#Blogvember / Caixa De Joias

Foto por Karolina Grabowska em Pexels.com

Caminhando para o lado de dentro de Mariana Gouveia, leio – “Guardo-te na caixa dos segredos como se joia fosse… espio-te com lupas microscópicas”. Percebi o quanto essa frase se adequa ao meu comportamento contigo. Eu te preservei do mundo, como se fosse somente minha. Assim como tu faz parte do grande segredo que preservo do olhar mundano. Fiquei imaginando o quanto, mesmo sem nos conhecer, quem escreve pode nos alcançar em nossa intimidade.

Eu te vi crescer, perscrutei tuas jornadas, amizades, estudos, amores, teu desenvolvimento rumo à identidade livre de preconceitos. Eu te protegi de ações que te impediriam de ser quem quisesse ser caso ficasse sob o jugo da família de teu pai. Quando fugi da casa-prisão na qual queria nos guardar, lutei por teu futuro, por poder caminhar por tuas pernas, seguir tuas prioridades.

Quando neste ano lutamos juntas pelo bem do País, cantando, dançando, chorando para livrá-lo de mais quatro anos de um desgoverno a desviar de rotas sociais que nós ambas nos identificamos, soube que fiz o certo em deixar-te distante daqueles que estão do outro lado do muro do Apartheid que querem nos manter. Entre eles, teu pai. Fugi do Estado, mudei de identidade, trabalhei muito, me mantive discreta, te eduquei para ser livre, independente, franca, sincera, participativa, íntegra, amiga fiel, mas sei que é tua essa preciosa personalidade de grande mulher que acredita na igualdade na diversidade. Como é linda tua natureza pessoal!

Maria, esta pequena carta apenas lerás quando eu me for. Espero que entenda ao conhecer a tua origem e do quanto te amei para te guardar longe de tanto mal, da face horrível do ser humano dessa classe que se acha superior somente por ter mais dinheiro.

Um cheiro, meu amor!

Tua mãe, Mariana!

Participam: Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins

Os Rastejantes

Seres de outros planetas, os encontramos todos os dias. Convivemos muitas vezes pacificamente com pessoas que provêm de outras esferas de percepção e atuam sob as leis de suas origens, apesar de viverem sobre continentes terráqueos. Há situações em que se torna inevitável o confronto, sendo todos nós tão diferentes uns dos outros. A partir do momento que convivemos na Terra, adotamos o comportamento humano como padrão, apesar dos tentáculos e ventosas mentais que assustam à primeira vista quem não está acostumado com os seus volteios por sobre as duas cabeças dos Rastejantes, materialistas, apesar de chamarem a si mesmos como místicos. É comum que os pensamentos primitivos que carregam desde os seus planetas interfiram na vida comum de todos nós, incluindo aqueles que buscam o convívio pacífico de todos os habitantes deste plano e no transcendente.  

Normalmente, eu procuro me afastar desses espécimes que exprimem em cada sentença o horror vibracional de sentimentos baixos e que declaram ódio aos diferentes, mesmo sabendo que precisam deles, os outros que correm na mesma raia. Curioso como se processa o pensamento de um adverso, quis entendê-lo. Quando toquei no venerável nome do senhor mitológico que governa o seu planeta, não foi surpresa que o tenha defendido como o ser mais edificante que já existiu – probo, honesto, religioso, benemérito. Apesar de estar vivendo mal, sentindo a precariedade que o fez deixar o seu planeta para viver no nosso, que lhe dá suporte mínimo de subsistência, o idolatra. Caso estivesse no mundo mitológico que o seu senhor diz existir, cairia nas tramas dos desvalidos, sem eira, nem beira, aliás, sem teto sequer, como tantos… cada vez mais.

Os Rastejantes advogam o plano de sustentação de seu líder, baseado na destilação do desamor e da conflagração – um inimigo sempre a vencer, uma ideia inclusiva sempre a combater, uma mentira sempre a prosperar. Ideologizar negativamente qualquer possibilidade de equivalência das classes sociais é garantido na inspiração da maledicência, mais aglutinadora do que bons propósitos, eficazmente tratados como se a bandeira da igualdade e a defesa de direitos fossem inescrupulosas – porque torna todos os habitantes no planeta não importa de qual estrela tenham vindo – como iguais. Isso não é tolerável para os seguidores desse ignominioso chefe de quadrilha interestelar, ladrão de consciências incautas. Infelizmente, deixamos prosperar o veneno da intolerância contumaz entre nós, sem regras. Ao contrário, as regras que ditam pressupõem a morte do adversário como solução.

Após chegar em casa vindo do trabalho, mesmo cansado, fiquei uns quinze minutos pensando como deve ser difícil para o Rastejante conviver com os diferentes da mesma casta – pois acredita nelas – e vê-las sorrir, apesar da dor; cantar, apesar da tristeza; a dançar, apesar do sofrimento de simplesmente andar. Ele acredita na iniciativa privada – já dirigiu uma casa de aliciamento de corpos para diversão – e não entende como, apesar de se sentir inferior, não seja incensado como a pessoa mais incrível que já existiu (assim como seu modelo), a sorrir para se sentir aceito. Reproduz as mensagens de esquadrões de soldados do seu governante sem pensar sobre elas, sem verificar a veracidade, sem contestar a procedência. Robótico como se não tivesse mente, vocifera palavras de ordens-cópias como se fosse uma máquina quebrada.

