Um Junho

fogueiras crepitavam um junho
rostos afogueados olhares e vinho
corações flamejantes sorrisos
passos errantes em alerta sentidos
testemunham os caminhos
quem tomará a iniciativa?
os dois querem e se valem
alheios aos outros se oferecem
aos pelos arrepiados não é o frio
da noite feita madrugada
desejo crescente e merecedor
o sol no plexo que mal respirava
raios em fuga das peles
ela decide que assim será
o tímido gela quando limpa
a boca de vermelho batom
encurrala o amante num canto
corpos presos imantados
almas libertas em música e dança
lábios se unem em línguas falantes
entrementes voltas completas
do planeta em torno da estrela
para sempre será um junho…

Foto por Vladimir Konoplev em Pexels.com

BEDA / A Medida De Todas As Coisas

A verdadeira medida de todas as coisas
é a Inveja!
Por sua percepção,
sabemos o valor do que se deve querer…
abrangendo o bem querer…

Pelo desejo de ter o que o outro tem: os objetos,
os espaços,
o ar,
o respirar,
os amores,
os corpos,
as vidas,
as obras
e as sobras.

Aquele que Inveja tem um objetivo a alcançar,
um caminho a seguir,
mesmo que seja o caminho de um outro
que foi bem-sucedido antes.

O invejoso opera no ambiente de trabalho,
na política,
na escola,
na família,
nos relacionamentos pessoais…
ele se alimenta do que deseja,
e bebe a peçonha da competição com prazer,
a defecar escárnios
pelas pequenas conquistas alheias…

A Inveja mede o talento,
afere o conhecimento,
fere o discernimento,
se apropria do avanço,
copia o desempenho,
favorece o sistema,
valida o progresso material.

Sermos invejosos nos torna iguais…
Nos abastece de fervor
pela Pátria,
pela terra,
pelo valor
de sermos maiores
em bundas,
em mamas,
em caralhos,
em dinheiro…

A Inveja nos beija a boca todos os dias…
Esconde-se em nossas casas,
nas salas,
nos quartos,
na arquitetura social…
a Inveja se oferece em propagandas e pelas esquinas…
Na arte,
Na filosofia,
No pensamento…

Para o nosso bem, somos criados invejosos.
Crescemos estimulados a sermos outros.
Somos instados a idolatrar o ter.
Para nunca buscarmos a plenitude do Ser.
A viver a sensação de estarmos em haver.
Buscamos a Inveja para ser nosso patrão.
Tornamos a Inveja o nosso melhor padrão.
Invejamos a Inveja e ao outro a nos invejar…

Imagem: Foto por Kulbir em Pexels.com

Participam do BEDA: Lunna Guedes / Alê Helga / Mariana Gouveia / 
Cláudia Leonardi / Darlene Regina

Um Macho Alfa Para Chamar De Seu

Para o primeiro, ele fez questão logo que pode de fazer juras de amor. “I love you!” para lá. “I love you!” para cá. Seu objeto de desejo, brilhava alaranjado na escuridão que vibrava em torno de si. Mal por natureza, o de baixo encontrou identidade no sujeito de cima que dirigia sua casa à base de mentiras. Igualmente filho da mentira, sentia-se distinguido ainda que fosse desprezível e desprezado. As proles de ambos se imiscuíam em tarefas de sequazes espelhados. Apraziam-se todos de beber de fontes que julgavam inesgotáveis. A cegueira os guiou a construir fronteiras muradas, a derrubar linhas de comunicação com a verdade, a estabelecer a morte como ponto de medida de caráter edificante. Até que, um dia, o macho alfa do Norte foi embora, apeado do poder. Para quem os seus olhos se dirigiriam com o desejo de antes? Quem seria o exemplo de homem a ser seguido como amante dedicado?

Voltou a sua atenção para o Leste. Viu que ali estava alguém que, como ele, não prezava os limites da dignidade e tampouco da vida humana. Alguém ambicioso, que estufava o peito como ele mesmo fazia. Dono de mísseis que poderiam destruir o mundo assim como o outro, este, não apenas isso, não teria constrangimento em fazer uso. Um homem que via como corajoso, não insano como é. Que, como o seu antigo amante, ia atrás do queria sem pestanejar, ainda que não tivesse o topete físico do antigo. Um macho alfa, sem dúvida. Ridículo, como todos são. Para ele, alguém que valeria a pena investir. Para isso, serviria como peão no jogo de poder de seu novo objeto de desejo. Para isso, faria o que fosse pedido. Ajoelharia para rezar, ainda que colocasse o nome de seu País como almofada de apoio. Entregaria flores para homens que atacou um dia, apenas para receber um pouco da atenção de seu novo amado, se bem que bem menos do que a sua companheira atraiu. O ciúme que teria sentido foi por ele ou por ela?

