como ser pensante, estimulando uma série de repercussões que obrigam à otimização das regras sociais – empenhando-se em torná-las mais saudáveis e progressistas. Os livros causam tanto estrago ao status quo que os mesmos que defendem a utilização das armas físicas, os queimariam em praça pública de bom grado. Outra possibilidade que a História reproduz de tempos em tempos em regimes ditatoriais ou autocráticos, como sempre foi o objetivo do inominável. Não foi à toa que o setor da produção literária foi um dos mais prejudicados com aumento de impostos na atual administração.

Sou escritor, mas não prescindo da leitura de outros escritores. Não há como criar sem lidar com a criação de vários autores. Compreendi que nunca deixamos de aprender a escrever. Assim como apenas ser leitor não significa que alguém se torne mais sábio por ler. Talvez, mais ilustrado. Muitas vezes, um falso lustro que é utilizado para separar as pessoas em vezes de as unir. De antemão, entra em pauta outras qualificações humanas ligadas ao caráter e à cultura formadora. Quando encontramos defensores da ideia de que as coisas são o que são desde o começo dos tempos e que tudo deva permanecer da forma que está, não é apenas conservadorismo, mas reacionarismo.

Ler não é suficiente, mas escolher o que ler é decisivo. O gosto e as inclinações pessoais pesam na escolha. Há pessoas que, por mais que absorvam conhecimento, se direcionam na defesa de causas opressoras. Assim ler a Bíblia ou “Minha Luta”, de Adolf Hitler (ídolo do tal), não são por si obras que operem transformações no sujeito. O perfil cultural que o emoldurou exerce um peso maior. Essas leituras tanto podem servir de base de estudos para a compreensão da Sociedade humana na busca de soluções ou interpretações como pode levar o seu leitor a se tornar um adepto de concepções prontas e deturpadas.

Aprender a interpretar textos em condições de compreendê-los em todas os seus aspectos e transmitir o conhecimento adquirido de forma clara e consciente é libertador, se buscamos o desenvolvimento de uma sociedade igualitária. Isso é algo que me move, ainda que permaneça em frequente estado de espanto por conhecer a baixeza e a ignomínia as quais os seres humanos são capazes para manterem modelos de convivência injustos. Um dos livros que mais me impressionou foi “Invasores De Corpos”, de Jack Finney, originalmente lançado em 1954. Quando o li pela primeira vez, já havia assistido o filme de 1978, de Phillip Kaufman. Porém, o livro apresentou facetas mais ricas, apesar de ter gostado bastante do argumento do filme e sua execução.

Assim, ocorreu outras tantas vezes em outras produções porque interpretar palavras de uma obra original nos traz dimensões inéditas – mais interativas – da mensagem que o autor quis passar. Ver o argumento do livro de distopia fantástica de Jack Finney ser reproduzido ao vivo diante dos meus olhos como o que acontece atualmente com os seguidores de um sujeito que se auto intitula “mito” é, ao mesmo tempo algo tão temerário quanto autoexplicativo. Somos um povo crente em mitologias. Quanto mais estranhas, melhor. Quanto menos inverificáveis, mais aceitas.

Defender um passado que é baseado na manutenção da opressão social como modo de funcionamento e que, mais cedo ou mais tarde, se volta explosivamente contra a própria Sociedade é uma ação autodestrutiva. O aumento da criminalidade é indicativo disso. Não apenas abrir um livro garantirá encontrar o equilíbrio para que consigamos reformar os atuais parâmetros que exclui cidadãos de benesses tão simples quanto direito à liberdade, à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, à existência digna. É determinante que desenvolvamos senso crítico para questionarmos todas as situações dadas como definitivas. É uma tarefa árdua, diária, nos defendermos contra os tomadores de corpos e de mentes que desejam ver reproduzidas ad eternum as nossas mazelas como algo que devamos nos orgulhar. Com L, de luta, que lutemos para superá-las!

Sobre Assaltos E Assaltos*

Modelo de celular de 2013

Frequentemente, captamos no ar a perplexidade de brasileiros que se sentem melhor, mais confortáveis fora do país do que nele. É como a situação daquele garoto que se sente mais aceito na casa do vizinho do que na da sua família. A reação que temos com relação aos fatos do cotidiano pode nos levar a querer abandonar o barco, já que a nítida sensação é de que ele esteja afundando.

Com o passar do tempo, e às vezes por conta de características pessoais, alguns tem a tendência de olhar o que nos rodeia de uma forma mais abrangente. Acrescentando de que o nosso país foi “fundado” por colonizadores europeus que fizeram aqui o que em seus países nunca ousariam, observo que criou-se a máxima de que “não existe pecado abaixo da Linha do Equador” para justificar certas ações. A frase, de meados do Século XVII: “Ultra aequinoxialem non peccari”, em 1973 ganhou o gingado de um frevo tendo como autores Chico Buarque e Ruy Guerra, feita para a trilha sonora da peça Calabar – Elogio à Traição.

Somos um país jovem, um pouco mais de 500 anos, em comparação a outros que contam com 2.000, pelo menos, para ficarmos apenas na Europa. Isso não impediu que até há pouco (em termos históricos, 70 anos é muito recente), os europeus vivessem uma guerra sanguinária que dizimou milhões de pessoas. Nós, brasileiros, temos uma tarefa enorme pela frente na construção da boa cidadania e, enquanto isso, temos certos preços a pagar, ainda que sejam relativizados, não devem ser esquecidos e sim, resolvidos.

Ter isso em mente, talvez ajude, mas não impede que nos revoltemos com o dia a dia de violência em todos os níveis da sociedade – político, econômico, social, pessoal, etc – que vivemos em “nossa” casa. Hoje mesmo, agora de manhã, a minha filha mais nova, Lívia, foi assaltada no ônibus com o qual ia para a escola e levaram o seu celular, que comprei de presente para o seu aniversário e que ainda estou pagando. Pessoalmente, isso tem um custo, mas não é tão alto quanto o custo social causado pelo desvio de verbas da Saúde e da Educação por alguns bandidos eleitos por nós. De certa forma, o “modus operandi” dos dois tipos de assaltantes seja similar, mudando apenas o nível e amplitude dos operadores da ação.

No caso do celular, bloqueamos o chip e o aparelho, o que é apenas uma espécie de pequena “vingança”, já que os ladrões não conseguirão utilizar a grandíssima gama de dispositivos dele. No caso dos ladrões do erário público, pegos no ato, a aplicação de leis que já existem, bastaria para que houvesse uma verdadeira revolução, de alto a baixo em nossa sociedade. Exemplos maiores teriam o efeito de criar uma atmosfera de equanimidade. Não é vingança, é justiça! Mas, cadê a vontade política para isso? Aliás, se são esses servidores públicos que fazem as leis, porque teriam a hombridade de fazer o que é certo, mas que iria contra seus interesses pessoais?

*Texto de Novembro de 2013