Projeto Fotográfico 6 On 6 / Só O Lar…

Só o lar do Homo sapiens neste canto da Via Láctea abriga vida no sentido que a conhecemos — como manifestação material, física. Resultado direto da existência da estrela de sexta grandeza a qual chamamos de Sol, somos seres solares. A Terra, planeta que nos abriga, está na distância correta para possa gerar vida sem que nos derretamos ou nos congelemos na maior parte de sua superfície. Os reinos, em suas diversas expressões — animal, vegetal e mineral — além dos subgrupos que se desenvolvem dentro de condições que, maravilhados, aproximamos a sua existência da Magia ou do Milagre. O agente que pode colocar tudo a perder é justamente aquele se coloca como hegemônico, dono deste corpo celeste navegante em torno do Sol — o Homem. Enquanto pudermos registrar, teremos a estrela a nos aquecer a imaginação e o olhar. Fui buscar nos meus arquivos, fotos que realizei em anos passados. Esta imagem acima, de 2017, mostra o rastro de luz refletida pela sua retirada do cenário da cidade onde vivo — São Paulo — ou, o efeito da ilusão causada pela revolução planetária em nossa visão.

Mais uma tarde que mostrou todo o esplendor do ocaso. O sol brincando de esconde-esconde com as nuvens, os raios que escapavam sobre e sob a massa de algodão celeste, o reflexo de sua luz nas coisas aqui da terra. Os antigos criam que o sol representava a face do próprio Deus na Terra e não estavam errados. Sem a sua luz, vinda na proporção certa, a vida não existiria neste planeta, além da água. Eis um dos registros que fiz deste crepúsculo de 12 de fevereiro de 2015.

Ontem, a chuva faltou ao nosso encontro diário. Ela era nossa assídua companheira desde que começou 2013 e, para arrematar a tarde seca, o Sol nos deixou com a promessa de que voltaria no dia seguinte, com toda a pompa e circunstância — anúncio que, de fato, se cumpriu. Gosto de ver a luz solar refletir-se nas fimbrias do horizonte e a iluminar as construções e a produzir desconstruções de linhas e perfis no relevo. Já postei várias fotos desses momentos do entardecer em que vejo o Sol comemorar o seu poder transformador. De início, a luz amarela ajudava a dourar as casas de alvenaria e tijolos aparentes, no morro adjacente à minha casa. Passado algum tempo, no entanto, chamou-me a atenção, quando o astro já estava quase totalmente recolhido, o azul que substituía a paleta terrosa. Conjecturei que o ângulo de inclinação de sua luz, ao refletir no céu, azulava “djavaniamente” tudo em seu entorno. Logo, o assombro tomou conta dos meus olhos e, o anil, de toda a paisagem. 

Hoje, o azul imperou durante a maior parte do dia. E o Sol, posto a nu ou desanuviado, queimou peles e pensamentos. De manhã e à tarde, no entanto, as nuvens o vestiram, deixando a temperatura menos indecente. (Ubatuba, 2021)

Dia primeiro do desafio Fotografias da Natureza. Não é um desafio vazio, mas muito bem-vindo. A cada dia, deverei postar uma foto, nomeá-lo e convidar um amigo para reproduzir uma imagem, que deverá chamar outro amigo para brincar. Eu diria que se trata de uma forma de pirâmide de bom gosto. A foto de hoje provém de Jaguariúna, na região de Campinas, onde ainda encontramos espaços abertos. Nesse dia, os raios solares se revezavam com a chuva forte para compor a imagem reproduzida através do para-brisa de um carro. (2016)

Nesta manhã, o dia clareava com o sol a se fixar no firmamento nebuloso, como um óvulo na parede uterina do céu que gestava o último dia do ano. Logo mais, depois de o dia ter crescido e se desenvolvido, envelhecerá e chegará ao termo, na última hora do ano de 2015. Eu, pessoalmente, procuro viver um dia de cada vez. Não deixo de planejar o futuro, vislumbrar as possibilidades, colher os resultados de minhas empreitadas. Porém, sinto que a minha atitude, inspirada por minha vivência pessoal, aliada à sabedoria amealhada durante milhares de anos por bilhões de seres que já habitaram este planeta, é a que melhor se adequa ao que eu penso.

Participam: Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins

#Blogvember / Silêncios Pequenos

… ainda há silêncio nessas horas pequenas…
– Nirlei Maria Oliveira em palavr(Ar)

Desencontrados por anos, os dois perderam contato, ainda que a saudade fosse constante companheira de ambos.

Avesso a redes sociais e a grupos, mesmo aos do seu métier, Thiago passava a maior parte do tempo pintando, encerrado em seu ateliê no campo. Reconhecido internacionalmente pelo pseudônimo de Noé Campesino, nunca se identificou como o autor das obras que misturava variados temas e técnicas de execução, mas com uma identidade peculiar a todas elas, quase uma assinatura – o sorriso de uma boca feminina em algum canto da tela, às vezes, no centro. Muitas vezes, surgia apenas insinuada, outras, francamente exposta, identificável.