Apesar de minha tendência em aceitar todos em suas diferenças, percebo que não devo permitir que Ets maléficos invadam o meu planeta tão ferozmente – incendiando casas, devastando florestas, matando desfavorecidos, calando a cultura da diversidade. Ergo o meu escudo mental e tento me alhear dos Rastejantes e da ideologia quimérica de equalizar os que lhe são contrários. Agem através de milícias que auxiliam os pobres de espírito a prosperarem na intenção de tornarem o nosso mundo Terra arrasada. Que sejam combatidos para que um futuro plausível exista para todos nós, incluindo os próprios Rastejantes, porque defendo o direito de cada um pensar de sua maneira desde que não seja no propósito de fazer mal ao próximo.

Transitório Permanente

O texto a seguir foi escrito em 2013 e postado no Facebook. Era um flagrante da divisão do País, inventada ou apenas constatada e, então, posta em evidência para a obtenção de frutos eleitorais e que começava a mostrar seus horrendos dentes infectados de veneno. O incrível é que vivemos um momento parecido, mas com sinais trocados. É como se a mesma personagem – a nação brasileira – tivesse feito um movimento oposto ao que professava e as nossas mazelas materiais, disparidades estruturais e desequilíbrio socioeconômico tenha criado um caldo de cultura propício ao desenvolvimento de certa esquizofrenia social.

“Todos aqueles que me acompanham, já devem ter percebido que posto escritos e fotos que tentam relatar o que chamo de ‘transitório permanente’. Se há algo que seja flagrantemente permanente é o transitório. Da corrente do transitório é bem possível colhermos o que seja representativo do eterno, na visão de muita gente. São aqueles instantâneos com os quais se identificam – alguns, porque calam fundo n’alma, por terem vivenciado algo semelhante ou por ser de alguma forma belo ou porque sinta ser real. No entanto, nem tudo que parece ser real é bonito ou seja realmente real.

Tenho amigos que construíram um mundo baseado em instantes bonitos, ideais e idealizados. Por eles, sinto uma profunda empatia, conquanto os sinta totalmente enganados, na minha visão, que poderá estar igualmente enganada. Esse sentimento se deve ao fato de ter vivenciado a mesma ilusão, em que me recusava a ver o que estava patente. O acontecimento se demonstrava por si mesmo e eu transportava a minha miopia física para a mental. Tentava sempre encontrar uma explicação viável para a circunstância. Subvertia a realidade a favor do que eu acreditava.

A Lei da Gravidade era refutada, a formalidade do movimento dos corpos celestes não existia e o homem não era filho do homem. Nessas ocasiões, quem estivesse contra o que eu acreditasse não era apenas alguém de opinião diversa. Era um opositor que não queria o bem da humanidade – um representante do mal. Tudo o que fosse falado contra a minha idealização era eivado de malícia, sem merecimento de qualquer consideração. Como os eventos não se coadunavam com o regramento do que fosse correto, as regras perdiam a validade. 

Por ter vivido essa fase, busco sempre me colocar no lugar de quem acredita em determinada situação que, a olhos vistos, não é real. Novamente, repito que posso estar iludido. Como estamos todos nós ao nos atermos ao que seja passageiro, se fiando no Passado como se fosse o Presente, crendo em um Futuro melhor sem trabalhar para isso atualmente. Prefiro crer que seja ledo engano e não, pura e simplesmente, má intenção ou, mais extensivamente, mau-caratismo.”

Há algum tempo, decidi trilhar o caminho do meio (não confundir com o centro), buscando equilibrar a avalanche de informações mascaradas de conhecimento. Percebo nossos cidadãos transitarem em zonas mal definidas que ora flertam com os radicalismos de esquerda, ora de direita. Ambos apresentam o traço comum de acolherem com alegria soluções em que a individualidade e a diversidade devam ser suprimidas em nome do bem comum. Quando um lado ou outro alega defender determinada causa, se nota a manipulação circunstancial operada por engenheiros de projetos hegemônicos. A Democracia se torna apenas um meio para isso, tornando-se ao longo do percurso, inconveniente.

