13 / 01 / 2025 / Minhas Amantes

maria do arouche lembro pouco
cor de entardecer em dia fechado
babá gostava manipular meu saco
era muito novo ainda conectado
com vida antes de chegar ao útero
via fantasmas nos corredores
andava parapeitos
namorava amiga morte 
chama cama de estrelas
meu avô logo cortou nosso laço
engatei com maria da penha
cresci em liberdade peripécias
fazia tudo que queria
sem compromisso apenas gozo
não me importava mas amava
parece outra vida
deixei porque fui para longe
bárbara encontrei fiquei anos
achei nunca terminaria paixão
bater bolas contra a bunda
na parede na cama no chão
sonhava era santa
eu gritava entusiasmo feito gol
comi duas mesmo lugar
épocas diferentes não se conheceram
provaram minha torpeza
primeira nunca disse amor
segunda entreguei ao melhor amigo
altíssima alternativa cabelo à la garçon
conheci maria tenente
olhos verdes amedrontavam
nunca toquei sequer abraço
somente olhares lenço sujo sangue
ideal ilusão perfeição eternidade
somente entregou irrealização
nunca esqueci sempre amarei
era bonito atraía sem esforço
fiquei com duas anas
a santificada bem mais tempo
servia a muitos depois que deixei
ainda trepei muitos anos muitas vezes
outra ana loura sonhadora
disse gostava de mim
sou de ninguém de alguém sequer
pertenço a mim vivo apaixonado
maria maria noiva meu amigo
usei muito a língua
toques debaixo da mesa
deus ausente como navio negreiro
biologia estudo profundo casou
la bergman foi intenso durou verões
veros versos não comunicados
alcancei seu corpo debaixo avental
desilusão me jogou fora entulho removeu
tati e amiga quis as duas
na mesma casa não lembro
tanque velho nos fundos
bebi demais vomitei desmaiei
eternas amigas
refez história brilhou minha vida
pintura de mulher ensinou
nova posição bicicleta outra noiva
nunca a beijei 30 anos passados vi passar
não a chamei
augusta andrógina cheia
altos baixos travesti do centro
aos jardins comi da boca a bunda
noites infindas
vitória era inocente puta
jacaré cocou 7 vezes não pagou
vamos fazer neném?
paguei sempre às vezes só olhava
efigênia irmã mais rodada
velha não envelhecida
elixir da juventude atual virtual presencial
dá a todos os gostos versátil
sempre que posso como sem proteção
maria antônia antônimo passado conturbado
duas caras que se antepunham
hoje vive calmaria comi atrás
em palco plateia teatro
verediana angélica cecília amores livres
simultâneas especiais brigava com uma
encontrava com outra consolação
agitadas corcoveavam 
suava para satisfazer queria ser notado
elas não se importavam tinham
quem quisessem quando queriam
estranho estrangeira maria paulista
ama sem identificar despreza sem qualificar
retilínea beleza sem cor amo desamo
volto a amar amante inconstante ferina
amável indigna perfeita anomalia
amante infiel amo fielmente a sem nome
aprendi amar foder amar trepar amar lamber
amar bater amar puxar amar chupar
amar rápido amar lento amar alento
amar beber amar comer amar orar
amar chorar amar sorrir amar gritar
amar brigar amar voltar sem voltar amar
amantes de hotéis baratos abençoados por santos
centrais laterais três corações zardoz 
córregos regos monte carlo sempre haverá
são francisco finalmente total sentido
sem chance nascer outra vez
eterna paixão que se fez
sagrada porque acabou.

Foto por Anna Shvets em Pexels.com






Projeto Fotográfico 6 On 6 On 6

Para este dia, a Lunna programou colocarmos uma foto para cada dos últimos seis meses deste 2022 que se encerrará em 25 dias. Foi interessante rever imagens que a minha memória foi aos poucos jogando para escanteio. Especulo que minha postura em não me apegar a situações passadas e focar no Presente talvez ajude nesse processo. O benefício dessa condição é me surpreender com situações que ganham novo olhar. Para balizar as escolhas feitas, me propus colocar quadros que são recorrentes, como luares e crepúsculos, fotos com familiares, meus passeios por Sampa e com os meus companheiros de quatro patas.

O mês de Julho ainda guarda a temperança do Outono, mas o Inverno costuma ampliar a descida dos termômetros, ainda que nosso clima esteja em transição devido a todas as circunstâncias que influenciam as variações de calor. Alguns entardeceres são pródigos em luminosidade feérica e cores. Ao mesmo tempo, como ocorre nesta imagem, as luzes da cidade ajudam a criar um clima de passageira beleza inesperada.

