12 / 12 / 2025 / O Mar

uma terça-feira perdida da semana no início de dezembro — um inesperado dia solar
empurrado pelo vento vindo do interior me encaminhei em direção ao Mar
pela previsão do tempo à tarde choveria como choveu
mas para mim não importa eu não busco o Sol
vou em direção ao líquido amniótico como a criança com saudade do útero da mãe
as águas límpidas já prenunciavam a chegada da frente que baixaria a temperatura
e revolucionaria o movimento das ondas em desencontros
como se um gigante balançasse um copo descomunal
sabia que mais tarde as águas estariam mais interessantes para quem busca o embate
líquido que me jogaria de um lado para o outro como acontecia com a criança fui-sou-serei
porque sei que assim morrerei
não que me considere jovial mas porque continuo a ver a vida como novidade
caminhando olhando para os lados com imensa curiosidade
um garoto perdido em corpo envelhecido…

13 / 11 / 2025 / Blogvember / Dizemos Com Os Olhos Do Silêncio…

que não é mudez… me expresso pelo olhar a curiosidade em saber
quem é você quem sou eu porque estamos aqui apesar de todas as probabilidades
desse encontro de corpos de presenças de sentenças ditas e não ditas
de histórias pessoais famílias diferentes expectativas e desejos diferenciados
como não nos afastamos por tantas contrariedades idades dificuldades?
amor silencioso e potente
consumado de forma doce e voraz
que sejamos súditos dele e dele nos sirvamos
que sejamos eternos enquanto amamos…

Participação: Lunna Guedes

24 / 07 / 2025 / Quase…

foi quase…
quase fomos…
um lindo quase…
e
por isso
pleno de possibilidades
nesse lindo quase passaríamos
por todas as idades
ainda que distantes em diferentes cidades
eu a alcançaria pelo desejo
nós nos desconhecemos
mesmo eu quase me desconheço
ainda que saiba que tenta se alcançar
ideal como há de ser
somos dois desconhecidos de si
e um do outro
a minha curiosidade
era nos (des)conhecermos lado a lado
a enveredarmos por novos caminhos
afinar os nossos tinos
cercá-la de carinhos
desatino
a imaginar como seria beijá-la
em meus braços aceitá-la
pele com pele pelear
em busca
da quase vida
da quase morte
da quase sorte
de sermos
quase eternos
num instante
porém
nada seria (como não seremos) como antes
ao nos tornarmos quase amantes…

Sessenta E Dois Sóis

Numa segunda-feira como esta, às 2h da manhã, eu comecei a sonhar esta vida terrena. Aos 62 anos, continuo a sonhá-la, vivendo a carregar o fardo do passado, preparando o futuro, o presente como sentido. Vivê-lo é um presente que alguns poucos conseguem receber. Ele não nos é dado. Temos que buscá-lo. Mas não é fácil. Temos que contemplar o passado como experiência, o futuro como possibilidade que, só é viável se, no presente, o direcionarmos. Tudo é presente. Construído minuto a minuto. Ou desconstruído.

O Tempo não é passível de ser descontruído, a não ser os seus efeitos. Feito um impassível Kronos a observar com curiosidade a nossa passagem, somos nós que passamos por ele… até sermos devorados. É nossa prerrogativa empreendermos essa desconstrução. Somos nós, que navegamos o nosso corpo-identidade-mente, que devemos reverter as expectativas, mudar o nosso rumo dentro do Tempo, quantificado em números, aos quais nos referenciamos.

Para confirmá-lo, é comum registrarmos a nossa presença em imagens – algo que nos exterioriza – que nos coloca presentes no mundo, ao mesmo tempo que nos coloca no passado.  Ao contrário dos povos que temiam a fotografia por acreditarem que roubavam as suas almas, ela reafirma a nossa presença. A própria visão no espelho nos mostra milionésimos de segundo depois, entre o reflexo e a sua recepção.

O nosso corpo sofre a deterioração física, constantemente pressionado pela gravidade que nos puxa para o centro da Terra. Resta a nossa mente voar, quando não são através das máquinas que inventamos para fazê-lo. Certa vez, saltei de paraquedas. Sentir a vibração do corpo no abismo contra a resistência do ar, me permitiu perceber o quanto somos frágeis. Antes de abrir o paraquedas, contemplei a finitude. Mas me sentia feliz. Livre. Vivo.