Francisca compartilhou os primeiros anos das obras de Thiago. Com o olhar arguto de quem sabia identificar a qualidade artística de seu amado, o incentivava a prosseguir em seu estudo e aprimoramento. Por essa época, Francisca entrou em contato com um marchant que se apaixonou por ela. De início, ela resistiu às investidas, mas não o afastava completamente, interessada que estava em colocar Thiago no mercado. O jovem pintor percebeu que havia uma mútua atração entre os dois, porém queria realmente que seu trabalho desse frutos materiais após anos de dedicação laboriosa. Fechou os olhos. Queria provar para o pai que a sua carreira artística poderia render mais do que ser gerente de banco, como era o sonho do velho bancário.

Montada a exposição, Thiago foi à galeria do marchant de maneira inesperada e encontrou a sua amada nos braços do expositor em beijos ardentes. Emudeceu… por dentro e por fora. Saiu e não compareceu à noite do evento que foi um grande sucesso. Seu completo sumiço só não foi total porque entrou em contato com o marchant pedindo que fosse feita a transferência do valor resultante da venda dos quadros, fora as comissões, para uma conta que foi fechada após a retirada do saldo. Nunca mais se ouviu falar de Thiago Fonseca.

O desaparecimento do artista fez crescer a cotação de seus quadros, ao mesmo tempo que criou uma aura de lenda em torno de seu nome. Thiago aplicou o dinheiro na compra de um pequeno sítio no interior e trabalhou para que conseguisse alterar seus traços e pinceladas, uso de cores e estilo temático. Incorporou nuances de grafite e avançou para o abstracionismo e imprecionismo. Reinaugurou a sua expressão, que ficou irreconhecível em comparação à anterior. Talentoso, chamou a atenção de um crítico que viu sua obra exposta num pequeno restaurante de uma cidade pequena. Questionou de quem seria aquela obra e lhe foi apontado um sujeito de cabelos e barbas desgrenhadas, sentado no fundo. Ao se aproximar, Thiago baixou os olhos, mas a fala de Ítalo Menezes, de quem conhecia a fama, o fez erguê-los e esboçar um sorriso tímido. Perguntado se tinha outras pinturas, Thiago assentiu afirmativamente e Ítalo perguntou se poderia vê-las. O resto, é história. Desde esse contato inicial, se desenvolveu uma forte amizade. Como Noé Campesino, concordou em expor e vender seus quadros, desde que jamais aparecesse como tal. Comparecia anónimo às exposições para sentir como era a recepção às suas criações.

Numa dessas vernissages, ele viu Francisca, só, sem a companhia do marchant com quem se casara. Parou diante de um quadro que mostrava um sorriso tão enigmático quanto contagiante. Aproximou-se o mais que pode para constatar a forma que as pinceladas foram feitas. De certa maneira, ela se reconheceu nas bocas sorridentes. Começou a olhar ao redor. Foi falar com o marchant, ao qual conhecia e quis saber se sabia quando o pintor chegaria. Respondeu que nunca o tinha visto. O contato era feito através de Ítalo Menezes, que não revelava quase nada do artista: se novo ou velho, homem ou mulher, alto ou baixo, gordo ou magro. Mais uma vez, olhou ao redor e, inesperadamente, soltou uma lágrima furtiva. Ela sabia que aquele sorriso era o seu. Que o pintor era Thiago. Que o seu coração ainda lhe pertencia. Que talvez nunca mais voltaria a vê-lo. Que o seu silêncio pesaria feito um paralelepípedo sobre o peito.

Apenas acompanhado de seus cães, dos pássaros que encontravam em seu sítio um refúgio, Thiago vivia em mutismo consagrado, ampliado pela diuturna escuridão da noite que o envolvia de corpo e alma. Falava com as suas obras quando as executava. Era o único relacionamento que mantinha por temporadas inteiras. Como se fosse algo que o impedisse de esquecer Francisca, ainda há silêncio nessas horas pequenas de lembranças e saudade em que suspende seus turnos e olha para o crepúsculo…

Participam: Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Lunna Guedes

De Sol À Lua

Conversei com o Sol, hoje. É comum, ao me sentir solitário, pedir que ele reflita sobre mim a sua luz mais amiga, aquela que aquece, mas não queima; a que clareia, mas não cega; a que se afoga no crepúsculo para ressurgir na aurora; a que nos ensina a viver e nos dá a dádiva de morrer. Quando escurece e parece se ausentar, ilumina a Lua, como a revelar o poder da Natureza de sempre estar presente.

