Pouca umidade…
secura do clima.
Garganta seca…
secura n’alma.
“São só mais 200 metros até o ferro-velho!
Quem sabe,
consigo algum dinheiro para comer por hoje?”…
Então, por uma dessas interações que ocorrem ao vermos um vídeo, que nos leva a outro e depois a outro, cheguei ao Cazuza. Talentoso e controverso, filho da classe média abastada que vivia a vida louca das ações marginais de boutique e exageros típicos dos jovens inconformados com a pequenez do cotidiano, foi então o encontro com a possibilidade da morte eminente que o fez grande.
Conviveu com a Morte como quem encontrasse “alguém” com quem pudesse dialogar de igual para igual. Nesse contexto, “O Tempo Não Para!” foi uma tradução que profetiza todos os tempos, a incluir os atuais. Eu me lembro da apresentação desse tema realizada ao vivo em um programa especial de televisão. Tanto quanto o público, que o ouvia pela primeira vez, percebi o peso do que dizia:
“Disparo contra o Sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou o cara
Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara
Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o Tempo não para
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O Tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O Tempo não para
Não para, não, não para
Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando agulha no palheiro
Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros
Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o País inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para”…
*Há dez anos antes, escrevi:
“Apenas hoje, ao passar pela milésima vez, ou mais, por aquela esquina, foi que percebi a sequência de edificações ocupadas para diferentes finalidades — um estiloso motel, uma agência bancária e a unidade de uma igreja cristã. Pensei em fazer uma observação atilada de como aquele espaço expunha o poder das necessidades básicas dos sentidos, dos sentimentos humanos e do desejo de poder pelo poder, passando pela feição espiritual e ou educacional.
No entanto, uma faixa de “Aluga-se” na frente da entrada do prédio onde ficava a igreja, me demoveu momentaneamente de fazer um comentário de efeito moral. Ao final de tudo, niilistamente, não deixo de constatar que esta é uma cidade em que reza a grana e qualquer outra coisa vem a reboque.
Como já disse Caetano é “… a força da grana que ergue e destrói coisas belas…”. Caetano compreendeu bem o processo que permeia as relações em um lugar como Sampa, para usar um codinome que ele consagrou para esta cidade. Mesmo porque, quando mudou para cá nos finais dos Anos 60, veio justamente atrás da sobrevivência financeira e da divulgação de seu trabalho musical. A aparente contradição reside no fato do dinheiro que enquanto ergue belos monumentos, enterra a História — exemplo determinante da personalidade deste lugar.
Não tirei foto porque trata-se de instituições particulares, principalmente o banco, com o apelo de sua fachada. Mas a configuração é esta — um motel em estilo kitsch, como tem que ser, dividindo o muro com o banco, que divide o muro com a igreja batista que, junto com escola que mantinha, mudou de endereço — sexo, dinheiro e fé — ainda que pé quebrado…”.
Há dois anos, postei imagens de um #TBT de *2020, quando fiquei “preso” na nossa casa da Praia Grande. Foi decretado o fechamento das estradas como as que a ligavam para São Paulo. Esse período de isolamento só não foi ideal porque o acesso às areias e o mar foi também interditado. Uma medida radical, visto que ainda não havíamos entendido completamente os efeitos do vírus, tão misterioso quanto letal. As praias foram retomadas por pássaros como gaivotas, garças e gaviões. Pude observar essa dinâmica durante as minhas caminhadas ou deslocamentos por bicicleta. Os pombos, muitos espertos, perceberam que não havia mais à disposição os restos alimentares dos seres humanos e migraram para o lado das moradias, continente adentro onde, como na minha casa, tinham a ração à disposição dos cães para se alimentarem. Por elas, era acordado pelo alvoroço ruidoso que faziam ao invadirem o comedouro do Fred e Marley, que passavam presos dentro de casa (se não o fizesse, a casa acordaria de pernas para o ar) às 6h da manhã, quando as minhas despertadoras entravam em ação. Para quem crê que os efeitos do que aconteceu há dois anos deixaram de repercutir na vida social, é só observar a baixa vacinação contra a Dengue entre crianças. Muitos dos pais embarcaram na ideia negacionista quanto aos avanços científicos. Para se ver que os vírus de várias cepas atacam de morte a estrutura social.
#TBT de dois antes, em 2020, pleno início da Pandemia de Covid-19 e dos pesadelos do negacionismo, desassistência institucional do Governo Federal e da mortandade que crescia em proporção assustadora. O sorriso da primeira foto escondia o temor da exposição a um vírus desconhecido que matou, até o final do ano passado, antes do advento da variante Ômicron, cerca de 6 milhões de pessoas no mundo todo. Segundo a revista científica Lancet, o número pode ser três vezes maior do que o apurado.
O Brasil, que gosta de ser grande em tudo, incluindo o do desequilíbrio social e econômico, perdeu para os Estudos Unidos da América o posto de maior possuidor de mortos pela doença causada pela Covid. 10% das mortes ocorreram por aqui. 30 milhões de casos deixaram vários acometidos com sequelas pelo o resto da vida. Há dois anos, mal sabíamos todo o sofrimento que se desenrolaria graças a uma confluência de fatores, incluindo a péssima administração do governo central, entremeado por corrupção acobertada por orçamentos secretos, atraso na compra de vacinas e orações para o deus dinheiro.
Participação: Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso / Bob F.

Há dois dias, enquanto limpava o meu quintal, na rua ouvi passar um veículo anunciando a venda de ovos. O alto-falante apregoava: – “Ovos, ovos fresquinhos, trinta ovos por R$ 10,00!”. O pregão completava: “Caso não tenha dinheiro, trocamos por Tele Senas!”… Apesar de lembrar que a minha mãe comprava muito, não estava a par do que se constituía a Tele Sena e pesquisei. Ela vem a ser vendida, na verdade, como um “titulo de capitalização”, com premiações eventuais em dinheiro para quem faz mais ou menos pontos, na “raspadinha”, no momento da compra ou até o prêmio de uma casa, em sorteios especiais. Ao final de um ano, mesmo que não ganhe nenhum prêmio, o portador recebe a metade do valor que “investiu”. Acrescentada à inflação, o retorno é, obviamente, um péssimo investimento.
Dadas essas características, o nome de título de capitalização se perde. Capitalizar, para mim, tem o condão de, pelo menos, preservar o poder de compra do dinheiro investido. A não ser que… A não ser que o portador seja um sortudo e que venha a ganhar um dos prêmios. O que, dado o universo de “investidores-jogadores”, tem uma chance muito pequena de acontecer. Fora o fato de ser um valor menor se tivesse, simplesmente o comprado diretamente, depois de economizar para isso. O componente do jogo faz com que aquele pedaço de papel adquira um poder mágico, proporcionado pela possibilidade de que seja sorteado para um dos prêmios.
Fiquei a imaginar no caso daquela pessoa que tem uma Tele Sena, ainda vigente e que não tem mais nenhum centavo em casa, além daquele papel e que esteja passando fome. Será que aquela pessoa viria a trocar os jogos por ovos? A possibilidade pela certeza? O “quem sabe?” pela omelete? O vazio no estômago pela satisfação? Para mim, a resposta é óbvia, se bem conheço o brasileiro. Eu não jogo, por isso, digo que ganho toda semana. Mas para quem tem o bichinho do vício no sangue, o embate íntimo ganharia proporções dramáticas e a troca da Tele Sena pelos ovos seria como uma tentação do Demo. Ao final, sei que aquele dia seria mais um dia de fome. O “quem sabe?” venceria…