Haroldo*

Registro de Fevereiro de 2011 — apresentação da Orquestra Tupy, do Rio de Janeiro, sob a condução do Maestro Bruno Rodrigues.

“Certa vez, lá pelos idos dos anos 60, na época da televisão ao vivo, fazíamos uma dupla de palhaços, eu e o meu irmão Fran. Montamos um quadro em um programa infantil que custou o nosso emprego. Inventamos de encenar um par de palhaços ‘afetados’, com as devidas vozes, caretas e trejeitos. Fizemos os tipos tão bem que a emissora recebeu uma enxurrada de reclamações de pais indignados, que não houve jeito!…”

“Recentemente, promovi uma Noite do Clube das Mulheres que foi um grande sucesso! O único problema foi o Batman que quase foi, literalmente, devorado pelas boas senhoras que, ensandecidas, queriam agarrar o moço a todo custo. O Batman fugiu para o camarim e eu fui atrás dele, pedindo para voltar. Visivelmente assustado, o herói balançou a capa de um lado para o outro e respondeu: — Não volto, não… Tô com medo!…”

Essas e outras histórias, nos foram contadas, mais ou menos assim, pelo grande Mestre Haroldo. Acrescente-se o seu estilo único, inflexões e voz e nos veria com dor de estômago, de tanto rir! Soubemos, eu e meu irmão, Humberto, dois dias depois de ocorrido, do passamento de Haroldo Rodriguez, promotor de bailes de dança de salão da noite paulistana. Nos últimos anos, o Haroldo promovia os bailes das quintas-feiras e dos domingos no tradicional Clube Piratininga. Há quase vinte anos, o conhecemos promovendo bailes no Clube Atlético Ypiranga, juntamente com o seu sócio, Dida. Fomos apresentados a eles pelo Osvaldo Sandoli, outro promotor e condutor de orquestra, que juntamente com o seu sócio, Décio, nos levaram para trabalhar na S.E. Vila Maria, para a sonorização dos eventos de sábado, durante muitos anos.

Enfim, todos eles foram eminentes figuras da noite que já não estão mais entre nós, encarnados. Configuravam um grupo saudoso de ativistas da alegria, que uniam abnegação e desprendimento para continuar a promover eventos que dependiam de vários fatores externos, muitos, alheios à sua vontade, como bom clima e afluência do público interessado. Cabia a eles, uma boa escolha de bandas e orquestras, bom trabalho de técnicos, eficiente fornecimento de alimentos e bebidas, custo equilibrado da locação do salão, um time bem treinado de auxiliares de confiança e vários outros detalhes para atrair a presença dos dançarinos.

No período de dois anos, perdemos o Francisco, pai e seu irmão, Francisco, filho e, agora, o Haroldo. O último contato que tive com ele se deu através do telefone, há duas semanas. Percebi que ele estava com a voz titubeante. Então, me informou que não estava tão bem, com certos problemas de saúde. Perguntou se estava tudo certo para o baile do dia 18 de agosto (passado), domingo, com a Orquestra Anos Dourados. Respondi que estaríamos lá e que na ocasião poderíamos conversar melhor. Já no Piratininga, soubemos que não viria para apresentar o evento, como fazia costumeiramente.

O Haroldo era um craque da comunicação e conduzia as coisas a tornar tudo mais estimulante, citando o nome de vários dançarinos, contando histórias inventadas composta de retalhos de fatos verdadeiros, que apenas os iniciados conseguiam desvendar. Perguntamos se o Fran faria as vezes de mestre de cerimônia e soubemos que ele havia falecido cinco meses antes. Ficamos chocados e, ao final do baile, o Humberto disse que, sem o Haroldo, não sentia mais tesão para trabalhar nesse tipo de evento, que não nos rendia muito financeiramente, mas que nos dava a satisfação de rever os velhos amigos.

O Haroldo era um artista visionário, que fazia um tipo de palhaço diferente, décadas antes da consagração do tipo pelo Cirque Du Soleil. Que apostava no surgimento de novas tendências, ao mesmo tempo em que prestigiava antigos nomes da música. Com ele, tivemos a oportunidade conhecer e trabalhar com as grandes orquestras — Sílvio Mazzucca, Tabajara, Osmar Milani, Tupy. Com os nomes da velha Jovem GuardaOs Incríveis, Renato & Seus Blue Caps, Golden Boys, Wanderléa. Grandes cantores, como Jamelão, Moacyr Franco, Francisco Petrônio, além dos “anônimos”, uma grande massa de trabalhadores e músicos da noite paulistana, nossos amigos, um universo à parte.

Uma brincadeira recorrente que fazemos neste meio é sobre a possibilidade desse pessoal todo, que está indo à frente, nos chamar para desempenharmos os papéis que desempenhamos aqui na Terra. Agora que o Haroldo atravessou para a outra dimensão, tenho certeza que as coisas ficarão mais interessantes por lá. Em ele chamando, verificaremos a disponibilidade de data e faremos o evento alegremente, quando o grande promotor Deus permitir… Por enquanto, até logo, amigo!

*Texto de 4 de Setembro de 2013.

Dias Piores Virão… *

Um dia, em 2016…

“Cheguei em casa do trabalho por volta da meia-noite. Esperei pelo noticiário para tentar entender o que estava acontecendo em nosso País. Corrupção pública e privada, crimes contra as pessoas, instituições falidas. Tentava entender porque a Bolsa, que estava em alta, com o dólar em baixa, no dia anterior, hoje (ontem, amanhã) reverteram as expectativas e os sentidos… Manipulação do mercado financeiro? O povo que se dane?

Dois dos meus sentidos deviam estar me enganando!… Mais e mais, senti o meu corpo afundar no sofá com o peso das informações… Não é caso de desvalidar os veículos de comunicação que as veiculam. Não se trata de matar os mensageiros apenas porque nos dão notícias ruins. Mas sim entender porque nós nos colocamos, como povo, nessa situação sem sentido e, aparentemente, sem uma solução ‘honesta’.

Para qualquer lado que formos, que Deus nos ajude!”

*Neste texto de 2016, se já prefigurava o resultado de um jogo perigoso iniciado dois ou três anos antes em que se estabeleceu a premissa de César, general e imperador romano, milhares de anos antes — dividir para dominar — estimulada por agentes políticos interessados em governar sobre os despojos resultantes. Essa cisão acabou em resultar no atual estado de penúria institucional e ética, somada à uma crise sanitária que nos marcará por gerações ou talvez nem tanto, dada a incapacidade do povo brasileiro de se lembrar sequer o que aconteceu no verão anterior. Isso não é sinal de cura, porém de incúria.