Blogagem Coletiva Interative-se / Coleções / Crepúsculos

Quando garoto, gostava de colecionar coisas aleatórias como bolinhas de gude, tampinhas de refrigerante, penas de galinha (era granjeiro), álbum de figurinhas (tristemente jogados fora por minha irmã), livros velhos (quanto mais desfolhados, melhor), aos quais gostava de preencher com as minhas próprias linhas, folhas de árvores em diferentes formatos e cores, pedras e conchas. Se buscasse pinçar mais na memória, certamente me lembraria de mais coleções advindas do desejo de regrar meu mundo, resultado de um leve transtorno obsessivo compulsivo.

Quando comecei a escrever compulsivamente, gastava a tinta de diversas canetas que, à época, poderiam vir em várias cores além dos tradicionais azul, preta ou vermelha — verde, roxo, marrom, rosa. Como não tinha condições de comprá-las seguidamente, resgatava as que eram jogadas fora por aí em minhas coletas de lixo. Um dia, em um momento incrível de desprendimento, vendi todas as mais de duzentas como plástico.

Passei agora há pouco uma vista por minha biblioteca e percebi que tenho uma espécie de coleções de coleções — romances brasileiros e internacionais, de filósofos e pensadores, de enciclopédias, de revistas… Atualmente, eu coleciono entardeceres. O crepúsculo representa algo de vida e morte. A luz se esmaecendo entre nuvens, edifícios, casas, árvores, carros, montanhas, rios, pessoas, as tornando personagens do lusco-fusco.

No Inverno que morre, a inclinação do Sol varre os seres, provoca sombreamentos, reformas de imagens, banhos em vermelho e amarelo luminares. Muitas vezes, interfiro nesses reflexos despudorados de vida em morte como forma de moldar a minha visão de vida que é, antes de tudo, uma tentativa de capturar o espírito da luz. Já fotografei auroras, mas para quem tem a alma melancólica como a minha, perceber que a luminosidade apenas inicia a sua faina de calor e dor, amor e prazer, quase como se fosse interminável, me exaspera um pouco. Quero o quase fim e a promessa noturna de um novo dia… que poderá não acontecer.

Capturar e colecionar crepúsculos é como se eu caminhasse, a cada passo no chão, a marcar os meus pés nas nuvens…

Participam da Blogagem Coletiva Interative-se:
Isabelle Brum / Mariana Gouveia / Lunna Guedes

O Pancadão De Van Gogh*

Sentado numa cadeira na varanda, esperava o entardecer avançar sobre nós. Ansiava que nuvens, que até então não se faziam presentes, viessem a adornar o crepúsculo de final de outono. Sempre a provocar excitantes e variadas formas como pano de fundo que avivam a imaginação. Uma brisa fria me deixava desperto ainda que o Sol intenso me forçasse a fechar as pálpebras-cortinas do palco de 80% da minha percepção sensorial. Sobre elas, a luz dos olhos meus não competia, mas adivinhava o brilho daquela estrela que emprestava o calor gerador da vida na Terra.

Observar o entardecer era um ritual que repetia sempre que estava em casa, mas que consegui exportar para outros lugares sempre que o tempo e o horizonte aberto me permitissem presenciar o efeito da revolução terrestre que cotidiana e silenciosamente ocorre sem que os seres que se dizem inteligentes a sintam. Sapos, tubarões, viúvas negras, borboletas, abelhas, alces e elefantes, golfinhos e beija-flores a sabem por uma questão de sobrevivência. As aves, seres revolucionários, descendentes diretos dos senhores do planeta por milhões de anos os dinossauros a conhecem para poderem migrar de um ponto a outro do hemisfério ou até entre os hemisférios. Baleias, salmões e tartarugas a usam para encontrarem o lugar ancestral para procriarem. Resta a mim, como um mísero animal ignorante dessa sofisticada ciência, aplaudir os ocasos como mapas de percurso.

Como era sábado, outros rituais humanos menos silenciosos que o meu, principiavam. Para além do estímulo visual, a audição ganhava preponderância. O som de gêneros musicais diversos e seus praticantes forrozeiros, sambistas, sertanejos e funkeiros competiam para ver quem venceria uma batalha perdida. Era como se para se deslocarem da vida comum necessitassem de colossais massas sonoras para se transportarem. O Sol, tão distante quanto pode ser um astro-rei, se despregava de seu ponto ilusório até outro. Abstraído-encantado, me ausentava de onde estava, surdo para as brigas de casais, o molejo da morena, as descidas até o chão e arpejos de sanfoneiros verdadeira barafunda de acordes em desacordos.

Mal pude acreditar quando pela chegada discreta da nebulosidade e do vento alto que a dispersava, a visão do entardecer se transformou em obra impressionista, em que fios de cabelos luminosos vangoguiavam a paisagem. Por mais furioso que tivesse o volume sonoro, nada impedia que me sentisse embevecido pela Natureza a reproduzir na tela rota da Periferia de Sampa, pinceladas do triste e belo pintor holandês, ao ritmo do pancadão.

*Blogagem Coletiva 
Tema: o que faz brilhar seus olhos?

Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso