22 / 01 / 2025 / Passagens

Durante a semana, eu me movi por várias partes da cidade de São Paulo — do norte para o oeste, do centro para o sul, e, do sul para fora, ao litoral — onde permaneci por dois dias, ontem e hoje. Junto ao mar, horizonte amplo, mergulhei nas ondas claras e brincalhonas, entre burburinhos liquefeitos de novidades tão antigas quanto bem-vindas.

Não dirijo, sou pedestre e usuário de transporte público. O máximo de veículo pessoal que possuo é uma bicicleta. Nesse translado, passo por caminhos tortuosos, calçadas irregulares, vias obstruídas, estradas longas, suspensas por pilares construídos à custa de vidas de vários operários, como a Via Imigrantes. A paisagem é deslumbrante. Abaixo e acima, a área preservada da Mata Atlântica na Muralha, a mesma desde tempos imemoriais.

A chegada junto à praia é o meu melhor momento. Logo, farei uma incursão para dentro de mim. O mar como divisa entre meu ser e a vida natural. Deixo para trás, túneis que mais parecem passagens subterrâneas de filmes de terror, vielas enviesadas, cruzamentos entroncados com becos escuros. A passagem para a liberdade é sinuosa…

BEDA / Casa 6 — Rua 2

Casa 6
Antes-Da-Hora

O menino nasceu após sete meses de gestação. Desde cedo compensava a pouca estatura com agilidade. Foi um veloz atacante no time de futebol da escola e sonhou, como todo menino, pisar os melhores gramados da cidade. Tornou-se office-boy e aos dezoito decidiu ser motoboy — um Cachorro Louco.

Desenvolveu conhecimento de todos os atalhos da cidade. Tinha um mapa nos olhos e não perdia tempo. Ficou famoso por sua rapidez nas entregas. Ganhou prestígio-admiração-respeito. Era cumprimentado pelos iguais nos cruzamentos. Se tornou uma lenda do asfalto urbano e ganhou a alcunha de Antes-Da-Hora.

Conheceu Rita — menina de sorriso fácil-largo — no escritório dos motociclistas. Era ela quem lhe entregava o endereço de retirada-entrega das mercadorias. Ela o admirou assim que soube quem era. Se apaixonou pela lenda, ganhou capacete e carona para voltar para casa no final da tarde. Gostava de sentir o vento ao passear por entre os carros, romper o sinal antes-da-hora e chegar a casa na velocidade da luz.

Antes-Da-Hora traçou planos: constituir família com Rita. Sabia todos os caminhos que teria de percorrer. Passou a trabalhar cada vez mais para construir o melhor futuro para os dois.

Depois de fazer uma entrega, a última do dia e com tempo de sobra, voltou para buscar sua amada. Chegou antes da hora e a encontrou nos braços de Paulão, a escalá-lo em sobressaltos-sussurros-agudos. Antes-Da-Hora correu da cena. Subiu em sua moto e alcançou a Marginal, acessando a Pista Central, nunca usada. Costurou o trânsito, enfiou-se veloz entre duas carretas. Mais um Cachorro Louco perdeu a vida no asfalto da cidade, que sofreu mais um dia de caos.

CASA 6“, conto constante do livro de contos curtos “RUA 2“, lançado pela Scenarium Plural Livros Artesanais