04 / 09 / 2025 / Pendular

Foto por Ron Lach em Pexels.com

não são poucas as vezes que me sinto sendo jogado
de um lado para o outro como se fosse movido
sendo atirado contra outros corpos que comigo se colidem
como se fizesse parte de um pêndulo de Newton
sei que outras pessoas me influenciam
mas conscientemente poucas me movem
ainda assim me comovem
porque estamos todos sendo transferidos
de nossos pontos de equilíbrio
mãos invisíveis (do destino?) atuam
tumultuam
o meu entendimento
me transportam para fora de mim
me perco entre o não e o sim
fico ou não fico ou não fico e fico
pior é não sentir
prefiro sofrer do que não nada sentir
percebo que isso é resumo de viver ou não
usar a pele como comunicação
usar as pernas e os braços para a expedição
de meu corpo transladado pela lei
da gravidade força arbitrária
a única lei que nos define como iguais
servos e mandatários todos pendulares
ainda que não sejamos igualitários…

23 / 04 / 2025 / BEDA / Dia Do Livro*

Hoje é o Dia Mundial do Livro. Se bem que modernamente possa ser acessado por equipamentos eletrônicos — como computadores, tablets, celulares e, mais especificamente, ebooks — o objeto livro, por si só, é algo simples. Primitivamente, são páginas de papel unidas umas às outras que expressam mensagens imagéticas e ideias por imagens e/ou palavras. A estas últimas as quais me filio como escritor, rendo as minhas homenagens. Principalmente neste momento que há um projeto para taxação de publicações literárias por considerá-las elitistas. E se isso acontece é porque o investimento na Educação tem declinado gradativamente. É como se fosse o paradigma do biscoito ao contrário: como a Educação é elitista, os livros — instrumentos fundamentais do ensino — também devem ser. Considerando que a leitura é um dos eficazes expedientes para o desenvolvimento do aprendizado e do conhecimento, a formulação do projeto deveria ser o oposto.

É o empobrecimento da Educação como projeto de separar os bem-educados dos que irão servi-los. No livro que tenho à mão na foto — a coletânea de setes escritores com sete textos cada, chamada Sete Pecados — há um texto meu chamado Governante Supremo, em que o referido personagem odiava a Literatura. Seu projeto secreto é o de tornar a todos equalizados a um nível menor de inteligência. Em certa passagem, está expresso: “Ao contrário do que se propagava de que uma imagem valesse por mil palavras, intimamente sabia que uma só palavra poderia equivaler a mil interpretações diferentes, se o leitor tiver capacidade de interpretação aprimorada. Como evitar que uma comunicação simples ou ordem direta não fosse corrompida por pensamentos espúrios quando se escrevesse ou lesse a palavra ‘amor’, por exemplo?”

*Texto de 2021, por ocasião do desgoverno do Ignominioso Miliciano.

BEDA / Auto*

Vivemos frequentemente situações que condições externas nos impõe restrições de movimentação e até mesmo de visão. Em uma longa viagem de ônibus ou metrô, temos rostos de estranhos postados tão próximos quanto de amantes. Paisagens repetidas tornam-se, com o passar do tempo, visões de quadros de artistas sem talento. A solução mais ao alcance de nossas mãos, olhos e ouvidos, nos dias de hoje, é nos distrairmos com a leitura de um bom livro ou, mais assiduamente, de utilizarmos aparelhos de nexos… ou dispersão.

Vez ou outra, podemos até realizar outras ações, nas raras vezes que conseguimos sentar. Lembro-me que um dos meus melhores trabalhos na Faculdade de História foi feito, literalmente, nas coxas, na hora e meia que me levou de casa à USP. No entanto, era outra época, no final dos 80, e os trabalhos podiam ser realizados à mão e as distrações, fossem talvez menores.

Atualmente, estamos cada vez mais vinculados à Rede, através da Internet, onde quer que estejamos. Se a Nossa Senhora das Conexões Virtuais nos permitir, através dos instrumentos eletrônicos de mediação, como celulares e computadores, podemos jogar contra adversários virtuais de países amigos, recebermos mensagens do além Rio Tietê, nos inteirarmos de novidades que temos urgência em sabermos antes que se tornem antigas na próxima hora, ouvirmos canções de amores perdidos / encontrados e conversarmos com pessoas do outro lado mundo, enquanto o próximo ao seu lado está sendo sonoramente ignorado.