Apesar de Agosto ser o mês ideal para fotografar crepúsculos, devido à obliquidade solar, preferi retratar uma manhã em que eu circulei pela região central de São Paulo. Este edifício sempre me impressionou por sua beleza e imponência. Como fundo, um azul celeste. Chama-se Edifícios Viadutos, com função residencial. Construído entre 1950 e 1956, seu estilo mescla Art Nouveau, Art Decó e Holywoodiano. Tombado pelo CONPRESP, foi restaurado em 2014. Tem como arquiteto e engenheiro, Artacho Jurado, responsável por várias belas obras da cidade, que eu conseguia identificar assim que as via. Esta também é uma oportunidade para falar desse homem incrível. Filho dos imigrantes espanhóis Ramón Artacho e Dolores Jurado, começou a trabalhar na década de 30 e sua produção se aprofundou nas décadas de 40 e 50. Apesar de não ser arquiteto, Artacho Jurado idealizava os prédios e pedia para algum arquiteto assinar as plantas. Artacho não frequentou escolas porque seu pai, anarquista, se recusava a deixar seu filho jurar a bandeira, cerimônia obrigatória nas escolas da época.

Setembro, quando entra, deveria ser para boas novas. No entanto, em ano eleitoral, aumentou de forma descomunal a pressão sócia-econômica-política-psicológica-mental-estrutural por conta das campanhas eleitorais. Envolvia pautas totalmente fora de contexto (aparentemente), mas para metade da população eram pertinentes à administração pública. A defesa da tradicional família brasileira ganhou ares rodrigueanos, mesmo porque como todos sabemos, a disfuncionalidade da famiglia palaciana une todos os ingredientes de um drama daqueles que envolve transgressões de todos os naipes. Eu estava com problemas na minha conta, que sofrera um golpe. Tudo foi resolvido depois, mas na descida pela Angélica, derivei pela direita e entrei pelo Cemitério da Consolação e caminhei por monumentos aos mortos por duas horas. Revivi…

Outubro é o mês em que nasci, mas também foi o mês em que o destino do País estava em jogo, como num pêndulo, indo da direita para a esquerda, com tremores ao centro. Como numa catarse coletiva extremada, mergulhamos num vórtice de abjuração da Realidade tanto para o Bem quanto para o Mal. Ao final de tudo, no penúltimo dia do mês, marcamos a virada com alegria na perspectiva de melhores tempos. Mas não me iludo…

Quando conhecemos uma pessoa desde que nasceu e a vemos cumprir algumas das etapas dos percursos a que todos estipulamos como “naturais” – nascer, crescer, estudar, namorar, casar, procriar, envelhecer, morrer… Colocado dessa maneira, até parece fátuo e sem sentido. Essas não são marcações discricionárias. São pontos como facas marcadas no peito. A não ser que o amor componha o cenário. Foi o que pude perceber no casamento do meu sobrinho, o talentoso Roney, com a linda e preparada Rubia. Os dois já estavam juntos há alguns anos. A cerimônia apenas sacramentou uma situação em mostraram que o compromisso que estipularam para si era sincero. Novembro findou no cumprimento desse ritual da vida.

Dezembro mal começou. As imagens dos últimos 31 dias de 2022 não são tantas que mereça uma seleção longa. Escolhi um luar entre tantos, expresso em uma paisagem exuberante cores iluminadas no entorno noturno num local de trabalho – uma das minhas expressões – em que tento manter uma postura mais solta. Afinal, não é por ser trabalho, que tenha que ser pesado. A Lua concorda…

Participam: Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Mariana Gouveia

Velhinho

eu acordei velho hoje
quase sempre acordo jovem
e só restabeleço o que sou
ao surgir do outro lado do espelho
sonhei que era criança
foi um sonhinho-lembrancinha
menino pequeno queria ser crescido
ficava indignado egoísta queria
me sentar sozinho no banco do ônibus
minha mãe puxava para o colo entre
suas pernas de pelos mal aparados
pinicavam deixa os outros se sentarem
queria ficar na janela vendo o mundo
passar rápido mais rápido menos rápido
às vezes o mundo parava
minha mente continuava antecipava
surpresas

voltei velho fui à feira
quando garoto gostava de falar com velho
o velho de hoje puxa assunto quase
ninguém lhe responde olham
desconfiança ou indiferença
na banca de frutas um velho de longos
cabelos e barbas brancas puxa fumaça
de um apequenado cigarro de palha
seu olhar é mais profundo
do que uma fossa oceânica de tantas turbulências
acalmadas na escuridão
passo por um bar velhos jogam dominó
perdem partidas ganham idade
um deles olha para as peças
como se fossem pedaços da vida
que insistiram em não serem encontradas
respira pesado
ar que pouco permanece e se esvai
mais um ser antigo caminha
com seu velho cão
comem do mesmo pão
são amigos pais filhos irmãos
qualquer um que partir antes
levará consigo seu ente querido
darão adeus às mútuas lembranças
esquecidos

desconsolado desço a angélica
por uma travessa chego ao portão lateral
cemitério da consolação
me movo entre pedras me perco
revisito jazigos pássaros cantam
persigo ruelas ventos sopram
pareço ouvir vozes dos que se foram
admiro mausoléus árvores respiram
o sol ilumina o tempo construções desabam
em silêncio registro estátuas vivas os mortos falam
piso sobre lágrimas que já secaram
acalmo os meus pensamentos divago
tropeço em mim busco solução
os eternos moradores respondem desde o chão
calma… tudo está em dissolução…

Troca De Estações

“Sou paulistano. E antigo… a ponto de ter visto São Paulo sem Metrô. Quando surgiu o primeiro trecho, em 1974, um dos programas favoritos do morador desta cidade era percorrer a Linha Norte-Sul, como era conhecida (antes de se tornar Linha 1 – Azul), por dentro dos túneis, apenas pelo prazer de saber-se dentro da terra. Tanto quanto assistir as decolagens e aterrissagens dos aviões no Aeroporto de Congonhas.