Enfim, quando o seu novo macho alfa descumpriu a palavra, mas cumpriu o que intencionava – dominando como queria ser dominado, invadindo como queria que o invadisse, matando como sempre quis matar – deve ter sentido o máximo prazer orgástico que apenas um demente sentiria nesses momentos. Um ser que condena nos outros o que não aceita em si. O máximo elogio que poderia dar: se absteve de condenar a invasão. Entregou o País à reprovação mundial.

Entre Fazer E Poder Fazer…

… há uma diferença. Mas nem tudo o que podemos fazer deve ser feito. Não faltam ocasiões nas quais nos arrependemos de realizar o realizável, mesmo que aparentemente inofensivo. Para mim, é fácil cometer poesia, já que eu vejo tudo como se a vida escondesse certa trama poética. Mas materializar essa poesia em palavras pode redundar apenas em poesia ruim.

Eu, quando criança, tinha sonhos com um tema recorrente – peixes. Sonhava tanto com peixes a nadar que pensei em construir um laguinho artificial assim que possível. Já antecipava o prazer que sentiria ao ver os peixes se movendo de um lado para o outro por entre pedras e limites… Esse “pormenor” já tornaria o meu sonho menor. Perguntei-me: por que tentar conter um sonho dentro de um laguinho? Por que os meus sonhos não poderiam circular por todos os mares?

Eu, no entanto, poderia objetar que no lagos, nos rios ou nos oceanos abertos, eles enfrentariam o perigo e a morte a cada palmo, enquanto estariam protegidos em meu cantinho sintético… Como sou um ser composto basicamente um tanto de “porém” e outro tanto de “talvez”, contraponho de mim para mim mesmo que os seres somente podem alcançar as suas plenas potencialidades estando livres para realizá-las, ainda que por breves momentos. E, a meu ver, esse instante máximo equivaleria a toda uma vida de platitude.

Outrossim, devemos tomar cuidado para que um sonho não seja derivado apenas de um desejo pueril, com consequências funestas, se concretizado. Com o tempo, mais experientes, talvez consigamos perceber quais os sonhos que devam ser colocados em prática e quais aqueles que se restrinjam permanecer exclusivamente no plano dos sonhos, portanto eternamente belos e perfeitos.

Cegos

encontrados
cada um por si a cada um de nós
quisemos nos perder em olhares
e fomos tão fundamente
que ultrapassamos a interpretação
das mentes
que mentem desmedidamente
quando se trata de paixão
fechamos os olhos
apagamos a luz
tínhamos que nos unir em corpos
que não nos dizem mentiras
procuramos as nossas bocas
nossas línguas encontrando as suas rotas
exploramos desvãos e precipícios
as permanências oscilantes do desejo
de intensas a mais intensas
tateando as reentrâncias
protuberâncias e volumes
por dedos-mãos, peles, pelos
sede de beber líquidos
experimentando o gosto agridoce do prazer
em cálices e copos
em urros e ais
servidos à cama,
parede, mesa, sofá, tapete, o chão
pela química dos enfim mortalmente
feridos, exangues
de corpos presentes
estirados e velados
em silêncio
à penumbra…encontrados
cada um por si a cada um de nós
quisemos nos perder em olhares
e fomos tão fundamente
que ultrapassamos a interpretação
das mentes
que mentem desmedidamente
quando se trata de paixão
fechamos os olhos
apagamos a luz
tínhamos que nos unir em corpos
que não nos dizem mentiras
procuramos as nossas bocas
nossas línguas encontrando as suas rotas
explorando desvãos e precipícios
as permanências oscilantes do desejo
de intensas a mais intensas
tateando as reentrâncias
protuberâncias e volumes
por dedos-mãos, peles, pelos
sede de beber líquidos
explorar o gosto agridoce do prazer
em cálices e copos
em urros e ais
servidos à cama,
parede, mesa, sofá, tapete, o chão
pela química dos enfim mortalmente
feridos, exangues
de corpos presentes
estirados e velados
em silêncio
à penumbra…