Há dois anos, por estar ouvindo o noticiário matutino pela rádio captada no celular, com o fone de ouvido, fui facilmente furtado da minha carteira e de outro celular por um heterogêneo bando de mulheres dentro do ônibus. Foi um perfeito trabalho de equipe. Enquanto uma das moças impedia que eu avançasse (uma baixinha que mal alcançava o suporte de cima) outras duas se assenhoravam do conteúdo da bolsa de couro que usava para ir à faculdade, esta, de Educação Física. Logo que fizeram o serviço, desceram rapidamente, deixando uma bem vinda clareira na área em meu entorno e na minha bolsa. Com certeza, teria percebido a movimentação estranha se estivesse com alguns dos meus sentidos em alerta. Enquanto recebia notícias dos tumultos na França, a ação perniciosa de algumas pessoas tumultuava a minha vida pessoal.

Outro dia, mais recentemente, ao tentar descer no meu ponto, solicitei ao rapaz à minha frente, em voz alta, que me desse passagem. Como ele não se movimentava, toquei em seu braço como se a minha vida dependesse daquela oportunidade e ele me olhou com a expressão de quem estivesse sendo agredido por um monstro. Percebi, de imediato que ele estava com fones de ouvido enterrado nas orelhas. Os dois ou três segundos que se passaram nessa “conversa” de sensações, foram o suficiente para que o ônibus fechasse as portas e, célere, saísse em seguida para aproveitar o semáforo sinalizado em verde.

Fiquei plenamente desconcertado com a situação. Eu já não mais me servia dos fones de ouvido, desde o furto que sofrera. Além disso, as admoestações da minha mulher, que se sentia ofendida com a minha “ausência”, mesmo quando estava em casa, me ajudaram a decidir a abrir mão desse instrumento. Nada contra empregarmos o tempo ocioso dessa forma, mas resta a situação que podemos estar nos distanciando dos outros, do mundo real… ou do que podemos chamar de mundo real, que se traduz livremente como a arena em que jogamos as nossas individualidades.

Como solução, podemos começar a conversar “ao vivo” com aquele que está muitas vezes mais próximo de nós, naquele momento, quanto nenhum outro estaria em qualquer parte do dia. Porém, quem se permitiria ser invadido dessa forma?

*Texto de 2013

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

Haroldo Rodriguez*

Haroldo, em uma das apresentações da Orquestra Tupy no Clube Piratininga

“Certa vez, lá pelos idos dos anos 60, na época da televisão ao vivo, fazíamos uma dupla de palhaços, eu e o meu irmão, Fran. Montamos um quadro em um programa infantil que custou o nosso emprego. Inventamos de encenar um par de palhaços ‘afetados’, com as devidas vozes, caretas e trejeitos. Fizemos os tipos tão bem que a emissora recebeu uma enxurrada de reclamações de pais indignados, que não houve jeito!…

Mais recentemente, promovi uma Noite do Clube das Mulheres que foi um grande sucesso! O único problema foi o Batman que quase foi, literalmente, devorado pelas boas senhoras que, ensandecidas, queriam agarrar o moço a todo custo. O Batman fugiu para o camarim e eu fui atrás dele, pedindo para voltar. Visivelmente assustado, o herói balançou a capa de um lado para o outro e respondeu: – Não volto, não. Tô com medo!”…

Soubemos, eu e meu irmão, Humberto, dois dias depois de ocorrido, do passamento de Haroldo Rodriguez, promotor de bailes de dança de salão da noite paulistana. Essas, e muitas outras histórias, nos foram passadas por ele. Nos últimos anos, o Haroldo promovia os bailes das quintas-feiras e dos domingos no tradicional Clube Piratininga. Há quase vinte anos, o conhecemos promovendo bailes no Clube Atlético Ypiranga, juntamente com o seu sócio, Dida. Fomos apresentados a eles pelo Osvaldo Sandoli, outro promotor e condutor de orquestra, que juntamente com o seu sócio, Décio, nos levou para trabalhar na S.E. Vila Maria, para a sonorização dos eventos de sábado, durante muitos anos.

