02 / 11 / 2025 / Blogvember / O Rei

sentado em meu trono me pergunto
ora quem é o dono de meu destino
aproveito para forçar a saída e em um segundo
defino que é meu intestino
evacuar definiu o caminho da humanidade
civilizações que criaram meios de como recolher nossos dejetos
e encaminhá-los para longe de nós
se tornaram as mais desenvolvidas
as mais aptas a dominar às outras
por saber lidar com seu cocô
o intestino que bem funciona impulsiona o poder mental
de quem o carrega não há intriga
não há dúvidas nem desvios o sorriso prevalece
se sente feliz por poder evacuar com regularidade
com o prazer de deixar marcas em barro por onde passa
constato o que é claro o que sempre se soube
quem é senhor de sua mente não desmente —
sabe que tem o rei na barriga.

Foto por Gratisography em Pexels.com

Participação: Lunna Guedes / Mariana Gouveia

04 / 09 / 2025 / Pendular

Foto por Ron Lach em Pexels.com

não são poucas as vezes que me sinto sendo jogado
de um lado para o outro como se fosse movido
sendo atirado contra outros corpos que comigo se colidem
como se fizesse parte de um pêndulo de Newton
sei que outras pessoas me influenciam
mas conscientemente poucas me movem
ainda assim me comovem
porque estamos todos sendo transferidos
de nossos pontos de equilíbrio
mãos invisíveis (do destino?) atuam
tumultuam
o meu entendimento
me transportam para fora de mim
me perco entre o não e o sim
fico ou não fico ou não fico e fico
pior é não sentir
prefiro sofrer do que não nada sentir
percebo que isso é resumo de viver ou não
usar a pele como comunicação
usar as pernas e os braços para a expedição
de meu corpo transladado pela lei
da gravidade força arbitrária
a única lei que nos define como iguais
servos e mandatários todos pendulares
ainda que não sejamos igualitários…

04 / 05 / 2025 / A Decaída

Flor solta de um ramalhete,
cortada de sua origem,
a trouxe para casa
e a pus em um pequeno vaso
com água…

Ainda que por alguns dias,
a bela decaída passeou
o seu poder sedutor pelos recintos…

Antes de juntar os seus átomos
decompostos aos outros
que a esperavam,
a coloquei para ver o sol a decair,
para que percebesse que tudo
ao nosso redor
vive o seu ciclo…

Por fim, a flor cumpriu o seu destino:
a de inspirar e morrer…

19 / 04 / 2025 / BEDA / Estrada

Por algum motivo obscuro, as minhas quartas-feiras caíram no vácuo. Na semana passada, esqueci que estava agendada a minha terapia, às 10h. Dormi até tarde, já que havia deitado às 5h. Nesta quarta, a mesma coisa – esqueci da sessão, novamente às 10h. Não percebo nenhuma correlação, mas talvez haja. Só que desta feita dormi às 2h e acordei às 6h30. Havia agendado com a minha podóloga às 8h. Costumo utilizar essas visitas para caminhar. São 6,5Km de onde eu moro até o Limão, onde fica a clínica. Demoro uma hora e quinze minutos para completá-la. Com a Milena, trato das minhas unhas encravadas uma vez por mês.

Na caminhada até a clínica, entre subidas e descidas, encontrei pessoas que de alguma forma me impressionaram. Passei por uma senhora de belos cabelos brancos que se sentara numa mureta para descansar, ladeada por seu cão tão velho quanto ela. Eu sorri quando o vi e ao olhar para ela, sorriu para mim porque eu sorri para ele. Comecei o meu dia com um momento de aproximação com pessoas (incluindo o cão) que talvez nunca mais voltasse a ver, mas registrado o sentimento de união, viverão para “sempre”. Considerando que “sempre” nunca é para sempre. Mais adiante, um rapaz com uma camiseta de futebol com o nome de Vinni Jr. no costado, jazia semiconsciente numa esquina à espera da abertura do bar. Reflexos da derrota brasileira em terras argentinas no dia anterior?

Hoje mesmo, botando o papo em dia numa intimidade que três ou quatro anos de tratamento construiu, disse à Milena que a doma das minhas recalcitrantes unhas dos dedões do pé, me levaram à conclusão há algum tempo que ao vivermos um estado de equilíbrio saudável, esquecemos com facilidade que um dia sofremos alguma dor ou ela deixou de ter relevância. Ao me falar sobre seu filho, Pedro, que estava fazendo terapia, lembrei que tinha a minha, mais tarde. Abdicaria da volta à pé, como era a minha intenção.

Com a Milena, gosto de conversar sobre o moço que vive a fase da adolescência de uma maneira que me é familiar. Talvez todos os adolescentes sejam iguais, mas há aqueles que são mais iguais do que outros. E com o Pedro, me identifico. As mesmas impressões, experiências (ou a falta delas com relação às meninas, por exemplo), as mesmas dúvidas aterrorizantes de quem está naquela fase de ebulição constante, vítima dos tais hormônios que nos regem o sofrimento de sermos meio meninos, meio moços, num mundo de homens adultos que estão a perder o rumo. É uma estrada tortuosa, cheia de atalhos que mal tomados pode significar muitos desprazeres.

Desses sofrimentos me lembro e percebo que de certa maneira ainda repercutem em mim. Eu fico compadecido daquele garoto que fui, tão confuso, ao mesmo tempo que carregava todas as certezas do mundo. Já, então, havia decidido escrever como o primordial meio de expressão. Há momentos que prefiro apenas escrever porque quando falo é comum não ser compreendido. O que pode ocorrer também ao ser lido. Mas verbalizar intimamente o que se passa comigo, faz com que eu me reconcilie com a minha trajetória e descortine o rumo que estou a tomar. Estabeleço uma linguagem cifrada que me vale de alguma coisa. No mais, percebo que repiso paisagens pelas quais encontro como se fossem déjà-vu, mas com o peso de novo acontecimento. É quando percebo que estou como a andar em círculos e especular: seria esse o meu destino para os dias que se seguem?

Foto por eberhard grossgasteiger em Pexels.com

10 / 04 / 2025 / BEDA / Tanto Faz, Nada!

repudio quando cantam “vodka
ou água de côco (sim, eu acentuo!)
gosto quando fica louca
cada vez eu quero mais”…
a loucura é normalizada no sentido
de comportamento e se sentir dividida
perdendo as estribeiras o controle sobre o destino
se esquecem do sentido da demência alienante
sendo que a verdadeira loucura se faz com consciência
cônscio de si e aberto ao verdadeiro sentido da vida
que é se perder e se achar — se buscar
e buscar alcançar o outro a quem amar…

Registro fotográfico de 2014, no Litoral Norte de São Paulo.