Neste marcador temporal, convivo com a permanente sensação de queda no abismo. Diferente daquele salto, estou sem paraquedas. Porém, me sinto no controle da situação. O que não quer dizer que saiba quando pousarei no chão. A contradições existem, dão o tom, mas aprendi a conviver com elas. As balizas que uso para estabelecer certa normalidade se mostram cada vez mais instáveis, como se fossem feitas de areia junto ao mar.

Ser do dia 9 de Outubro é ter como companhia John Lennon e Mário de Andrade. Somente por esses dois nomes, a cota de gente proeminente já estaria preenchida. Mas não sou em vão e nem a minha vida, vã. Sei que importo para algumas pessoas. E graças a elas e por elas, oro. Orar é desejar o bem oralmente ou mentalmente. A oração é circular. Faz bem a quem pratica tanto quanto a quem é dirigida. Devolve boas energias em nosso entorno. Uma forma de amor.

Na contramão, sinto que a minha curiosidade está sendo suplantada pelo cansaço em ver tudo se repetir como novidade, ilusão criada através do uso das novas linguagens. Por mais que venha a rebuscar os termos, talvez esteja vivendo apenas uma crise de meia-idade. Ao pensar dessa forma, consigo até sorrir e esperar a chegada da liberdade da alma ao tempo do corpo fenecer como o sol que ao fim do dia vai repousar para além do horizonte. Mais uma ilusão que se desvanece…

Sob o guarda-sol da diversidade…

BEDA / A Melancia Curiosa

Era uma vez uma melancia muito curiosa que decidiu deixar a fruteira onde estava para visitar o lugar a sua volta. Ela já havia viajado bastante, desde o lugar onde nascera e isso estimulou sua natural ainda que insuspeita sede de conhecimento.

O primeiro lugar pelo qual passou foi a cadeira a sua frente. Queria a mesma sensação dos humanos que sempre estacionavam o seu corpo naquele objeto, quando diminuíam de tamanho. Acabou por fazer amigos, os mesmos que cercavam os seus usuais ocupantes quando se alimentavam.

Depois de passar pela sala de jantar, onde viu a imagem dum quadro* que a atraiu bastante, subiu as escadas rumo à parte de cima da casa…

Como era uma jovem melancia, ela se identificou com o quarto descolado das meninas. Ficou especialmente fascinada pela penteadeira com o seu lindo espelho. Percebeu que era bastante vaidosa e admirou a sua forma arredondada com as faixas rajadas brancas em seu corpo verde.

Ao descer, a Melancia Curiosa experimentou voltar a ser uma flor. Lembrou-se de quando foi uma, em sua primeira infância, quando era apenas a promessa de ser uma grande e suculenta fruta.

Gostou de ficar no sofá macio, ideal para o seu formato esférico. Quase adormeceu quando aproveitou para assistir TV.

O que a Melancia Curiosa tinha visto até então, a estimulou conhecer mais do mundo fora da segurança da casa. Ela havia chegado na parte detrás daquele veículo de um lugar onde foi retirada de junto de suas companheiras e achou que pudesse usá-lo para buscar por novos caminhos.

Como não tinha carteira de motorista, o humano a impediu de sair. Mas depois de ver todas as peripécias que experimentou, decidiu não esquartejar a vivaz melancia. Ela ficaria a observar a vida acontecendo em torno de si enquanto tivesse consciência.

Ela explicou que preferia ser comida. Que nasceu para propagar as suas sementes. Espalhar a vida. Tornar-se parte de outros seres, alimentá-los. Ter o seu gosto provado, reverenciado, gerar amor. Viajar por aí através de outros corpos. Cumprir a sua natureza. A curiosa melancia era naturalmente sábia…

*Imagem vista pela Melancia Curiosa ao passar pela sala…

O BEDA é uma aventura compartilhada por: Lunna Guedes / Darlene Regina / Mariana Guedes / Cláudia Leonardi