Trabalhei na primeira unidade do McDonalds da cidade, na Avenida Paulista, em 1980, quando as estações que se estabeleceriam na “mais paulista das avenidas” eram somente sonhos de prancheta. Para voltar para casa, na Zona Norte, saía às 23h30 do edifício perto da Gazeta e caminhava a pé até a Estação São Joaquim, a mais próxima do local, a tempo de chegar antes do fechamento de suas portas, à meia-noite.

A construção da malha metroviária tem sido uma história com manobras complicadas, com atrasos reincidentes e prazos não cumpridos. Alegam-se vários fatores, desde a topografia acidentada, composição do solo, desapropriações contestadas e dificuldade na dotação de verbas, sendo que o principal seja talvez a volubilidade do dinheiro, que insiste em ser mal-educado, para não dizer qualquer outra coisa que não possa não ser provado, apesar de provável.

Ainda que não consiga conhecer todas as linhas e estações, nunca me senti tão desorientado quanto há uma semana quando, por poucos minutos, me perdi na confluência das estações Paulista e Consolação. Antes que possam alegar sinais da chegada da idade, foi um erro de cálculo totalmente razoável, já que devido ao organograma um tanto desajeitado na construção do Metropolitano, a Estação Paulista sai na Rua da Consolação, enquanto a Estação Consolação desemboca na Avenida Paulista.

O estranho é que apenas nessa ocasião percebi essa troca de nomes das estações. Quando nomearam a Estação Consolação, mais antiga, de 1991, foi pela proximidade, quase esquina, com essa rua que, aliás é maior e mais larga que muitas avenidas em boa parte de seu trajeto, com duas pistas e quatro faixas cada. A inauguração da Estação Paulista só se deu em 2010. “Já que uma ocupava o lugar da outra, por que não retribuir a dádiva?” — Deve ter imaginado algum iluminado.

O fato é que deu um tilt (como no antigo fliperama) no HD do véio aqui e lá estava eu a tentar entrar na correnteza humana na contramão em pleno horário do rush. Tentei por duas ou três vezes. Piorou quando quis ajudar uma jovem mãe que carregava o seu neném no colo, ao levá-la ao elevador. Quando vi que nem conseguia apertar o botão, acabei fechado. Fingi que iria para o mesmo caminho, mas esse ato de solidariedade apenas me reconduziu ao ponto onde havia iniciado o meu último mergulho na procissão de corpos a caminhar com destino traçado, o que não era o meu caso. Finalmente, perguntei a dois seguranças que acabaram por me indicar a saída da Estação Paulista. Quando, com a luz do sol à esquerda, dou de cara com o trânsito intenso da Rua da Consolação, a 200 metros da esquina com a Paulista, atrasado para a minha reunião ali perto, mas que se provou ser mais longínquo que imaginei.

Como a pessoa que eu iria encontrar é daquelas que gostam de indicar até quantos passos deveria dar até onde marcamos, designou que, ao sair da Estação Consolação, eu deveria descer 50 metros à esquerda na Haddock Lobo, o que se provou errado quando, nas mensagens seguintes (às quais não li), passou o sentido contrário. De tudo isso, restou uma caminhada acelerada para cima e para baixo, tantas vezes quanto necessária para ativar a minha circulação sanguínea em dia de temperatura amena. Quando finalmente me foi passado o número do local (talvez por pena de minha esbaforida condição) consegui tomar o rumo certo, ainda que tivesse que atravessar a Paulista na faixa de segurança distante 100 metros para além da rua.

Fiquei a imaginar o que um forasteiro deve sofrer quando são fornecidas informações que acabam por atrapalhar mais do que ajudar para se localizar em um novo espaço. Igualmente, me solidarizei imediatamente com todos confusos que não sabem nem onde estão… e não somos poucos…”

O texto acima é de 2017. Naquele ano, assumi definitivamente que o meu senso de direção era falho. Depois de me perder nessa ocasião, outras vezes emergi em confusas incursões por outras vias públicas e estações de Metrô, como a Paraíso e a Santa Cruz, quase perto da China, de tão profunda. Quanto aos nomes, a explicação que me passaram é que são escolhidos de acordo com pontos notáveis pelos quais as linhas cruzam. Como a Estação Consolação fica próxima a essa rua, esse foi a nomeação mais adequada. Isso, antes da ampliação da Linha 2 – Verde. Ao meu ver, para ajudar na melhor identificação de ambas as estações, poderia haver a troca de nomes. Se a justificativa for a possível confusão que causaria, creio que seria apenas no início. Afinal, é comum nossos políticos alterarem pontos toponímicos com a maior facilidade quando querem homenagear a algum ilustre desconhecido ou um poderoso de ocasião.