Enfim, todos eles, foram eminentes figuras da noite que já não estão mais entre nós, encarnados. Configuravam um grupo saudoso de ativistas da alegria, que uniam abnegação e desprendimento para continuar a promover eventos que dependiam de vários fatores externos, muitos alheios às suas vontades, como bom clima, afluência do público interessado, boa escolha de bandas e orquestras, bom trabalho de técnicos, eficiente fornecimento de alimentos e bebidas, custo equilibrado da locação do salão, um time bem treinado de auxiliares de confiança e vários outros fatores, etc. Tudo para atrair a presença dos dançarinos.

No período de dois anos, perdemos o Francisco, pai e seu irmão, Francisco Filho e, agora, ele. O último contato que tivemos se deu através do telefone, há duas semanas. Percebi que estava com a voz titubeante. Então, me informou que não estava tão bem, com certos problemas de saúde. Perguntou se estava tudo certo para o baile do dia 18 de agosto (passado), domingo, com a Orquestra Anos Dourados. Respondi que estaríamos lá e que na ocasião poderíamos conversar melhor. Já no Piratininga, soubemos que não viria para apresentar, como fazia costumeiramente, o evento.

Era um craque da comunicação e conduzia as coisas a tornar tudo mais estimulante, citando o nome de vários dançarinos, contando histórias inventadas, composta de retalhos de fatos verdadeiros, que apenas os iniciados conseguiam desvendar a origem. Perguntamos se o Fran faria as vezes de mestre de cerimônia e soubemos que ele havia falecido cinco meses antes. Ficamos chocados e, ao final do baile, o Humberto disse que, sem a presença do Haroldo, não sentiria mais tesão para trabalhar nesse tipo de evento, que não nos rendia tanto financeiramente, a não ser pela satisfação de rever velhos amigos.

O Haroldo era um artista visionário, que fazia um tipo de palhaço diferente, décadas antes da consagração do tipo pelo Cirque Du Soleil. Que apostava no surgimento de novas tendências, ao mesmo tempo em que prestigiava antigos nomes da música. Com ele, tivemos a oportunidade conhecermos e trabalharmos com as grandes orquestras – Sílvio Mazzucca, Maestro Zezinho, Tabajara, Osmar Milani… – com os nomes da velha Jovem GuardaOs Incríveis, Renato & Seus Blue Caps, Golden Boys, Wanderléa… Igualmente com grandes cantores de antigas eras , como Jamelão, Moacyr Franco, Francisco Petrônio

Além dos “anônimos” – uma grande massa de trabalhadores e músicos da noite paulistana, muitos, nossos amigos, um universo à parte. Uma brincadeira corrente que fazemos neste meio é sobre a possibilidade desse pessoal todo, que está indo à frente para a outra dimensão, nos chamar para desempenharmos os papéis que desempenhamos aqui na Terra. Agora que o Haroldo atravessou para o outro lado, tenho certeza que as coisas ficarão mais interessantes por lá. Ele, em chamando, verificaremos a disponibilidade de data e faremos o evento alegremente, quando o Grande Promotor de Eventos, Deus, permitir. Por enquanto… Até um dia, amigo!…

*Texto de 04 de setembro de 2013

Rastejante

Ela lembrou de um trecho de música
Disse que uma tal cantava para ele
Canção de amor de Marisa Monte
Ele respondeu que não se lembrava
Curioso perguntou quem seria
Ela sacou um nome entre tantos
Ele riu… foi no início da comunicação virtual
Linguagem sem interdição
Entendimento sem rumo certo
Mensagens subliminares
Para ouvidos treinados na desconfiança
Ele quis revidar
Citou um ficava muito tempo com ela
Colega de trabalho
Ela se ofendeu
Atirou
Ele fazia o que você não fazia…
Caiu morto na madrugada
Renasceu rastejante
Ao raiar rasteiro do dia
Neste triste ano que se inicia…