Atualmente, é de minha opinião que mostramos nossa face mais pérfida. Somos um povo que celebra o mau-caratismo como se fosse esperteza heroica. Na versão atualizada,  agora que a Terra é plana, mudamos de Salvador da Pátria e decrescemos em qualidade idealizadora, se fosse possível adjetivar dessa maneira. Antes, sonhávamos com a busca de igualdade, ainda que sem lastro na realidade, o que, mais cedo ou mais tarde, se transforma em pesadelo ou sonho mal acabado, depondo contra si mesmo. Agora, elegemos celebrar a diferença meritória baseada na injustiça e reforçamos os mecanismos de desigualdade que sempre foi a base de nossa pobre identidade. Formamos um triste País…

 

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Dezembro Em Preto & Branco

Dezembro… luz do sol… calor… mês de festas… Preto no branco, quase não há o que comemorar, a não ser termos sobrevividos a um ano tão doloroso quanto um ferimento à faca. Em tempos em que cada termo ou imagem passa pelo escrutínio ideológico, essa metáfora, por mais inocente que pareça, indicaria pendores aleivosos. Pelo sim, pelo não, não precisa ser faca, então. Vamos dizer que tenha sido tão doloroso quanto o espancamento de um ser inocente com barra de ferro apenas para não tê-lo por perto. Este ano se encerra com dúvidas e incredulidade muito maiores do que quando começou. Fiz previsões para este ano da graça de Vinte Dezoito. Foram publicadas em uma das Revistas da Scenarium Plural – Livros Artesanais. Eu as reproduzirei aqui, até o seu final. Errei muito. Não queria acertar o que acertei.

Por hora, resta aludir às imagens em P&B – tema desta edição do “Projeto Fotográfico 6 On 6” – que consiste em postar seis imagens comentadas publicadas no sexto dia de cada mês, por autores convidados por Lunna Guedes. As fotos em preto e branco são, para mim, estranhamente mais atraentes que as coloridas. Talvez, uma influência direta do fato de ter assistido meus programas favoritos em TVs P&B até meados de 1982, quando minha mãe juntou o dinheiro que tinha e que não tinha para comprar uma TV Colorida para assistirmos a Copa da Espanha.

6 On 6 - P&B

Ao passar pelo Museu da Diversidade, instalado na Estação República do Metrô de São Paulo, encontrei essas palavras em um dos vários quadros com dizeres espalhados pela parede externa do pequeno e expressivo espaço de resistência da liberdade de ser. Traduz de forma exemplar como somos manipulados para viver por padrões que engessam nossa expressão humana. E como nossos sentidos – físicos e infra-ultra-físicos – se entregam à estereótipos confortáveis e padronizados para interpretar o mundo que nos rodeia.

6 On ¨- P&B (Devaneio)

A luz do sol inclinada na hora do crepúsculo, banha o vale e sua casas. Entre elas, a minha, que se sente calorosamente atravessada. Como o personagem de “Beleza Americana”, que assiste o passeio de um saco plástico ao sabor do vento, eu me perco em devaneios para formar imagens que se diluem em linhas costuradas pela imaginação. O registro fotográfico apenas arranha na superfície a viagem para o tudo ou nada do que vislumbro…

6 On 6 - P&B (Escuridão)

A imagem acima é um atestado do que coloquei acima, sobre preferir tons mais sombreados em contraste com a brancura dos corpos. Neste caso, de cravos vermelhos. O que eventualmente tenha se perdido em cor, ganhou em consistência – peso seria uma boa palavra – quase como se as delicadas pétalas fossem revestidas de ferro.

6 On 6 - P&B (Chuva Na Marginal)

Normalmente, voltamos de madrugada – eu, meu irmão e nosso auxiliar – dos eventos em trabalhamos na produção com nosso equipamento de som e luz – esta, idealmente colorida. Dia desses, quando choveu tanto em São Paulo que vários trechos da Marginal foram alagadas com as águas do Tietê, passamos transversalmente, a salvo por pontes do Corredor Norte-Sul. Registrei esta ilustração noturna que logo se configurou, como caçador de imagens, em uma das minhas favoritas desde sempre.

6 On 6 - PB (Portal)

Este portão de uma residência aparentemente abandonada é quase um portal do tempo. Não posso ver construções como essa sem reconstruí-las como à época de seus esplendores funcionais. Esta, acima, se localiza no início da Francisco Matarazzo e não duvido que tenha feito parte do patrimônio do próprio Comendador, como quase tudo no vale que a avenida que carrega seu nome, percorre. Esse portal dá entrada a uma pequena vila bastante descaracterizada, com linhas mais retas-modernas-pobres do que as belas-esféricas-sinuosas do passado. As primeiras, preferi cortar da foto.

6 On 6 - P&B (Idades)

De início, não via vinculação entre as duas imagens que estão expostas lado a lado. No entanto, a primeira, originalmente em P&B, representa um auto-retrato sem tanto apuro técnico, pois desenhava bem espaçadamente naquela época, ao contrário de anos antes, quando cheguei a me imaginar desenhista e até, pintor. Nada impede que possa me tornar um, algum tempo adiante. A segunda, devido à falta de luz, sombreou naturalmente. Contribuí com um pouco mais de escuridão. No desenho, o queixo é menos largo e o nariz menor do que se tornaram. O rosto, mais preenchido em suas linhas. O olhar, é de espanto. Espanto que carrego até hoje, talvez com os olhos espremidos de quem pensa demais. Além do que relacionei em comum, nos dois registros, uso óculos. Ao contrário do que diz a música, eu nasci de óculos, ainda que tenha começado a usá-los apenas a partir dos 12 anos…

Participam desse projeto:
Ana Claudia Anália BossClaudia LeonardiFernanda AkemiLuana de SousaLunna Guedes Mari de CastroMariana Gouveia Maria Vitória  Isabelle Brum